ALTHUS: ANÁLISE MICROECONÔMICA MARGINALISTA NA ECONOMIA CLÁSSICA
Por: Ramon Kelvyn • 21/9/2016 • Relatório de pesquisa • 7.117 Palavras (29 Páginas) • 465 Visualizações
MALTHUS: ANÁLISE MICROECONÔMICA MARGINALISTA NA ECONOMIA CLÁSSICA
Luiz A. M. Macedo[1]
É sabido que a chamada teoria "Ricardiana" de renda da terra - que explica a renda como um excedente intra-marginal, tanto em relação à "margem intensiva" como em relação à "margem extensiva" do cultivo - não foi inventada por Ricardo, mas foi publicada antes por Malthus e West (independentemente um do outro), quase simultâneamente (fev.1815). O próprio Ricardo reconhece isto no Prefácio de seus Princípios de Economia Política (1817):
"Em 1815, Mr. Malthus, em sua 'Inquiry into the Nature and Progress of Rent', e um Fellow do University College de Oxford([2]) apresentaram ao mundo, quase no mesmo momento, a verdadeira doutrina da renda"([3])
A teoria da renda de Malthus, publicada na Investigação sobre Renda([4]), transferiu-se a Ricardo e chegou através dele aos teóricos marginalistas da segunda metade do século XIX. Nas mãos destes e de seus sucessores, a teoria "Ricardiana" de renda da terra converteu-se em uma teoria geral de distribuição de renda entre os "fatores de produção" segundo as suas respectivas "produtividades marginais". Daí o fato de ter sido atribuida a Ricardo a invenção da análise marginalista. Em sua nota a respeito do Ensaio sobre Lucros de Ricardo([5]), Sraffa observa que, entre as conseqüências da noção errada de que Ricardo inventou a teoria "Ricardiana" da renda, encontra-se a de se considerá-lo como originador de toda a teoria marginalista. Como exemplo, Sraffa cita o artigo de J.M. Clark sobre "Distribuição" na Encyclopedia of the Social Sciences, 1931: "A lei Ricardiana da renda ... é o primeiro grande exemplo do método marginalista, que se tornaria mais tarde o principio central de todo o sistema austríaco de teoria econômica." Como um exemplo mais recente, vemos M. Blaug, referindo-se à "teoria Ricardiana da renda", dizer que Ricardo "inventou a análise marginalista"([6]).
Mostramos neste artigo que certos princípios básicos da análise marginalista, particularmente em sua aplicação à análise da "firma" - como a maximização de lucro na margem intensiva de cultivo de um dado pedaço de terra ("farm"), com a igualdade entre preço e custo marginal (este sendo crescente devido a rendimentos fisicos marginais decrescentes) - foram formulados claramente por Malthus na sua Investigação sobre Renda, transferindo-se daí a Ricardo.
Na Investigação sobre Renda, Malthus apresentou sua teoria a partir de uma crítica da teoria de Smith sobre renda da terra. A formulação de Malthus constitui, de fato, uma retificação e um desenvolvimento da teoria da renda exposta na Riqueza da Nações. Parte desta teoria, base sobre a qual Malthus construiu sua própria teoria da renda, é apresentada formalmente e discutida na seção 1 que se segue. A seção 2 examina a formulação acabada de Malthus, publicada na sua Investigação sobre Renda, comparando-a com a análise de Smith e assim identificando os novos elementos teóricos, particularmente aqueles pertinentes à análise marginalista. A seção 3 faz uma digressão histórica sobre Malthus e acrescenta algumas observações, concluindo o trabalho.
1 Elementos da teoria de Smith sobre renda da terra([7])
Todas terras foram apropriadas ou monopolizadas por pessoas que exigem para seu uso uma "renda", isto é, "o preço pago pelo uso da terra". Assim, a renda da terra "é naturalmente um preço de monopólio" (p.161). Ela é equivalente a uma fatia do produto obtido:
"Logo que a terra se torna propriedade privada, o dono exige uma fatia de quase todo produto que o trabalhador pode produzir ou coletar dela. Sua renda constitui a primeira dedução do produto do trabalho que é empregado na terra. Raramente acontece que a pessoa que cultiva a terra tem com o que se manter até a colheita. Sua manutenção é geralmente adiantada a ela a partir do capital de um empregador, o agricultor que a emprega, e que não teria nenhum interesse em empregá-la a menos que seu capital lhe fosse reposto com um lucro. Este lucro constitui uma segunda dedução do produto do trabalho que é empregado na terra" (p.83).
A renda paga por qualquer pedaço de terra "é naturalmente a mais alta que o arrendatário é capaz de pagar". Assim, a renda "natural" - que é paga em um estado de equilíbrio competitivo de longo prazo - é "o resíduo que resta ao proprietário" após deduzir do produto bruto "o que é suficiente para manter o estoque a partir do qual [o agricultor arrendatário] fornece a semente, paga o trabalho, e compra e mantém os animais e outros instrumentos de lavoura, juntamente com os lucros ordinários do capital agrícola na região" (p. 160, 187).
Nesta descrição de renda, o capital empregado pelo agricultor inclui "a semente... os animais e outros instrumentos de lavoura", tanto quanto os salários do trabalho. Contudo, em sua análise da renda, Smith procede geralmente como se o capital ou despesas do agricultor consistissem apenas de salários adiantados; de modo que a reposição do capital aplicado é reduzida à reposição de "comida, roupa, alojamento e outros bens de primeira necessidade que foram consumidos" (p.185).
Estes "bens de primeira necessidade que foram consumidos" são por sua vez reduzidos a um estoque necessário de "trigo, a subsistência do trabalhador" - "ou o que quer que seja o alimento vegetal comum favorito do povo" (p.206-7), por exemplo, batata na Irlanda ou arroz na China.
No curso do argumento, o montante de lucros e renda da terra vem a ser considerado como sendo o excesso de produto sobre a manutenção necessária dos trabalhadores empregados - esta computada a uma dada taxa "natural" de salários em termos de alimento.
Smith supõe que a quantidade de produto por hectare seja uma magnitude dada. O cultivo requer uma quantidade fixa de trabalho por hectare e, portanto, por unidade de produto. Não há rendimentos decrescentes do tipo "intensivo".
O argumento é geralmente baseado na suposição de terras homogêneas, porém às vezes envolve diferentes qualidades de terra. Neste caso, Smith leva em conta a heterogeneidade da "mesma extensão de terreno" quanto a "fertilidade" e "situação", isto é, distância do mercado. A taxa de renda varia com ambas: "A renda da terra varia não apenas com sua fertilidade... mas também com sua situação... Terra na vizinhança de uma cidade dá uma renda maior que terra igualmente fértil numa parte distante do país. Embora possa custar o mesmo trabalho para se cultivar uma como a outra, deve sempre ser mais custoso trazer a mercado o produto da terra distante. Uma maior quantidade de trabalho, portanto, deve ser mantida a partir do produto, e o produto restante, do qual são retirados tanto o lucro do agricultor como a renda do proprietário, deve ser diminuido". (p. 163).
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