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RESENHA LIVRO PENA E GARANTIAS - SALO DE CARVALHO

Por:   •  11/6/2017  •  Resenha  •  20.503 Palavras (83 Páginas)  •  1.190 Visualizações

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DISCIPLINA: TEORIA DO DIREITO PENAL I

RESENHA DO LIVRO PENA E GARANTIAS, DE SALO DE CARVALHO

Capítulo I

A Constituição do Paradigma Garantista

Garantismo e inquisitorialismo: modelos paradigmáticos em tensão

        Frutos da concepção ilustrada do direito e do Estado a partir da laicização do saber filosófico e jurídico, a secularização e a tolerância são os valores lapidares no processo de construção dos direitos humanos numa perspectiva garantista. Esses valores fornecerão elementos justificadores de um modelo jurídico-penal contratualista e liberal.

        As principais manifestações do direito ao Antigo Regime se deram através do Direito Penal, Processual Penal e dos direitos políticos, segundo a intensa busca de limites ao Estado frente à liberdade individual e a elaboração de critérios de participação do cidadão no espaço público.

         “Nesse contexto, o direito penal e o direito processual penal atuariam como parâmetros de tutela à liberdade, sendo que os direitos políticos possibilitariam os canais de acesso do cidadão às decisões sobre as ‘regras do jogo’.”

        Esses direitos e garantias geraram a ideia dos direitos de primeira geração (direitos individuais), que servem como base de legitimidade do garantismo jurídico.

Para caracterizar os fundamentos destes direitos incipientes, usou-se da teoria desenvolvida por Luigi Ferrajoli em sua obra Diritto e Ragione: Teoria del Garantismo Penale, que apresenta dois modelos dicotômicos de Estado: Estado democrático de direito (modelo jurídico garantista) versus o Estado autoritário (modelo inquisitorial). “O autor cria, a partir da terminologia weberiana, tipos ideais de Estado e de direito, ou seja, recursos heurísticos tendenciais e irrealizáveis, que servem de parâmetros à (des)legitimação e/ou (des)construção de sistemas de saber/poder.”

        É possível desenvolver, por meio das diferenças entre o paradigma garantista e o inquisitorial (através de suas características, princípios e valores), o processo de crise e substituição deste por aquele, destacando ainda as mudanças paradigmáticas e seus impactos nas ciências em geral, principalmente na filosofia e na política, já que a substituição do “teológico” pelo “antropológico”.  Descentralizou, descobriu, conquistou e ‘humanizou’ o homem.

Paradigma da intolerância: o modelo jurídico inquisitorial

Esclarecimento necessário: o porquê do medievo

Segundo Francisco Bethencourt, as Inquisições são estudadas, geralmente, não como um problema, mas como tema consagrado de pesquisa, permitindo todos os cortes espaço-temporais e todas as apropriações discursivas.

Na doutrina tradicional do Direito limitam-se as questões do modelo inquisitorial às modificações processuais do modelo acusatório privado ao modelo inquisitivo ou à criação da ‘Escola Clássica’ do direito penal, marco genealógico da ciência criminal moderna (direito penal, processo penal, criminologia e política criminal).

Porém, sempre houve, e sempre haverá, um determinado saber sobre o crime e a criminalidade (cada estrutura de pensamento político elabora formas de compreensão sobre o desvio, o delito, o juízo e a pena).

Há um saber construído e consolidado no período da Baixa Idade Média cujas características indicam a formação de um núcleo mínimo de elaboração paradigmática. Um saber não ingênuo nem aparente, mas real e coeso, fundado em pressupostos lógicos e coerentes, nos quais grande parte dos modelos jurídicos autoritários contemporâneos, alguns ainda em vigor, buscam inspiração.

Assim, caracterizar o ‘paradigma inquisitorial’ significa identificar possibilidades concretas de sistemas jurídicos desvirtuados.

Segundo Umberto Eco, o medievo é a infância da civilização, à qual se deve sempre retornar para identificar possibilidades concretas de sistemas jurídicos desvirtuados, autoritários.

Se o olhar sobre o medievo possibilita aos europeus diagnosticar problemas atuais decorrentes do retorno à infância civilizatória, na realidade periférico-marginal latino-americana, mais do que diagnóstico de possibilidade, afirma e expõe relações vivas e pulsantes em uma sociedade com práticas sociais pré e pós-modernas.

Julio Maier, ao avaliar o processo penal enquanto fenômeno da cultura, afirma que existe relação imediata entre o sistema político imperante e o conteúdo do direito processual penal e isso se faz observar no processo histórico de construção do modelo processual inquisitivo.

Suas primeiras manifestações ocorreram na Roma Imperial, depois da introdução dos delitos de subversão e conjura, nos quais o ofendido era o soberano. Na Grécia e na Roma, a acusação era de caráter privado e contava com a natureza arbitral do juízo. O que se sustentava era que ninguém poderia ser levado a juízo sem acusação. Já no sistema da República Romana, iniciava-se o processo com a acusação do ofendido, seguida de procedimento de pesquisa da materialidade e autoria pelo acusador em face do acusado. A legitimidade da pesquisa era fornecida pelo magistrado que procedia à busca de provas. Cabia ao acusado fiscalizar os atos do acusador de modo severo e esperar a sentença em liberdade.         

        A inquisitio se dividia em duas fases: inquisitio generalis – que visava descobrir o que havia acontecido no lapso temporal entre a visita anterior e aquela, inteirando-se de todo o ocorrido; caso algum fato merecesse atenção era promovida uma Inquisitio specialis – que visava descobrir o autor e a natureza do ato. Assim nasceu o processo inquisitório, baseado na detenção do acusado, na sua utilização como fonte de prova e acompanhada pela tortura. Com a Bula de Inocêncio IV institucionaliza-se a arte da tortura como mecanismo de prova, que permanecerá por cinco séculos. Logo, não é difícil perceber que a estrutura inquisitorial originou-se no seio da Igreja Católica, a fim de evitar o desenvolvimento de “doutrinas heréticas”.  

        Se ganha funcionalidade com a popularização de doutrinas pagãs e do calvinismo e luteranismo, maximizando a persecução daqueles que contrariavam o modus vivendi católico, politicamente o incremento da máquina inquisitorial, juridicamente o modelo inquisitorial estrutura uma nova economia de poder cujas manifestações são presentes até os dias atuais, sobretudo por ser um sistema fundado pela busca de uma ‘verdade real’. A ausência de freios à investigação da verdade (real) gera uma verdadeira obsessão do inquisidor; daí ser natural, nessa perspectiva, a utilização do saber do próprio acusado como fonte de informação.

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