O Filme “o Júri” é Dirigido por Gary Fleder
Por: Ana Coelho • 16/11/2020 • Resenha • 2.212 Palavras (9 Páginas) • 243 Visualizações
Autoria: Ana Cláudia Coelho
O filme “o Júri” é dirigido por Gary Fleder e refere-se a um drama que relata a história da formação do Tribunal do Júri americano e a venda de armas à população norte americana, trazendo danos irreparáveis as famílias das vítimas. Revela as tramoias que marcam um julgamento com júri popular nos Estados Unidos e traz detalhes poucos conhecidos do grande público, como a manipulação de jurados e a compra de vereditos.
O papel principal neste filme é realizado por John Cusack e o filme se passa em New Orleans. A trama inicia com ação judicial movida pela viúva Celest Wood, contra a empresa de armamento Fix Boarns Fire Arms, uma ação que estão envolvidos milhões de dólares, após ocorrer um homicídio doloso, com arma de fogo, no escritório de uma empresa em que seu marido trabalhava. Então, a viúva de uma das pessoas assassinadas resolve buscar indenização pela morte de seu marido, processando a indústria de armas. A viúva processa a fábrica de armas devido ao assassinato de seu marido. Em outro caso, um gerente de corretora que demitiu um funcionário, foi assassinado de maneira brutal, pois o assassino, como que tomado por um ataque de fúria, logo entrou atirando no local de trabalho matando diversas pessoas. Vale ressaltar que é um filme americano (estadunidense) e deixa notório as características do júri americano, porém mostra o abuso dos jurados nessa função, o que carrega no filme uma crítica e denúncia jurídica nessa função. Cumpre lembrar que as chamadas causas cíveis, em que se pleiteia uma indenização em dinheiro, como o caso envolvendo a indústria armamentista, não pertencem à alçada do Tribunal do Júri no Brasil, porque o país optou por delegar uma competência restrita para o Tribunal do Júri, de forma que apenas as causas de natureza criminal são levadas à análise pelos jurados, expressando que somente será julgado pelo Júri Popular os crimes dolosos contra a vida, conforme previsão na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII: (...) Artigo 5º. XXXVIII – e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (...). (grifo nosso) Além disso, não é qualquer causa criminal que será julgada pelo Júri. A Constituição Federal brasileira dispõe que apenas os chamados crimes dolosos contra a vida devem ser julgados pelo Tribunal do Júri. Os crimes que se encaixam nesse conceito são o homicídio, o aborto e o infanticídio. O doutrinador Nucci (2018, p. 667), inclusive esclarece que o tribunal do júri brasileiro é “um direito individual, consistente na possibilidade que o cidadão de bem possui de participar, diretamente, dos julgados do Poder Judiciário […]. Constitui cláusula pétrea na Constituição Federal (CF,art. 60, §4º, IV). Já nos Estados Unidos é possível que se tenha um julgamento pelo Júri tanto em causas cíveis quanto em causas penais. Isto ocorre em face do Tribunal do Júri americano estar previsto na Constituição Americana afirmando que todos os acusados têm direito a um julgamento público e rápido. Então, devido a tudo que foi citado relacionado a viúva, a indústria de armas contrata um eficiente escritório de advocacia. Até porque, esta é uma causa importante pois a vitória do pleiteante pode abrir um precedente sem fim na justiça dos E.U.A. que é baseada no sistema do Common Law. Esse sistema Common Law mostra uma das inúmeras diferenças do júri brasileiro e júri americano, pois o Brasil é país que integra a família civil law, enquanto que os Estados Unidos fazem parte da common law. Desta forma, enquanto o sistema Civil Law adota a lei como fonte principal do direito; o modelo do Common Law adota a jurisprudência como fonte primordial. E foi justamente a preocupação da empresa de armamentos, pois caso perdesse a causa, além da indenização milionária que a indústria bélica poderia vir a pagar, também a questão da opinião pública, que poderia ser afetada negativamente em caso de condenação e a criação de um precedente perigoso nos Tribunais, permitindo assim, que várias outras famílias pudessem também demandar judicialmente contra a indústria armamentista, gerando uma avalanche de novos pedidos de indenização. A postulante no filme é defendida por um modesto escritório , também considerado bastante eficiente. Wendell Rohr será auxiliado por um jovem advogado chamado Jeremy Piven , que serão os patronos da viúva. Wendell