O PROCESSO POLÍTICO, JURÍDICO, BISCOITO OU BOLACHA? UMA ANÁLISE DO IMPEACHMENT
Por: Pedro De Perdigão Lana • 27/10/2017 • Artigo • 14.225 Palavras (57 Páginas) • 285 Visualizações
PROCESSO POLÍTICO, JURÍDICO, BISCOITO OU BOLACHA? UMA ANÁLISE DO IMPEACHMENT
Claudio Roberto Barbosa Filho[1]
Pedro de Perdigão de Lana[2]
RESUMO: Muito se tem debatido sobre a natureza do processo: jurídica, política ou jurídico-política. Para além disso, muito se questiona sobre os prejuízos ou benefícios de um ou outro modelo, e no que exatamente eles afetariam tanto a legitimidade quanto o resultado do procedimento. Muitas opiniões divergentes foram publicadas defendendo as mais diversas combinações desses elementos, com certa frequência se restringindo somente a uma análise estritamente jurídica dos dispositivos que incidam sobre o caso.Alguns pontos importantes dessa discussão aparentam ter sido secundarizados, e este artigo pretende chamar mais atenção para eles: (i) o desenvolvimento histórico do instituto do impeachment e (ii) o caráter político da Suprema Corte Federal. A importância da retomada histórica tem como fundamento uma resposta mais objetiva, explicitando qual foi o planejamento e fins do legislador. Entretanto, as respostas no campo do direito não podem ser pautadas apenas na teleologia original das leis, o que dificultaria muito a possibilidade de normas se adaptarem ao passar do tempo sem a completa mudança do texto legal. Desta forma, algumas perguntas subsequentes procuram ser respondidas no presente trabalho: qual seria a discrepância entre o julgamento político e o jurídico? Existe realmente entre essas formas alguma diferença significativa, considerando quem são os agentes e instituições responsáveis por elas?
Palavras-Chave: Supremo Tribunal Federal. Impeachment. Política.
1 INTRODUÇÃO
O PET (Programa de Educação Tutorial) é um grupo que engloba pesquisa, ensino e extensão, oferecendo um lugar de diálogo e exposição entre os petianos para troca de conhecimentos, proposição de ideias e sugestões. Anualmente o grupo escolhe um tema central – chamado de guarda-chuva – o qual guiará o grupo durante todo o período. Em 2015 discutiu-se direito, política e democracia. Em 2016 os debates envolveram direito, autoridade e alteridade. De ambas as discussões surgiram o artigo ora apresentado por dois petianos, já no último ano de faculdade.
Durante o impeachment[3] da presidenta Dilma Rousseff em 2016, muito se alardeou sobre a natureza do processo: jurídica, política ou jurídico-política. Para além disso, muito se debateu sobre os prejuízos ou benefícios de um ou outro modelo, e no que exatamente eles afetariam tanto a legitimidade quanto o resultado do procedimento. Muitas opiniões divergentes foram publicadas defendendo as mais diversas combinações desses elementos, com certa frequência se restringindo somente a uma análise estritamente jurídica (ou seja, do texto da lei e entendimentos jurisprudenciais) dos dispositivos que incidam sobre o caso.
A Lei nº 1.079/1950, também chamada de Lei do Impeachment, elenca mais de sessenta condutas passíveis de impeachment. Destaca-se, contudo, que algumas possuem uma vagueza muito grande como, por exemplo, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decôro do cargo” (art. 9º, 7). Neste sentido, a natureza do instituto acaba por ser essencial para se determinar como deverá ser guiado o processo. Pense-se a seguinte hipótese: são divulgadas pela mídia gravações do Presidente da República, com baixíssimos índices de aprovação, em conversa particular com um importante empresário. No diálogo o Chefe do Executivo afirma que odeia determinada região do país, vilipendiando a população e, por fim, afirma que só está no cargo em virtude do salário. A fala do Presidente não se enquadra em nenhum tipo penal, não cabendo, portanto, processo penal perante o Supremo Tribunal Federal. Em aspecto político, no entanto, é certo que ele não agiu de modo compatível com a honra e o decoro do cargo. Esse julgamento perante o Congresso Nacional, respeitando direitos processuais fundamentais, terá qual natureza?
Por outro lado, há condutas que, embora não partam de critérios subjetivos, tal como a supracitada, também não são penais, como: “ausentar-se do país sem autorização do Congresso Nacional” (art. 8º, 6) ou “não prestar ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas relativas ao exercício anterior” (art. 9º, 2). Se o Presidente cometer uma destas condutas objetivas, pode o Senado absolvê-lo por critérios políticos? Ou a Casa Alta fica vinculada a uma decisão estritamente jurídica, a qual, no caso, refletir-se-ia em condenação?
Alguns pontos importantes dessa discussão aparentam ter sido secundarizados, e este artigo pretende chamar mais atenção para eles: (i) o desenvolvimento histórico do instituto do impeachment e (ii) o caráter político da Suprema Corte Federal. A importância da retomada histórica tem como fundamento uma resposta mais objetiva (ao menos em relação às outras análises), explicitando qual foi o planejamento e fins do legislador. Entretanto, as respostas no campo do direito não podem ser pautadas apenas na teleologia original das leis, o que dificultaria muito a possibilidade de normas se adaptarem ao passar do tempo sem a completa mudança do texto legal. É frutífero aqui fazer algumas perguntas subsequentes: qual seria a discrepância entre o julgamento político e o jurídico? Existe realmente entre essas formas alguma diferença significativa, considerando quem são os agentes e instituições responsáveis por elas?
Ambas as investigações deverão passar pelo sistema jurídico dos Estados Unidos da América, mas por motivos diferentes. O instituto do impeachment foi primeiro desenvolvido lá, sendo posteriormente adaptado para o Brasil: é essencial ter cuidado aqui, pois a incorporação muitas vezes é incompleta ou distorcida, seja intencionalmente ou não. Dessa forma, é mais fácil encontrar uma estrutura e motivações do instituto ao se observar sua fonte originária, ao mesmo em tempo que a identificação das disparidades na adaptação podem expôr variações consideráveis tanto nas razões quanto no funcionamento do processo. Em relação ao ponto (ii), os EUA também são o berço da chamada Political Jurisprudence, linha de pesquisas e doutrina que tenta evidenciar o que há de político nos tribunais e no judiciário como um todo. Esse campo de estudos é muito menos desenvolvido nos países cuja tradição jurídica provém majoritariamente da doutrina europeia, como é o Brasil, pois nesses lugares sempre houve maior foco nos efeitos das decisões judiciais, e não com elas são tomadas.
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