MBA GESTÃO DE PESSOAS
Ensaios: MBA GESTÃO DE PESSOAS. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: paulofvmendonca • 20/8/2014 • 3.236 Palavras (13 Páginas) • 512 Visualizações
Especial
A vida com instruções
Num mundo cada vez mais complexo, em que os
desafios no convívio social, familiar e profissional
aumentam em progressão geométrica, adotar regras
se tornou uma questão de sobrevivência. Mas é
preciso saber escolher as que funcionam
Okky de Souza e Vanessa Vieira
Montagem sobre fotos de Paulo Vitale
A certa altura do livro O Apanhador no Campo de Centeio, o célebre romance de J.D. Salinger, o professor Spencer diz ao aluno rebelde Holden Caulfield: "A vida é um jogo, rapaz. E ele deve ser jogado de acordo com as regras". O Apanhador foi escrito no início dos anos 50, em um tempo em que as regras para viver em sociedade eram em sua maioria guiadas pelo instinto, pelo bom senso, pela naturalidade, dando-se chance à sorte, ao destino, às surpresas. Hoje é diferente. As regras são produzidas em linhas de montagem e viraram mercadorias cada vez mais valorizadas. Jamais houve tanta gente vendendo e comprando ensinamentos sobre como se comportar no trabalho, conquistar o parceiro ideal, ficar mais bonito, melhorar o casamento, educar os filhos, falar bem em público, ganhar mais dinheiro... A lista é interminável.
Espalhou-se com força na corrente cultural do nosso tempo uma febre por regras que, teoricamente, podem garantir sucesso no enfrentamento das mais diversas situações. A evidência mais estridente dessa febre são os livros de auto-ajuda, um ramo de negócios que no último ano, no mundo, arrecadou 8,5 bilhões de dólares. No site da livraria virtual Amazon há nada menos que 37.000 livros diferentes que carregam no título a palavra rule (regra, em inglês). A essa enxurrada de regras compiladas em livros somam-se outras tantas transmitidas em programas de TV e palestras. Elas se tornaram rotina nas empresas como forma de motivar funcionários e lhes inculcar as regras de convivência, quando não de sobrevivência, corporativa.
A busca incessante por regras resulta da necessidade de organizar a vida num mundo cada vez mais complexo em todos os aspectos. Os desafios no convívio social, familiar e profissional aumentaram em proporção geométrica. Os casamentos tradicionais perderam terreno, enquanto famílias formadas por filhos de várias uniões se tornaram mais comuns. Como educá-los na nova ordem familiar? Como devem ser as relações entre os descasados e destes com os novos companheiros de seus ex? Mais gente ainda escolhe viver sozinha, o que acarreta uma mudança na forma de ver e ser visto pela sociedade. No trabalho, os funcionários de perfil tradicional, especializados em sua função, deram lugar à exigência de que todos na empresa tenham habilidades múltiplas. Além do mais, a pressão da sociedade para obter sucesso na vida profissional a todo custo é tremenda. Paralelamente a isso, o volume de informações que circulam pelos meios de comunicação e pela internet é uma algaravia. Todas essas mudanças causam perplexidade e, sobretudo, fazem com que as relações humanas sejam mais complicadas e conturbadas. Daí a necessidade de buscar regras que tornem menos dolorosa, ou mais prazerosa, a adaptação ao admirável mundo novo. Um mundo, enfim, que exige manual de instruções. "A globalização e a crise de valores provocada pela rápida mudança nos costumes no século XX criaram um vácuo de paradigmas na sociedade. Por isso as pessoas buscam novas regras em que se apoiar", diz Roberto Romano, professor de ética da Universidade Estadual de Campinas.
Na pré-história, quando os homens eram apenas caçadores e coletores, não havia grande necessidade de regras senão aquelas básicas, ditadas pela frágil condição humana diante das forças descomunais da natureza. A escassez de espaço e de comida no período subseqüente, o da Idade do Gelo, que se encerrou há 11.000 anos, desencadearia a criação de regras que acompanham a humanidade desde então. Nossos antepassados tiveram a necessidade premente de estabelecer normas mais complexas de convivência. Foi nesse período que o Cro-Magnon, o Homo sapiens, desenvolveu os conceitos de família, de religião e de convivência social. Sabe-se disso porque os homens da Idade do Gelo legaram evidências arqueológicas de uma revolução criativa que inclui desde os espetaculares desenhos nas cavernas até os rituais de sepultamento dos mortos. "Naquele período, era preciso definir quem pertencia à família ou não, e com quem se deveriam compartilhar os alimentos. Portanto, era necessário criar regras específicas", disse a VEJA a arqueóloga Olga Soffer, da Universidade de Illinois. "Podemos afirmar que as primeiras regras sobre propriedade foram criadas nessa fase. Enquanto o território pertencia ao grupo, algumas categorias de objetos passaram a ser individuais", diz o antropólogo Ian Tattersall, curador do Museu Americano de História Natural, em Nova York. Boa parte das regras de convivência social que hoje recheiam os manuais tem como base esse conjunto de normas ancestrais: não mate, não roube, respeite pai e mãe, proteja-se do desconhecido, tema o invisível... As religiões em seu aspecto comunitário nada mais são do que criadoras e garantidoras do cumprimento de regras sob pena da punição divina. Os Dez Mandamentos, base do judaísmo e do cristianismo, são um exemplo notável disso. As regras menores desciam a detalhes quase inimagináveis, como a proibição de usar uma vestimenta feita com dois materiais diferentes, conforme prescreve o Velho Testamento.
É impossível imaginar, portanto, o avanço da civilização humana sem o estabelecimento de regras. Elas nos trouxeram até aqui. Paradoxalmente, a quebra de regras também propiciou grandes saltos evolutivos (veja o quadro). Mas, mesmo quando elas são quebradas, precisam ser substituídas por outras. Isso porque as regras garantem não só a ordem e a proporção como a transmissão de conhecimento. São famosos os exemplos de duas escolas inglesas, Summerhill e Dartington, criadas no início do século XX, na Inglaterra. Elas tentaram formar jovens livres da imposição de regras e pregavam o "autogoverno" dos alunos. Eles não eram obrigados a assistir às aulas, não precisavam fazer o dever de casa e só compareciam às provas se quisessem. Intelectuais como o filósofo Bertrand Russell e o escritor Aldous Huxley apressaram-se em enviar seus filhos para estudar em Dartington. Nos anos 60 e 70, décadas da contracultura, Summerhill chegou, inclusive, a ser considerada
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