Trabalho de T.E.
Por: Ruan Carlos • 17/11/2016 • Resenha • 1.604 Palavras (7 Páginas) • 249 Visualizações
UFF — Facvldade de Direito — Prova de Teoria do Estado 1
Prof. Wilson Madeira Filho — Aluno Ruan Carlos Ribeiro Simões — 2016.1 — P1
Existem momentos na história, seja global ou individual, que sentimos o abalo. Quando nossa pele juvenil sentiu pela primeira vez o ar gelado de fora do ventre materno, quando o fogo foi autonomamente acendido pelos nossos ancestrais de forma inédita, quando a imprensa de Gutenberg foi bem-sucedida, quando os nativos americanos avistaram as caravelas chegando ao longe. O abalo é simples. Estremece. É caótico.
Essa é a história do maior abalo que já presenciei enquanto vivo. Aconteceu há muito tempo atrás, você nem era nascido ainda, meu amado neto. E, veja bem, se tem uma coisa que aprendi em tantos anos de vida empoeirados nas costas, é que quando o abalo chega à nossa porta, só há uma certeza dentro de nós.
Que nada será como antes.
Tudo começou numa madrugada de 1985. Eu trabalhava de engraxate numa esquina movimentada, no bom e velho Centro fedorento da Cidade. Quieto, menino! Não me interrompa. Claro que já trabalhei de engraxate, meus pais não me criaram no berço de ouro que pude dar a você. Já lhe disse, garoto, eram tempos difíceis.
Na verdade, talvez os piores de todos eles.
A instabilidade econômica, e obvia e consequentemente, política, chacoalhava nossas conversas, nossos jornais e nossas contas. Mas foi nessa época que ganhei os presentes. Mais precisamente, sete deles. Imagino que não tenha conhecido todos ainda. Venha, chegue mais perto. Vou lhe mostrar. Tudo que tenho que fazer é fechar os olhos, me concentrar bastante. Preste muita atenção, lembre-se que você terá que ser capaz de repetir isso um dia, quando eu não estiver mais aqui. Sim, o mais importante legado que lhe deixarei são Os Sete. O segredo de tudo é a pluralidade dentro da singularidade, e quando você também for capaz de alcançá-la dentro de si, todo o resto será disponível. Mas para ter acesso a todas essas mentes dentro da sua, precisa primeiro ter foco nas minhas palavras. Recite esses cânticos comigo. Isso, assim. O “eu” também é um “nós”. Aceite isso. Conecte-se a isso. Sem medo.
EI! ESPERE! EU NÃO CHAMEI VOCÊ! SAIA DAQUI! O QUE QUER FALAR PARA O MEU NETO? ME DEIXE EM PAZ! EU NÃO CHAMEI VOCÊ! AAHHHH!!!
O garoto estava confuso dentro daquele quarto. Seu avô, em um estado catatônico e imóvel. O medo prendia e repreendia o neto, não o permitindo respirar.
Então ele ouviu uma voz. Não a rouca e desgastada de seu velho. Uma outra voz. De um outro sotaque. De um outro tempo. Até mesmo de uma outra língua, mas que de forma inexplicável se fazia ser entendida. Não era mais seu avô.
Era uma voz de um outro alguém.
— Não tema, criança. Vim aqui para lhe ajudar, e é um prazer inenarrável conhecê-lo, finalmente. Me chamo... Bem, creio eu que já tenha ouvido falar do meu nome. Sou Platão. Como o velho senhor já bem lhe explicou: Um dos Sete.
Silêncio.
— Vou lhe falar de uma passagem do meu livro “A República”. Trata-se de prisioneiros que nascem e vivem em uma caverna, com o único conhecimento do mundo exterior sendo as sombras de uma fogueira projetadas na parede. Sabe o que acontece com quem se liberta e conhece o mundo fora dali? Se encanta, com certeza, mas também retorna para retirar os outros da escuridão da ignorância. E é rejeitado pelos seus companheiros, incapazes de abstrair a realidade sem conhecê-la de fato, presos em suas próprias concepções do real.
O garoto ouve atentamente, em uma mistura de curioso e pasmo.
— Seu avô vem mentindo para você. Nós sempre servimos de consciências extras, sempre fomos úteis a ele. Se ele possui o poder e prestígio que tem hoje, foi graça a nós. Mas eu não posso simplesmente deixá-lo manipular-te. Pois seria eu o que te deixa na escuridão. E isso não posso permitir. Agora escute outro homem, um que já foi meu professor. Acho que fará tão bem a você aprender com ele quando me fez. Este é o chamado Sócrates.
— Ah, então é você o garoto. Já fui apresentado, pelo visto. Mas você não foi apresentado a mim. Quem é você? Não, não perguntei seu nome, perguntei quem é você. Mas se você tivesse outro nome não seria você? Se tornaria outra pessoa? Pelo visto você já percebeu que estou sendo irônico, não é? A ironia é uma ótima ferramenta para admitirmos nossa ignorância. A resposta? De quem você é? De quem nós somos? Também não tenho. Não, é importante sim continuarmos conversando. “A palavra é o fio de ouro do pensamento”. E “o início da sabedoria é a admissão da própria ignorância”. Quando sabemos que não sabemos, pelo menos já concluímos alguma coisa. Espere, tem mais alguém vindo.
— É, tem mais alguém vindo sim. Sou Aristóteles, desculpe se te assustei por surgir de súbito. É que não temos tempo a perder. Você está correndo perigo, garoto. Mas não tenha medo. Pelo menos, não mais medo que o suficiente. O que diferencia a virtude moral do chamado “vício” é o justo-meio. O justo-meio contraria-se ao excesso e ao defeito e, por resultado, não existe justo-meio de um excesso ou de um defeito, assim como não existem nenhum excesso nem nenhum defeito de um justo-meio. Com isso quero dizer que você precisa, entre a imprudência e a covardia, alcançar a coragem.
— Boa tarde, aqui é o Michel Focault...
— Chega! — O menino interrompe. — Não entendo onde vocês Sete querem chegar. Só invadiram o corpo do meu avô e disseram abstrações... O que está acontecendo? O que ele esconde de mim? Por que corro perigo? Quando pretendem me contar tudo isso?
Seus olhos se encheram de lágrimas. Ele estava desnorteado, perdido. Eram muitos nomes, muitas ideias e muitas pessoas. E seu avô no meio delas? O que faria ali? E o neto nem sabia ao certo se queria mesmo descobrir. Não sabia ao certo nem se queria ganhar esses presentes. As mentes adicionais não pareciam mais uma vantagem, um dom.
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