Produção - Sistemas, Políticas e Economia de Saúde
Por: Caio Areias • 15/6/2019 • Resenha • 1.904 Palavras (8 Páginas) • 167 Visualizações
Resenha Crítica do texto “O SUS que não se vê” – Revista Radis, edição de abril/2011
Em 2018, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) completa 30 anos. Concebido a partir do National Health Service, programa britânico pós-Segunda Guerra, o SUS é considerado um dos maiores sistemas de saúde pública do mundo. Seu marco legal fundamenta-se nas Leis Orgânicas da Saúde nº. 8.080/90 e nº. 8.142/90, e possui como princípios a Universalização, a Equidade e a Integralidade, as quais garantem o acesso à saúde a todos os que habitam o país (inclusive estrangeiros), conforme rege o artigo 198 da Constituição Federal de 1988 – “a saúde é direito de todos e dever do Estado”. Durante as últimas três décadas, este eminente sistema, do tipo seguridade social, viu sua rede de atendimento e seus programas assistenciais crescerem exponencialmente. Apesar disso, estima-se que um terço dos brasileiros não conhece os serviços oferecidos, muitas vezes afirmando nunca os terem utilizado, ainda que isso tenha ocorrido de forma indireta. O artigo “O SUS que não se vê”, lançado em abril de 2011 pela Revista Radis – Comunicação em Saúde, aborda essa percepção limitada da população – e também de nós mesmos, futuros gestores de saúde – , associando tal fato majoritariamente à falta de divulgação da marca, assim como ao descrédito da imprensa, às práticas ineficientes de gestão, ao enviesamento político e à baixa noção de pertencimento da sociedade. Independentemente de ter sido publicado em 2011, o texto se mantém atual e ainda descreve bem os percalços que o SUS enfrenta diariamente.
O artigo se inicia com um levantamento feito pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aberta), em que 34,3% dos entrevistados afirma nunca ter usado SUS, o que, segundo o autor, parece improvável devido à sua universalidade. Ao citar os Indicadores de Percepção Social (SIPS/IPEA) em fevereiro de 2011, verifica-se que as melhores avaliações do sistema vieram de quem o utiliza – 68,9% dos usuários. Por outro lado, o número de pessoas que declaram nunca terem utilizado o SUS e consideram-no ruim ou muito ruim (34,3%) supera o daqueles já o utilizaram e dizem o mesmo (27,6%). Esses dados mostram uma comunicação ruidosa existente em relação à diferença da visão que a população tem do Sistema Único de Saúde e daquilo que ele realmente é. Ou seja, segundo o que se percebe no decorrer da leitura, há uma relação conflituosa na divulgação do SUS, pois as boas práticas do sistema são encobertas pelas externalidades negativas inerentes à demanda por saúde pública, como filas e morosidade de atendimento. Um exemplo de descrédito citado no texto é a falta de utilização da logomarca do SUS em campanhas publicitárias ou no anúncio de programas, apesar da determinação do próprio Ministério da Saúde. Muitas das realizações viabilizadas e veiculadas pelo SUS têm seus créditos levados por gestores públicos, sendo pouco exploradas e divulgadas em ações tidas como referências – como no tratamento da AIDS, transplantes e redes de doadores de medula –, enquanto que a visão de suas mazelas e ineficiências muitas vezes é enfatizada, levando seu verdadeiro significado a permanecer na ignorância de boa parte da população. De forma ampla, esta disputa comercial entre aquilo que é poder público e o que é de direito de acesso da população muitas vezes enfraquece este último.
