O MINHOCÃO NA ARQUITETURA
Por: Rafael Spagnollo • 15/9/2015 • Trabalho acadêmico • 805 Palavras (4 Páginas) • 223 Visualizações
Minhocão
O verdadeiro nome dele é uma herança de velhos tempos em que nosso país estava sob o comando de forças para lá de nefastas, mas o povo o conhece mesmo pelo seu apelido: Minhocão. Entre a homenagem torta a uma figura no mínimo suspeita e a referencia a um verme de proporções exageradas, eu fico com a segunda, e mais simpática, opção.
Ele já foi acusado de muitas coisas, de degradar sua vizinhança, de causar todo tipo de poluição, de ligar lugar nenhum a nada, de não ter nenhum valor arquitetônico ou urbanístico, e de enfeiar a cidade, como se ela precisasse dele para isso.
Quanto a mim, por muito tempo nutri certa indiferença em relação a grande larva, rapaz suburbano que sou, ele era apenas um lugar feio, em que eu passava eventualmente, um punhado de vezes ao ano. Não era meu caminho, não era minha paisagem, até que...
A liliputiana quitinete fica no primeiro andar e, contra toda lógica, avesso a todo conceito que se materializa em nossas cabeças quando pensamos nesse tipo de moradia, ela é munida de um pequeno quintal, que faz as vezes de cobertura de uma poética loja de doces. Sua única janela se abre para frente do prédio e seu vizinho mais próximo é o famigerado elevado. Costumo dizer que temos uma bela vista do Minhocão, e que o Minhocão tem uma bela vista do apartamento.
Confesso que no início fiquei um pouco assustado com a possibilidade de conviver com um monstro de tamanha maldade, imaginei seu urro titânico, seu bafo pestilento e a sujeira de seu rastro, mas, depois de um tempo, me dei conta de que o tal monstro já estava cansado de sua existência, que seu corpanzil está mais para carcaça, que seus rugidos já não causam mais pânico, e que sua trilha de detritos é mais culpa dos homens do que dele mesmo. Percebi também que ele já ensaia sua próxima encarnação. Cansado de ser ogro, durante a noite e pela madrugada adentro, ele se transforma, o fluxo de veículos metálicos movidos a combustão cessa e suas pistas são tomadas por outro tipo de habitante: Meninas de skate, corredores descamisados, bandos de ciclistas, cães que levam seus humanos para passear, garotos de chinelo, corpos caçadores, mentes nubladas, filósofos da fumaça, artistas urbanoides, uma constelação de almas e velocidades. O sangue venoso é substituído pelo arterial e a cidade fica mais interessante, seu horizonte se humaniza, começamos a vislumbrar belas e possíveis oportunidades.
Não vou cair na tentação do lugar-comum e dizer que “aprendi a amar o viaduto”, não é para tanto, pelo menos por enquanto, mas admito que quando percebo a troca do som dos motores por vozes, humanas ou não, um breve sorriso se esboça em meu rosto.
São Paulo, 31 de março de 2015
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Praça Roosevelt
FIXOS: Tudo aquilo que está preso ao chão, tudo o que brota do concreto, tudo o que as mãos, os músculos e os neurônios dos homens construíram sobre, e apesar, da natureza, porque, querendo-se ou não, a história da humanidade é a história de sua luta constante contra Gaia.
FLUXOS: Tudo
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