Rohr acredita ser a moralidade e ética o caminho certo para o sucesso da causa e na outra parte um consultor de júri foi contratado pela indústria de armas e torna-se responsável por selecionar as pessoas que compõem um júri mais favorável para o seu cliente.Inclusive, o escritório contratado para defender a indústria de armas é coordenado por Rankin Fitch, papel do Gene Hackman, que é altamente especializado em perscrutar a alma humana. Seu papel será escolher os jurados que irá impugnar minimizando as chances de uma derrota. Representando assim um comportamento de má-fé e ilegítimo. No filme, ambos os patronos e opositores, se conhecem de longa data. Rankin Fitch e Wendell Rohr, inclusive foram colegas de quarto quando ainda eram estudantes. Ambos se conhecem e se respeitam mutuamente. Porém, os planos de vitória da indústria de armas é ameaçado com a interferência de Nicholas Easter e Marlee, que são namorados e estão tramando a manipulação do corpo de jurados. Fazem chantagem para ambos os lados do processo buscando dinheiro em troca de influência da tendência do júri, mostrando assim, uma verdadeira sabotagem. O que vem à tona de forma crítica é a manipulação praticada pelo casal de jurados Nicholas Easter e Marlee. Eles, em especial o Sr. Easter, mantinham notada influência sobre o corpo de jurados, devido à capacidade de argumentação no qual estavam embasados e a algumas chantagens. Nicolas Easter foi justamente o jurado escolhido para servir em um dos mais importantes julgamentos da história norte americana. E assim, Nicolas Easter, com a ajuda de sua mulher, Marlee, procura desde o início exercer sua influência sobre o júri de forma a garantir a derrota dos fabricantes de armas. Assim sendo, o mesmo manipula ideologicamente os membros do júri durante as reuniões secretas, fazendo com que a sua opinião sempre acabe sendo acatada pelos jurados. Ao analisar o filme, percebe-se já uma grande distinção do júri americano nesse quesito de comunicação entre os jurados, pois no Brasil é adotado o princípio da incomunicabilidade dos jurados, que significa a proibição que os mesmos possuem de falar entre si durante o julgamento, tal princípio é previsto no artigo 466, § 1º do Código de Processo Penal: O Juiz Presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem se manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do conselho e multa. Desta maneira , a incomunicabilidade é considerada uma cautela para assegurar livre manifestação de pensamentos e não deixar que um jurado seja influenciado pela opinião do outro. Todavia, a falta de diálogo entre os jurados pode ser prejudicial levando em conta democratização, pois não há oportunidade de cada jurado demonstrar o seu pensamento.Por isso, no Brasil não é admitido conversação entre jurados. Já nos Estados Unidos da América adota-se o princípio da comunicabilidade entre os jurados, sendo, portanto, o oposto em relação ao adotado pelo Brasil. Inclusive, mostra o tempo todo no filme que os jurados poderão discutir o caso concreto entre si, discutir a respeito dos fatos e das provas apresentadas durante a sessão, sob as orientações jurídicas dadas pelo juiz presidente, sendo que esses debates devem ser mediados pelo jurado escolhido para ser o “foreperson”, líder entre os jurados, que tem a incumbência de conduzir na sala secreta os passos a serem tomados para a decisão e poderem dar o seu veredicto. Nota-se que o que ocorre é que o jurado Nicolas Easter (John Cushack), auxiliado por sua mulher, vivida por Rachel Weisz, procura desde o início exercer sua influência sobre o júri de forma a garantir a derrota dos fabricantes de armas. O mesmo manipula ideologicamente os membros do júri durante as reuniões secretas, fazendo com que a sua opinião sempre acabe sendo acatada pelos jurados. Isso demonstra as diferenças existentes entre o procedimento do Tribunal do Júri norte americano e o brasileiro, pois tal postura idealizada por Nicolas Easter não teria logrado sucesso no Brasil. Além disso, ainda que o Júri no Brasil tivesse competência cível, Nicolas Ester não teria conseguido exercer sua influência no veredicto, pois os jurados no Brasil devem ficar incomunicáveis. Não podem falar durante a sessão de julgamento. E, nos intervalos, os mesmos são constantemente vigiados por oficiais de justiça como forma de garantir que não haja conversa sobre qualquer fato referente ao julgamento. E também não existem reuniões em que os jurados buscam em conjunto chegar