Além dessa representação parcial e desfavorecida do SUS ter se consolidado, a imprensa costuma demonstrar resistência à divulgação de uma imagem que o favoreça. Assuntos que revelam dificuldades históricas de acesso a medicamentos, pressão pela inclusão de novos procedimentos e alta espera por atendimentos são aqueles que ainda têm seu espaço de publicidade garantido, pois eles podem, aparentemente, apresentar uma imagem de confronto ao poder público. Programas bem avaliados, como campanhas de vacinação e o tratamento da AIDS, simplesmente não são abordados em entrevistas dadas pelos agentes públicos (municipais, estaduais e federais) nos contatos com a imprensa, onde se contestam comumente questões como espera e lotação dos hospitais. Ademais, um outro fato importante apontado nesta discussão pela jornalista Cristina Ruas, especialista em saúde, é o de mobilizar a comunicação dos assessores políticos em três pilares: técnico, financeiro e político. O primeiro pilar visa a apropriação abrangente dos problemas do setor, a fim de melhor trabalhar a visibilidade dessas questões com as prefeituras e a população. O segundo, trata da melhor compreensão de planejamento e gestão da marca. No terceiro, a atuação do profissional dependerá do comprometimento do gestor que o contratou em relação ao SUS, bem como de seus interesses em relação à mídia. Traçando um paralelo com o dia-a-dia de um gestor de saúde, seja no setor público ou no setor privado, esses pilares mostram-se também muito relevantes, uma vez que permitem uma reflexão sobre os assuntos a serem priorizados na agenda de tarefas, auxiliam no planejamento financeiro da instituição e flexibilizam o diálogo com equipes dirigidas e com a própria empresa.
Um dos desafios dos novos gestores de saúde – e do próprio sistema – é mostrar à população os pontos positivos do SUS e que, apesar de sua fragilidade histórica e de ainda estar em construção, é um dos poucos sistemas de acesso universal à saúde no mundo e que seu oferecimento vai além de serviços hospitalares. Ao tratar da responsabilidade da gestão em saúde, Hans Dohmann, na época secretário municipal de Saúde do Rio de Janeiro, afirmou que os gestores devem focar na instituição SUS como um todo, e não somente em si, no individual (o que compromete o próprio conceito de seguridade social); ou seja, é preciso evitar a auto-promoção. Destaca também que se deve investir em um plano de comunicação estratégica do sistema e que, independentemente de partidos políticos e de equipes de gestão, o SUS é um patrimônio nacional. Analisando o discurso, esse pensamento é muito salutar vindo de um gestor público: encontra-se em harmonia com os preceitos constitucionais supracitados e com a legalidade de criação do sistema de saúde brasileiro
Segundo Luiz Odorico Monteiro de Andrade, secretário de Gestão Estratégica e Participativa do Ministério da Saúde em 2011, mostrar o SUS como patrimônio nacional é um dos maiores desafios de gestão, pois uma considerável parcela da classe média brasileira optou também por planos de saúde privados, apesar de utilizar – ainda que indiretamente e sem saber – o sistema público, descreditando-o e taxando-o apenas como um serviço para a população mais pobre. Reitera que, para reestruturar essa imagem historicamente desconstruída, é preciso mostrar que os serviços vão além do hospitalar-ambulatorial e que também incluem promoção, proteção, recuperação, reabilitação, entre outros. Serviços sanitários monitorados pela ANVISA, como o do tratamento da água, são também citados. No que tange à questão de pertencimento pela sociedade, Odorico reafirma a importância do SUS como porta de entrada da população à saúde, mas que “a expansão da cobertura não foi seguida de investimento maciço na qualidade do acesso, gerando insegurança na população”. Trata-se de uma possível crítica à forma de financiamento do sistema, balizada em planejamento orçamentário anual. Em seguida, conclui que ainda não é possível vislumbrá-lo como uma política pública de “raízes solidárias e humanísticas, na busca da universalização da saúde” e reforça o dilema ético em que “as pessoas que trabalham e que opinam não são usuárias do sistema, ou melhor, não se reconhecem como tais”. Esse pensamento de gestão encontra-se em consonância com a análise dos dados estatísticos exposta no início desta resenha. Complementando a discussão, Márcia Amaral, secretária executiva do Ministério da Saúde no momento da reportagem, confirma a necessidade de sedimentar a noção de pertencimento do SUS, além de dar maior visibilidade ao conjunto de suas ações, para que a “sociedade possa melhor usá-lo, valorizá-lo, defendê-lo e criticá-lo, exercendo o controle social”. Ratifica as opiniões já vistas até aqui, dizendo que “é natural que as áreas com maior dificuldade chamem mais a atenção da população, pois são, constantemente, pautadas pela mídia. Mas, isso não pode ofuscar a qualidade dos serviços que já são prestados pelo SUS”.
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