Fraude energia eletrica
Por: Dboita • 14/10/2015 • Trabalho acadêmico • 13.348 Palavras (54 Páginas) • 299 Visualizações
MERITÍSSIMO JUIZ DE DIREITO DA VARA DE DIREITOS DIFUSOS, COLETIVOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS DA COMARCA DE CAMPO GRANDE, MS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, por seu órgão de execução subscrito, vem perante esse Juízo, no uso das atribuições conferidas pelos artigos 81, 82 e 91 da Lei n. 8.078/90 – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – propor a presente
AÇÃO CIVIL COLETIVA
com pedido de liminar
em face da empresa
ENERSUL – EMPRESA ENERGÉTICA DE MATO GROSSO DO SUL S.A., pessoa jurídica de direito privado, concessionária de serviço público de energia elétrica, inscrita no CNPJ sob o n. 15.413.826/0001-50, com sede na Av. Gury Marques, n. 8.000, CEP 79072-900, em Campo Grande, MS;
razão pela qual expende as subseqüentes considerações de fato e de direito.
1. DOS FATOS
- Segundo foi apurado nos autos de Inquérito Civil n. 016/2000, a EMPRESA ENERSUL vem praticando condutas abusivas contra seus clientes, violando direitos basilares previstos na CONSTITUIÇÃO FEDERAL e no CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.
- As reclamações e cópias de petições iniciais acostadas aos autos, bem como as respostas oferecidas pela REQUERIDA, confirmam, em primeiro lugar, que a empresa ENERSUL vem cobrando, de modo arbitrário e sem concessão de direito de defesa, multas e contas retroativas a até dois anos, de consumidores cujos medidores foram apontados como defeituosos ou fraudados por vistoria realizada pela concessionária unilateralmente.
- EURIDES VILELA MOREIRA, por exemplo, ajuizou, em 26 de julho de 1999, ação individual contra a ENERSUL argumentando que referida empresa substituíra seu medidor de consumo e passou a cobrar retroativamente o que presumiu, segundo critérios arbitrários, ter sido consumido enquanto o relógio apresentava defeito. Em 03 de maio de 2000, o Juízo titular da 3ª Vara Cível da comarca de Campo Grande julgou referida ação procedente, conforme se pode observar dos documentos de f. 05-12 e 14-17, verso (volume I do IC n. 016/2000).
- Submetidos a semelhante situação, LAURENTINO ANTÔNIO DE SANT’ANA ajuizou a ação n. 2000.0024755-6 (f. 72-90) e LUCAS DOMINGOS EZIDIO socorreu-se do Poder Judiciário nos autos de ação n. 2000.0028011-9 (f. 110-119). LUCAS, em especial, afirmou ter sido acusado de furto de energia pela RÉ ENERSUL que, após constatar suposta irregularidade no medidor, pretendia que ele pagasse contas retroativas a 24 meses, sem que lhe fosse oferecida oportunidade de defesa.
- Merecem referência, ainda, os casos de cobrança retroativa enfrentados por MARINA DA SILVA MONTEIRO MENEGUSSO (f. 144-150), CARLOS AFONSO SALLES (f. 310-312 e 334) e ISAIAS MEIRA CARDOSO (f. 411-419), que são apenas representantes menos conformados de uma imensa quantidade de consumidores lesados.
- É certo que grande maioria desses consumidores preferiu curvar-se perante a supremacia econômica e estrutural da RÉ, evitando demandas administrativas ou judiciais, pois, segundo informação prestada pela ENERSUL a f. 433 dos autos anexos, o número de consumidores submetidos aos procedimentos de troca de medidor e cobrança retroativa supera os cinco mil.
- Mais precisamente, foram substituídos 5.003 medidores de consumo supostamente defeituosos ou fraudados, sendo que em 3.027 desses casos o fornecimento do serviço de energia elétrica foi interrompido. Note-se que, ainda segundo informações da ENERSUL, apenas 74 unidades foram religadas mediante ordem judicial.
- A f. 924-993 dos autos de inquérito civil vê-se uma extensa lista de consumidores lesados, incluindo-se no quadro elaborado pela ENERSUL coluna demonstrativa do número de meses cobrados retroativamente de cada consumidor.
- Está demonstrado, portanto, através das reclamações e documentos colhidos pelo MINISTÉRIO PÚBLICO, que a RÉ ENERSUL valeu-se em várias oportunidades de práticas dissimuladas, maliciosas e arbitrárias para acessar os medidores de consumo independentemente do prévio conhecimento e consentimento do morador, atribuir-lhe defeito e impingir a cobrança de valores retroativos.
