Servico Social
Casos: Servico Social. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: ana3107 • 30/4/2014 • 8.394 Palavras (34 Páginas) • 309 Visualizações
Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 112, p. 729-753, out./dez. 2012 729
Utopias desenvolvimentistas
e política social no Brasil
Developmentalist utopies and social policy in Brazil
Potyara Amazoneida P. Pereira*
Resumo: Este artigo discute a política social brasileira no marco
das aspirações governamentais de transformar o Brasil, desde os anos
1930, em potência emergente, por meio de um processo de desenvolvimento
gerido pelo Estado. Só que essas transformações se realizaram
de forma dependente do capital internacional e combinaram rupturas
e continuidades. Para isso, muito contribuíram os períodos de ditadura
e o recente domínio neoliberal, que aprofundaram as desigualdades
sociais e impediram a política social de concretizar direitos sociais
conquistados formalmente.
Palavras‑chave: Desenvolvimentismo brasileiro. Política social. Neoliberalismo.
Desigualdade social. Desmonte de direitos.
Abstract: In this article we discuss the Brazilian social policy guided by the government’s aspirations
to transform Brazil (since the 1930’s) into an emergent potency through a development process
managed by the State. However, these transformations depended on the international capital, and they
combined ruptures and continuities. The periods of dictatorship and the recent neoliberal dominance
contributed to that situation, which deepened social inequalities and prevented the social policy from
making social rights that were formally conquered actual.
Keywords: Brazilian developmentalism. Social policy. Neoliberalism. Social inequality. Dismantling
of rights.
* Professora titular da Universidade de Brasília (UnB), Brasil, líder do Grupo de Estudos Politiza do
PPGPS/SER/IH/UnB e pesquisadora do Neppos/Ceam/UnB e do CNPq. E‑mail: potyamaz@gmail.com.
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Introdução
Refletir sobre a política social da atual fase do capitalismo brasileiro,
caracterizada como “neodesenvolvimentista” e responsável pela
inserção do país no circuito das “potências emergentes” — as famosas
Brics1 —, implica considerar as tendências mundiais dessa
política que, como nunca, encontra‑se pressionada por poderosos interesses de
classes.Vale dizer, que tal política encontra‑se sob o fogo cruzado de interesses
que, no âmbito da “totalidade hierarquizada constituída pela economia mundial”
(Chesnais, 2010, p. x) dos tempos presentes, reproduzem mais intensamente a
disputa desigual entre capital e trabalho por ganhos particulares.
Está certo que a política social brasileira tem peculiaridades que devem
ser consideradas. Não obstante isso, vale lembrar que essas peculiaridades não
se dão no vácuo. No Brasil, as definições e os rumos da política social não estão
imunes a influências internacionalmente hegemônicas, que, embora se processem
de forma diferenciada, não estão desconectadas.
Com isso, quero salientar que as mudanças atualmente verificadas nos
fundamentos e na prática da política social brasileira não ocorrem de forma
isolada, unilateral e autônoma. Pelo contrário, elas fazem parte do processo
mundial de reestruturação capitalista, iniciado no final dos anos 1970, cuja
justificação ideológica encontra guarida no credo neoliberal desde então
dominante.
Por se tratar, esse credo, de um ideário abrangente, que ultrapassa fronteiras
na sua missão bem‑sucedida de privilegiar o mercado como o agente principal
do bem‑estar dos indivíduos, ele não poderia deixar de exercer influência
no Brasil.
No chamado Primeiro Mundo, o triunfo ideológico do neoliberalismo
sobre a política social do segundo pós‑guerra, que vigorou entre 1945 a 1975,
redundou no desmonte dos três pilares social democratas que sustentaram,
1. “Bric” é um acrônimo formado pelas primeiras letras dos quatro países fundadores do bloco das
atuais nações ditas emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China. Recentemente a sigla ganhou um S (Brics),
referente à África do Sul, que mais tarde foi incluída nesse bloco.
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durante os denominados “trinta anos gloriosos”,2 essa política, a saber: o pleno
emprego (se bem que masculino); a universalização de direitos sociais; e o
estabelecimento de um piso socioeconômico, acima da miséria, abaixo do qual
ninguém deveria viver (Mishra, 1990).
Desde então, sob o signo de uma nova ética capitalista de regulação social,
que condena a proteção pública como direito devido pelo Estado, as políticas
sociais enredaram‑se na engrenagem da competitividade
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