O Indulto Natalino
Por: Rogerio1311 • 1/5/2019 • Artigo • 3.610 Palavras (15 Páginas) • 130 Visualizações
1 INTRODUÇÃO
Ainda no século XVI, nos princípios do Estado moderno sob sua forma absolutista e concentração total do poder nas mãos de uma figura soberana, o indulto aparece como um importante e paradoxal instrumento do indivíduo contra as arbitrariedades de seus governantes. Também há relatos do perdão tanto no Direito Grego quanto no Direito Romano, grandes inspirações para o nosso Direito. E é daí que surge o paradoxo acerca deste instituto: como se mantém a tradição de um benefício que carrega consigo uma herança absolutista – enquanto não exige nenhum tipo de justificativa – que por muitas vezes se mostra contrário ao devido processo legal e separação dos Poderes característicos do Estado Democrático de Direito? O indulto acaba por representar um arcaísmo jurídico preservado ao longo do tempo dentro do Estado Constitucional, se assemelhando com indulgências que seriam reservadas somente aos papas, em uma analogia.
Os decretos de indulto costumam ser publicados em dias particulares... No Brasil e também em Portugal, costumam ser publicados na época em que se comemora o Natal. Em Angola houve concessão de indulto no Dia da Paz e Reconciliação Nacional, no dia 4 de abril. Na França, para crimes menores, até a reforma constitucional de 2008 costumavam ser concedidos indultos coletivos no dia da Festa Nacional, que ocorre em 14 de julho, desde então são concedidos apenas indultos individuais.
Já é uma espécie de tradição que, às vésperas do nosso Natal, todos os anos, entre em vigor o indulto natalino: um decreto presidencial autorizado pelo artigo 84, inciso XII da nossa Constituição Federal que concede perdão aos que cometeram crimes e fazem jus ao benefício uma vez que cumprem seus requisitos específicos. Deste modo, aqueles contemplados tem extinta sua pena e podem então deixar a instituição prisional e não mais retornarem.
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
XII – conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei;
Sobremaneira, é necessário ter a visão de que o indulto é uma necessidade do sistema penitenciário, permitindo que o ciclo se renove ano após ano, evitando a implosão definitiva do sistema.
2 INDULTO DE NATAL
O indulto natalino é um ato de favor, de “clemência”, exercido de maneira discricionária pelo Presidente da República que promove a exclusão da punibilidade do indivíduo condenado pela prática de quaisquer infrações penais, exceto crimes hediondos – conforme a Lei 8072/90: homicídio praticado em atividade típica de grupo de extermínio e homicídio qualificado, lesão corporal dolosa de natureza gravíssima e lesão corporal seguida de morte, latrocínio, extorsão qualificada pela morte e mediante sequestro e na forma qualificada, estupro e estupro de vulnerável, epidemia com resultado morte, falsificação e corrupção e adulteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de criança, adolescente ou vulnerável, além de genocídio e posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito – e os equiparáveis a tais crimes – conforme artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal: prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo.
É necessário que atentemos para as diferenças pertinentes do indulto de Natal e da saída temporária, institutos que se confundem muitas vezes porque alguns condenados que cumprem os requisitos previstos no artigo 122 e seguintes da Lei de Execuções Penais, nº 7210/84, também conhecida com LEP, acabam por sair também na época do Natal. No entanto, cabe dizermos que a saída temporária é concedida aos condenados que se encontrem sob o regime semiaberto e ocorre também em outras datas comemorativas do ano, como o dia das mães e a páscoa, por exemplo. Outra discrepância que devemos observar é que o indulto natalino é concedido pelo Presidente, ao passo que a saída é concedida por juízes da vara de execução; o indulto tem natureza coletiva, a saída, individual; o primeiro extingue a pena com verdadeiro perdão, o segundo em nada afeta o cumprimento da mesma, a não ser quando descumprido, hipótese em que pode alterar o regime de cumprimento de pena. Cabe também dizermos que o indulto apenas extingue a punibilidade, permanecendo os efeitos do crime cometido e que tal instituto não se confunde com a graça também, porque esta é em regra individual e solicitada, ao passo que aquele é coletivo e espontâneo.
Apesar de ter natureza coletiva, a concessão do indulto a qualquer condenado depende de decisão judicial, que pode se dar de três maneiras: i)juízes de Vara de Execução promovem um levantamento dos presos que poderiam gozar do benefício por cumprirem os critérios e determinar que seja aplicado a eles o indulto, ii)por meio da arguição do Ministério Público ao juiz no tocante da aplicação do benefício e iii)por meio da arguição do advogado ou defensor público ao juiz, demonstrando que o preso em questão merece ser agraciado pelo instituto.
3 DEFERIMENTOS E INDEFERIMENTOS
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 842.371 – RJ (2016/0013941-4) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO AGRAVANTE : MARCIO FRUGULHETTI SALES ADVOGADOS : RAFAEL DE CASTRO ALVES ATALLA MEDINA – RJ090184 LEANDRO BEZERRA AGUIAR FERREIRA – RJ120720 AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (STJ, 2016, on-line)
Aqui, o réu faz jus ao benefício, uma vez que cumpre com todos os requisitos estabelecidos pelo decreto presidencial da época.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 95.772 - MG (2018/0054613-0) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS RECORRENTE : ANDERSON CAMPOS DE ARAÚJO ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS RECORRIDO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS (STJ, 2018, on-line)
Aqui, o réu incorre no delito de tráfico de drogas em sua forma privilegiada, crime equiparado aos hediondos, o que justifica por si só o indeferimento do pedido de indulto.
AGRAVO EM EXECUÇÃO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DO INDULTO NATALINO. DECISÃO MANTIDA. (TJ-RS, 2013, on-line)
Aqui, o réu mesmo cumprindo sua pena em regime aberto não arcou com os danos causados à porta e janela da residência da vítima, tendo solicitado ainda usufruir da Defensoria Pública.
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