- Apurou-se, ainda, que nos casos em que constatou defeito ou falha no medidor de consumo de energia, a REQUERIDA revestiu-se indevidamente das funções de juiz, condenando os consumidores ao pagamento de consumo meramente estimado, retroativo a prazo de até 24 meses, mediante procedimento administrativo inquisitorial.
- Como se isso não fosse suficiente, restou verificado que a RÉ ENERSUL interrompeu o fornecimento de energia elétrica em vários dos imóveis onde procedeu à retirada de medidores supostamente defeituosos ou fraudados, o que constitui procedimento ilegal, na medida em que qualquer penalidade dependeria de prévia comprovação da irregularidade mediante devido processo legal.
- Apurou-se, finalmente, que a verificação do funcionamento dos medidores de consumo foi empreendida unilateralmente por técnicos da ENERSUL, em laboratório da ENERSUL e que, além disso, a empresa REQUERIDA não procedia à anotação de responsabilidade técnica relativa aos atos periciais respectivos, muito embora fosse necessário o registro de ART mensal por tais serviços (f. 60).
- Os casos levados ao conhecimento da Polícia Civil, por seu turno, a partir da celebração do convênio de f. 435-438, foram submetidos a exame por peritos da Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública – SEJUSP, entretanto tais atos continuaram sendo praticados nas instalações da REQUERIDA e sob o seu patrocínio, já que a ENERSUL assumiu as despesas de trabalho, refeições e aquisição de equipamentos em favor do Estado, em troca da destinação de parte da estrutura da SEJUSP especialmente para o atendimento de inquéritos abertos contra os consumidores de energia elétrica acusados de fraude.
- A f. 459-714, foram acostados documentos que demonstram o significativo número de inquéritos policiais relacionados a furto de energia elétrica arquivados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO. Tais procedimentos, em quase sua totalidade, foram instaurados em data posterior à celebração do referido convênio.
- Não se pode deixar de considerar que a RÉ ENERSUL valeu-se de cada um desses inquéritos para empreender seus cálculos abusivos e executar cobranças arbitrárias, percebendo valores a que legalmente não teria direito.
- As várias reclamações reunidas a f. 770-888 bem refletem a postura abusiva da RÉ, cumprindo ao PODER JUDICIÁRIO, diante desse grave quadro, fazer com que prevaleça o Direito e restem coibidas as ilegalidades ora praticadas.
2. DA LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
- A defesa do consumidor adquiriu status constitucional a partir do advento da CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988, que em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabeleceu o dever correspondente do Estado de promover a defesa do consumidor.
- De tal modo, desde o advento da CONSTITUIÇÃO vigente, o MINISTÉRIO PÚBLICO detém a função institucional de defesa dos direitos metaindividuais, difusos e coletivos – inclusive os de índole consumerista – através de instrumentos como o inquérito civil e a ação civil pública (art. 129, inciso III), bem como a legitimidade para “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (...)”.
- Imbuído desse espírito e atendendo, portanto, a um mandamento constitucional, incluiu-se no ordenamento jurídico-positivo brasileiro a Lei n. 8.078/90, o CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, responsável pela introdução de novos conceitos jurídicos nos planos material e processual e pela ampliação das atribuições do MINISTÉRIO PÚBLICO, corroborando a legitimidade do Parquet para a defesa dos direitos difusos e coletivos e incluindo nesse rol de atribuições a defesa dos direitos individuais homogêneos[1].
- Dessa forma, estando o MINISTÉRIO PÚBLICO incluído dentre os legitimados de que trata o art. 82 do CDC, forçoso concluir pela inexistência de qualquer óbice para a dedução em juízo desta pretensão Ministerial, qual seja, a de obter sentença condenatória genérica que imponha à EMPRESA RÉ o dever de abster-se de efetuar cobranças e cortes de energia que violem os direitos dos consumidores, bem como devolver, em dobro, os valores que já recebeu indevidamente.
- Esta é a pacífica inteligência sedimentada pelos Tribunais Brasileiros, valendo ressaltar, em especial, o entendimento do E. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, bem representado pela ementa a seguir transcrita:
PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO COLETIVA – DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS – MINISTÉRIO PÚBLICO – LEGITIMIDADE – JURISPRUDÊNCIA – AGRAVO DESPROVIDO – O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, inclusive para tutela de interesses e direitos coletivos e individuais homogêneos. (STJ. AGA 253686. (199900665600). SP. 4ª T. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. DJU 05.06.2000. p. 00176).
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