“Sinto, logo existo”: A importância das sensações e a compreensão do mundo exterior em Rousseau.
Por: Amanda Marangone • 20/3/2016 • Relatório de pesquisa • 1.622 Palavras (7 Páginas) • 792 Visualizações
“Sinto, logo existo”: A importância das sensações e a compreensão do mundo exterior em Rousseau.
“Por que a imagem, que é a sensação, não é conforme a seu modelo que é o objeto? É porque sou ativo quando julgo, porque a operação que compara é falível, e meu entendimento que julga as relações, mistura seus erros à verdade das sensações, que só mostram os objetos (...) Que se dê este ou aquele nome a essa força de meu espírito que aproxima e compara minhas sensações, que seja chamada atenção, meditação, reflexão, ou como se quiser, sempre será verdade que ela está em mim e não nas coisas, que sou eu que produzo, embora só as produza por ocasião da impressão que fazem sobre mim os objetos. Sem ter o poder de sentir ou não sentir, tenho porém o de examinar mais ou menos o que sinto.
Não sou, pois, simplesmente um ser sensitivo e passivo, mas um ser ativo e inteligente, e, digam o que disserem da filosofia, ousarei aspirar a honra de pensar. Sei apenas que a verdade está nas coisas e não no meu espírito que as julga, e que, quanto menos coloco de meu nos juízos que faço sobre elas, mais estou seguro de me aproximar da verdade." (Rousseau, J.-J. Emílio, Cap. IV, SP: Martins Fontes, 1995, p. 363-4)
No trecho do livro “Emílio ou Da Educação”, Rousseau responde ao questionamento e comparação entre a imagem e o objeto, respondendo (com o perdão da simplicidade) que a imagem não corresponde verdadeiramente ao objeto já que o sujeito da sensação é sempre ativo, misturando seus erros às verdades da sensação. Assim, para apresentar sua resposta o autor traz elementos chave de sua doutrina, o que permite apresentar um retorno satisfatório ao questionamento, tais elementos são fundamentais para que compreendamos a profundidade da resposta.
O pensamento do século XVI ainda encontrava-se impregnado pela cultura da revolução científica, marcada essencialmente pelos pensamentos cartesianos e pela máxima “Eu sou, eu existo”[1], quando Rousseau propõe que as sensações demonstrariam nossa existência. Na concepção de Descartes, após transcorrer todo o percurso da primeira meditação do livro “Meditações”, chegando ao solipsismo, a única coisa que provaria nossa existência seria o fato de pensar, portanto, se eu penso (e penso em todo esse discurso desconstrutivo e solipsista) preciso pelo menos existir para fazê-lo. Todavia, para Rousseau o primeiro contato, e único verdadeiro, com o mundo exterior se dá através das sensações, e são elas que me garantem a existência desse mundo.
Na Profissão de Fé do Vigário Saboiano, o Vigário, busca responder seus questionamentos, “quem sou eu? Que direito tenho de julgar as coisas? E o que determina os meus juízos?”[2], Rousseau nos mostra a importância dos sentidos em sua doutrina, conforme se segue:
“Existo e tenho sentidos pelos quais sou afetado. Eis a primeira verdade que me atinge e com a qual sou forçado a concordar. (...)
Minhas sensações passam-se em mim, já que me fazem sentir minha existência; mas sua causa me é estranha, pois me afetam mesmo que eu não queira, e não dependeu de mim nem produzi-la, e nem aniquilá-las. Concebo, pois, claramente que minha sensação, que é eu, e sua causa ou seu objeto, que é fora de mim, não são a mesma coisa.
Assim, não apenas eu existo, mas existem outros seres, a saber, os objetos de minhas sensações, e mesmo que esses objetos não passassem de ideias, continuam sendo verdade que essas ideias não são eu.”[3]
Assim, para Rousseau, a sensações, primeiramente, demonstra a minha existência e, em segundo, a existência de outra coisa que não sou eu, ou seja, os objetos de suas sensações que, mesmo que sejam só ideias, ainda sim é algo que não sou eu. Desta forma, as sensações são o primeiro contato do ser com o “não-eu” (mundo exterior) e, portanto, seriam verdadeiras.
Apenas em caráter ilustrativo, Rousseau na obra “Ensaio sobre a origem das línguas” elenca os sentidos e os hierarquiza, sendo sentidos ativos o gesto e a voz, e sentidos passivos a visão e a audição.
Diante do esclarecido, os sentidos são meio através do qual percebemos os objetos, o meio imediato de apreensão desses objetos, e, portanto, nos trazem o que tem de mais verdadeiro do mundo exterior. Essa apreensão realizada pelos sentidos se dá, no caso da visão, através da imagem, nesse mesmo sentido, a imagem, no momento da sensação, seria uma representação fiel do objeto.
Por outro lado, quando deixamos de ter a sensação do objeto, ou seja, ter o contato imediato com ele, nada mais de verdade poderemos afirmar sobre ele, já que tudo que temos são a sua memória e a sua imaginação e estas estão sujeitas aos nossos julgamentos e, por consequência, aos nossos erros.
“Perceber é sentir; comparar é julgar; julgar e sentir não são a mesma coisa. Pela sensação, os objetos apresentam-se a mim separados, isolados, tais como se encontram na natureza; pela comparação, mexo-os, transporto-os, por assim dizer, coloco-os um sobre o outro, para me pronunciar sobre a sua diferença ou sobre a sua semelhança, e, geralmente, sobre todas as suas relações. A meu ver, a faculdade distintiva do ser ativo ou inteligente é a de poder dar um sentido a esta palavra é. Busco em vão no ser puramente sensitivo a força inteligente que se superpõe e depois sentencia; não seria capaz de vê-la em sua natureza.”[4]
Portanto, conhecer os objetos separadamente por meio dos sentidos no fazem conhecer a verdade, no entanto, a compreensão das relações entre os objetos nos levam à esfera do julgamento, esse sim sujeito a erros uma vez que o sujeito da sensação passa a ser ativo na construção do pensamento.
Conforme se vai desenhando na obra “Emílio ou Da Educação”, sob tudo no trecho da Profissão de Fé do Vigário Saboiano, Rousseau busca analisar a fonte do conhecimento e dos erros em nossos juízos. Resta evidenciado que para o autor a fonte do conhecimento são as sensações, ou seja, é meio pelo qual apreendemos o mundo, no entanto, a garantia desse conhecimento se dará pelas relações entre eles estabelecidas pelo sujeito.
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