As Ciências e Tecnologias da Cognição
Por: Norton Moreira • 6/12/2016 • Resenha • 9.761 Palavras (40 Páginas) • 196 Visualizações
As Ciências e Tecnologias da Cognição
“Há muitos anos quatro intelectuais estavam atravessando o deserto de Kawir com uma caravana. À noite todos sentavam-se juntos ao lado da fogueira e conversavam sobre suas experiências. Todos estavam cheios de admirações pelos camelos. Ficavam assombrados pelo seu contentamento, admiravam sua força e achavam quase incompreensível sua paciência.’ Nós somos os mestres da pena’, disse um deles.’ Vamos descrever ou desenhar este animal de modo que louvemos e honremos o camelo’. Assim que disse estas palavras, pegou um rolo de pergaminho e entrou em uma tenda iluminada por um lampião a óleo. Depois de alguns minutos, ele saiu e mostrou sua obra aos seus três amigos. Ele havia desenhado um camelo levantando-se de uma posição de descanso. O camelo estava tão bem desenhado, que quase dava a impressão de estar vivo. O homem seguinte, então, entrou na tenda e logo saiu. Ele trouxe uma curta descrição objetiva das vantagens que os camelos trazem a uma caravana. O terceiro escreveu um poema encantador. Então o quarto homem finalmente entrou na tenda e proibiu aos outros perturbá-lo. Algumas horas depois, o fogo havia se apagado, e os outros já estavam dormindo. Mas da tenda mal-iluminada ainda vinha o som do rabiscar da pena e o canto monótono. (...)”
Leitura
Livro Texto Introdução às Ciências da Cognição
Apresentação (págs. 09 a 15)
Texto extraído da dissertação de mestrado de Silvana Bilck (UFSC – PPGEP)
O ambicioso objetivo de registrar uma visão geral e atual das ciências cognitivas deve, aqui, dar lugar a uma busca concisa de delimitação do próprio estudo, sem perder a fidedignidade e a atualidade. Para tanto, dentro da proposta do presente estudo, delimitar-se-á este fascinante assunto nas esferas de um histórico sucinto das ciências e tecnológicas da cognição e de como algumas atividades cognitivas estão sendo entendidas hoje: as questões pertinentes à percepção e à representação mental.
Cabe ressaltar que entendemos o funcionamento cognitivo como o funcionamento de um sistema, e que as descrições que seguem são algumas das inúmeras possíveis, sendo que um sistema pode ser descrito em diversos níveis: do microcosmo ao seu macrocosmo, passando por visões de várias disciplinas. Buscamos alguns entendimentos da descrição funcional do sistema cognitivo, procurando centrar a pesquisa nas descrições de algumas atividades cognitivas já citadas, e não do conjunto das atividades cognitivas.
Na verdade, por delimitação de pesquisa, procuraremos entender algumas das atividades mentais envolvidas em processamentos de mais alto nível, além de iniciarmos com um rápido olhar para as questões psiconeurológicas do cérebro e da percepção.
A representação, o insight e a organização do conhecimento inserem-se nos estudos de atividades mentais de alto nível, como a compreensão, o raciocínio e a resolução de problemas. Estas capacidades geralmente são consideradas atributos da consciência. São parte das atividades cognitivas, mas situam-se além das informações sensoriais e antecedem a realização comportamental das ações, incluindo a subjetividade da consciência. (Fialho, 2001)
As ciências e tecnologias da cognição em seu período moderno, representam uma grande modificação na história do espírito e da natureza. Acreditamos que pela primeira vez a ciência reconhece sua legitimidade pela exploração do conhecimento em si, a ciência do conhecimento do conhecimento, onde caminhou para muito além das fronteiras tradicionais e da própria epistemologia em que antes a ciência confinara-se. Todas estas mudanças ocorreram exatamente por causa do programas cognitivos que vão se apresentando aqui, e também porque pela primeira vez o conhecimento encontra-se unido a uma tecnologia. Uma tecnologia que como afirma Varela:
“... uma tecnologia que transforma as práticas sociais sobre as quais assenta-se sendo a inteligência artificial o exemplo mais flagrante. A tecnologia, entre outras coisas, age como amplificador. Não se pode separar as ciências cognitivas e a tecnologia cognitiva sem amputar esta ou aquelas de um elemento complementar vital. Por outras palavras, através da tecnologia, a exploração científica do espírito estende à sociedade um espelho que ela própria não vê, muito para além do circulo do filósofo, do psicólogo ou do pensador”. (****,10)
Chegamos assim, ao ponto central atualmente em ciências cognitivas: os modelos computacionais. Talvez o primeiro impacto desta tecnologia seja de que a sociedade ocidental passa a ser confrontada com questões como: Pode se comparar a mente com um sistema computacional? A linguagem pode ser compreendida por uma máquina? O espírito é uma manipulação de símbolos? Questões como essas justificam o grande interesse pelas ciências cognitivas e suas tecnologias, sendo que a inteligência artificial insere-se profundamente na vida das pessoas, a começar pelos mais jovens e seus jogos informatizados.
Todas estas questões levam a uma alteração: durante milhares de anos os homens tiveram uma compreensão espontânea de si mesmos, sempre dependendo da cultura de sua época. Mas agora, esta visão popular do espírito pode entrar em contato com a ciência, e por conseguinte, ser transformada. Existem, é claro, aqueles que lamentam tais mudanças, como também são muitos os que as consideram positivas.
Um breve histórico
A ciência cognitiva possui muitas escolas de pensamento divergentes, cada qual com seus respectivos apologistas. Fazer justiça integral a todos eles significa, ao mesmo tempo ser injusto com eles. Ao invés disto, realizamos um levantamento amplo da ciência cognitiva, apontando as idéias principais desta área, na delimitação dos tópicos já citados.
Uma breve retrospectiva histórica torna-se importante, pois qualquer ciência que ignore seu passado arrisca-se a repetir os seus próprios erros, além de perder as perspectivas do seu desenvolvimento.
Certamente cada época da história da humanidade, através do cotidiano de suas práticas sociais e de sua linguagem, produz uma estrutura imaginária. A história demonstra claramente como a imaginação científica altera-se, por vezes radicalmente, de uma época para outra.
Talvez não tão evidente, mas também correto é o fato de que a história humana da natureza, segundo Varela (****,10), também corresponde a uma história das teorias do conhecimento do próprio homem. Para ele, seja através da física grega, do método socrático, dos ensaios de Montaigne e o início da ciência francesa, sempre houveram precursores daquilo a que hoje chamamos de ciências cognitivas. Também Gardner (1996) entende que o estudo da cognição permeia a história do homem, sendo que suas raízes remontam aos períodos clássicos.
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