A ANÁLISE DO CRITÉRIO HERMENÊUTICO PARA A FUNDAMENTAÇÃO NAS DECISÕES DA ADPF N. 54/2004.
Por: Mayara Ribeiro • 27/3/2016 • Trabalho acadêmico • 3.674 Palavras (15 Páginas) • 381 Visualizações
MAYARA THAYZA RIBEIRO DA SILVA
A ANÁLISE DO CRITÉRIO HERMENÊUTICO PARA A FUNDAMENTAÇÃO NAS DECISÕES DA ADPF N. 54/2004.
Trabalho apresentado para a conclusão da Média Final na disciplina Hermenêutica Jurídica EAD, Universidade do Vale de Itajaí, Centro de Ciências Jurídicas.
Profº Juliano Cesar Zanini
Balneário Camboriú
2015
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – CEJURPS
A ANÁLISE DO CRITÉRIO HERMENÊUTICO PARA A FUNDAMENTAÇÃO NAS DECISÕES DA ADPF N. 54/2004.
Mayara Thayza Ribeiro da Silva
Balneário Camboriú
2015
A ADPF foi criada para preencher as lacunas causadas pelas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), e sua propositura não pode contrariar leis ou atos normativos cujas vigências precederam a promulgação da Constituição Federal de 1988. Esta ação produz efeitos erga omnes (para todos) e tem como objetivo evitar ou reparar lesão a algum preceito fundamental proveniente de atos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A maioria das questões suscitadas pelas ADPFs desperta o interesse de toda a sociedade, visto que as decisões provenientes dos julgados dessas ações refletem-se em todos de forma direta e indistintamente.
O reconhecimento do direito de a gestante submeter-se à antecipação terapêutica do parto em caso de feto anencéfalo foi tema debatido pelo Supremo Tribunal Federal através da análise da ADPF de número 54. A ação foi julgada pelo plenário do STF, que levou em consideração, para proferir a decisão final, as opiniões favoráveis à autonomia da mulher para decidir se prosseguirá ou não com a gravidez em caso de fetos anencéfalos, e as contrárias, que acreditam ser a vida intocável, mesmo no caso de feto sem cérebro. Assim, configura-se, portanto, este assunto tema de principal análise do trabalho em questão.
O início da controvérsia judicial gerada pela propositura da ADPF n.54 deu-se com abertura de precedente pelo caso Gabriela Alves Cordeiro. A gestante de 18 anos ajuizou, por intermédio da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, pedido de liminar que lhe autorizasse a interrupção da gestação em virtude de haver diagnóstico médico atestando que o feto era anencéfalo.
Tudo começou com a liminar deferida pelo relator da ADPF n. 54/04, o ministro Marco Aurélio de Mello, em julho de 2004. Em 31 de agosto deste mesmo ano, o pleno do STF reuniu-se para discutir questão de ordem acerca do cabimento ou não da ADPF para o julgamento do caso e acabou decidindo, também, outra questão suscitada incidentalmente pelo ministro Eros Grau acerca da manutenção ou revogação da medida liminar.
Naquela ocasião, os ministros Eros Grau, Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Carlos Velloso e Nelson Jobim foram favoráveis à revogação da liminar. Por outro lado, votaram pela manutenção da liminar o próprio Marco Aurélio de Mello e os ministros Carlos Ayres Britto, Celso de Mello e Sepúlveda Pertence.
No que tange à anencefalia especificamente, partir-se-á da premissa de que não existe uma concorrência principiológica entre dignidade humana do feto e autonomia privada da gestante. A questão gira em torno da autonomia, pois não há como garantir a dignidade humana do feto que não poderá desenvolver o aspecto biográfico de sua vida.
Ao suscitar a nova questão a respeito do referendo da liminar, ele assim manifestou: O feto não é uma coisa, porém pessoa. Pontes de Miranda disse, em breve anotação colhida agora, que: “No intervalo entre a concepção e o nascimento, os direitos que se constituíram têm sujeito, apenas não se sabe qual seja.” Preceitua o artigo 2º do Novo Código Civil: “Art. 2º. A personalidade civil da pessoa começa no nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. Como o feto é pessoa e a mãe não corre perigo, a liminar acaba afrontando a dignidade do ser que o feto é. Diria, até lembrando afirmação do professor Barroso, que o STF tem muito a dizer, sim, neste momento. E deve dizer, de modo muito vivo, que a manutenção da liminar não se justifica.
Após longos debates a respeito da possibilidade ou não da deliberação sobre a revogação da liminar, a questão foi de fato colocada em pauta por decisão da maioria dos ministros. A votação iniciou-se com o relator Marco Aurélio de Mello, que, naquele momento, pediu que fosse observado o caso concreto, a realidade, e chamou atenção para o STF não se deixar ser influenciado por pressões provenientes da sociedade, como aquela exercida pelas autoridades eclesiásticas. Logo após o voto do relator, o ex-ministro Eros Grau teve a palavra novamente e votou contra o referendo da liminar. Em suas palavras: No meu voto, não fico impressionado, nem discuto lógica religiosa ou da ciência, mas, única e exclusivamente, a lógica do sistema jurídico. Aliás, nunca senti pressão nenhuma em torno disso. É estranho até que se diga da tribuna, pelo ilustre professor, que todos estão de acordo com o aborto e que o eminente ministro-relator se queixe de ameaças. Trata-se mesmo de uma liminar da vida, mas contra a vida, pelo menos contra a vida reconhecida pelo artigo 2º do Código Civil. Pelo que se observa da breve fundamentação utilizada pelo ex-ministro Eros Grau, este pretendia um julgamento técnico, ou seja, dentro da lógica jurídica. A estrutura de seu argumento foi pautada nas seguintes premissas: que, se o nascituro é pessoa, nos termos do artigo 2º do Código Civil (premissa A), que a gestante não corre perigo e que toda pessoa tem dignidade (premissa B), logo, a antecipação do parto constitui aborto por ser crime contra a vida (conclusão C). Não se pode olvidar que tal fundamentação não constitui o voto definitivo em relação ao tema, haja vista que o provimento de mérito do julgamento definitivo da ADPF n. 54/04 deu-se oito anos após sua proposição. Mas, mesmo não se tratando de voto definitivo, não há como deixar de enquadrar este raciocínio no superado paradigma do positivismo jurídico. A ideia central do positivismo é de que o único direito válido é aquele criado pelo Estado. O julgador era mero aplicador da norma jurídica por realizar uma simples subsunção do fato concreto à norma abstrata. Para o positivismo, vale aquela máxima: se A é, B deve ser. Neste sentido, o voto do ex-ministro Eros Grau foi ao encontro do método lógico-dedutivo criado pelo positivismo ao estabelecer uma subsunção silogística entre pessoa e dignidade humana (se o nascituro é pessoa, logo, tem dignidade). No entanto, observa-se que o argumento utilizado naquela época foi desprovido de qualquer análise das peculiaridades do caso concreto e tal concepção leva ao total distanciamento do Direito das relações sociais, ao concebê-lo como um fenômeno estático e imutável. Ao contrário do que alegou o ex-ministro Eros Grau, a lógica jurídica não tem coerência se dissociada da lógica científica. A decisão não está ali na lei, de forma simples e acabada, mas é obtida argumentativamente através de um discurso racional que visa a preservar iguais garantias individuais.
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