a um veredicto. O voto do jurado brasileiro depende apenas de sua íntima convicção. Ele acompanha as provas produzidas em plenário, assiste às exposições de acusação e defesa, mas responde sozinho aos quesitos formulados pelo juiz. Com isso, aqui no Brasil, não haveria a possibilidade de um jurado como Nicolas Easter influenciar os demais e conduzir o julgamento para a decisão que favorece os seus interesses pessoais, devido à obediência ao sigilo entre jurados. Nota -se que enquanto o júri brasileiro o Conselho é composto por apenas sete, no Júri norte-americano, o Conselho de Sentença é composto por doze jurados (por mais que, em alguns Estados, admita-se uma flexibilização quanto ao número).Isso ficou notório no próprio filme na quantidade de jurados. Ao passo que nos EUA os doze jurados devem, via de regra, decidir de maneira unânime, no Brasil a decisão é tomada por maioria simples. No Brasil, não há reunião entre os jurados, sendo que a decisão se dá por intermédio de uma votação. Assim, o juiz presidente formula quesitos que abordam a materialidade, a autoria, bem como as teses acusatórias e defensivas, e os jurados respondem a estas perguntas de forma individuais e sigilosa. Nos Estados Unidos a escolha dos jurados é feita aleatoriamente por escriturários dos sistemas dos tribunais por meio da compilação de listas a partir do cadastro de eleitores, cadastro de licenciamentos de veículos ou mesmo de carteiras de motoristas. Já no Brasil as pessoas interessadas em fazer parte de uma Sessão Plenária deverão se inscrever ou ser indicado para a função. Após a inscrição, o nome do cidadão passa a constar numa lista elaborada pelo juiz-presidente da Comarca. No Brasil após a realização de todos os atos necessários para a realização da sessão plenária, como por exemplo, oitiva de testemunhas, depoimento do réu, debates entre as partes, os jurados são direcionados a sala secreta, sendo que, nesta sala entrarão o juiz presidente e seu assistente, o promotor de justiça, o advogado do réu, em determinados casos é autorizado o ingresso de estágios e por fim, todos os jurados. Enquanto que nos Estados Unidos é terminantemente proibido o ingresso a sala secreta de qualquer pessoa que não seja jurada, inclusive, do juiz-presidente, isto é, somente entrará na sala secreta o número de jurados que formam o conselho de sentença. Em vários momentos nas cenas do filme ficou visível essa característica do júri americano. Depois do resultado da sentença benéfica da viúva, foi possível notar que o casal que praticava as manipulações não objetivava apenas em dar causa ganha a Sra. Wood, mas existiam outras questões. Assim, o que mostrou foi que os jurados agiam pelo caráter pessoal nos julgamentos, pois o que eles planejavam era uma vingança contra a fábrica, devido ao que aconteceu há alguns anos, onde Marlee havia perdido sua irmã de forma trágica e parecida ao caso atual, e a mesma empresa havia sido absolvida. Devido a sentença favorável a viúva Celest Wood, realizada de forma ilegal pelos próprios jurados, houve também manipulação do júri a fim de beneficiar a Fix Boarns Fire Arms. Nota-se, então, a corrupção dentro de um tribunal. O Júri também desenvolve uma reflexão a respeito do comércio legal e desenfreado de armas nos Estados Unidos da América, onde qualquer cidadão tem Direito de adquirir armamento de grosso calibre, não existindo investigações alguma, onde possa ser alegado que será só de uso para defesa própria. Embora seja ressaltada a venda de armas de forma abusiva , os vilões do filme recaem sobre os próprios jurados, devido ao comportamento malicioso no Tribunal do Júri. O filme não retrata apenas sobre a manipulação feita pelos operadores da lei, mas mostra as técnicas de escolher as pessoas que farão parte de cada júri, com a finalidade de vencer, mesmo quando não se tem razão. O filme faz questionar sobre a imparcialidade do júri, pois demonstra como pode ser fácil para alguém manipulá-lo. Por fim, pode-se dizer que a única semelhança é que o Tribunal do Júri em ambos os países é uma garantia fundamental, já as diferenças são notáveis pois, no Brasil a atuação do Júri se reserva ao julgamento das causas criminais relativas aos crimes dolosos contra a vida, enquanto nos Estados Unidos é possível que se tenha um julgamento pelo Júri tanto em causas cíveis quanto em causas penais, além de outras distinções que foram explanadas ao longo do texto.
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