TrabalhosGratuitos.com - Trabalhos, Monografias, Artigos, Exames, Resumos de livros, Dissertações
Pesquisar

Histotia

Projeto de pesquisa: Histotia. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  15/9/2014  •  Projeto de pesquisa  •  2.703 Palavras (11 Páginas)  •  272 Visualizações

Página 1 de 11

RESUMO

Este artigo busca identificar na Marcha das Vadias, uma manifestação mundial que defende a liberdade da mulher desde 2011, aspectos que foram criados e explorados na década de 1960, quando o movimento contracultural trouxe a subversão de muitos valores. Com essas mudanças, contidas na Segunda Onda feminista, marcada pela busca da igualdade dos gêneros, muitas mulheres viram a possibilidade de não mais aceitar a construção social em que são definidas como o outro sexo, inferior a figura masculina, e rebelaram-se contra o sistema. Esses novos valores se estenderam e ganham força ainda hoje, com um movimento de natureza radical, que abusa e ultrapassa as fronteiras da liberdade e leva às ruas uma realidade diferente da desejada pelos conservadores.

PALAVRAS-CHAVE: marcha das vadias, igualdade de gênero, manifestos sociais, mulher, violência contra mulher.

INTRODUÇÃO

Há cinco décadas, iniciava nos Estados Unidos o movimento da Contracultura, manifestando formas contrárias de viver e pensar de uma juventude pós-guerra, revoltada com o patriotismo e o consumismo. Suas ideias, seus feitos e figuras constituem uma gama de assuntos que ainda podem ser explorados por diversas formas e ainda tornar-se a fonte de muitos acontecimentos do século XXI.

Tendo como estopim a Guerra do Vietnã e o consumismo exacerbado dos Estados Unidos após a industrialização, a Contracultura teve garotos e garotas como articuladores. Seu principal objetivo era denunciar uma política que já não supria suas necessidades enquanto seres humanos, que não lhes concedia a igualdade e a liberdade que desejavam. Entre grandes nomes que fizeram com que esses jovens questionassem seus direitos e vontades, esteve o pastor Martin Luther King, defensor dos direitos civis dos negros norte-americanos, o cantor de folk Bob Dylan, que passou a escrever canções influenciadas por escritores beats, com grandes críticas à sociedade atual, e o psicólogo Timothy Leary, que estudou e defendeu a legalização do ácido lisérgico (LSD) por toda a América.

Os Estados Unidos foram o berço do movimento, onde houve suas primeiras manifestações e adeptos. Segundo Antonio Carlos Brandão e Milton Fernandes Duarte (2006), isso aconteceu porque foi justamente ali que a tecnocracia, uma organização de sociedade com precisão mecânica, em que a especialidade domina as formas do conhecimento, atingiu maior desenvolvimento fazendo com que os jovens fossem obrigados a se adaptarem à nova realidade “mecânica, árida e desprovida de qualquer impulso criativo” (BRANDÃO; DUARTE, 2006, p.57). Sobre isso, Roszac (1972, p 9), afirma que a tecnocracia nada mais é que uma estrutura possuidora, com influência material que expressa grande imperativo cultural sendo uma “verdadeira mística profundamente, endossada pela massa”, concordando, assim, com a falsa modernização que esse sistema aparenta ser.

Assim surgiram os hippies no bairro Haight Ashburry de São Francisco, e o flowerpower, criando uma guerrilha cultural em seu próprio sistema. Eles estavam preocupados em ampliar seus conhecimentos sobre misticismo oriental, drogas psicodélicas e experiências comunitárias, negando todos os valores morais e sociais que haviam lhes sido passadas pelos pais.

Os pais daquela juventude esperavam que seus filhos endossassem os valores de uma América pós-guerra., baseados na expansão da prosperidade e na derrota do império comunista. Mas os jovens, que pagariam o mais alto preço na guerra do Vietnã, engendravam seus próprios ideias de paz, tolerância, política estética e vida comunitária. Essas ambições se manifestavam na crescente oposição à guerra do Vietnã e no desejo de formar uma nova cultura - a contracultura - com sua própria ética e prática (GILMORE, 2010, p.110).

Ao conseguir corromper tantas pessoas com suas ideologias marginais, a Contracultura se tornou marco histórico que carrega fervorosos conceitos e alguns ainda incompreensíveis. O escritor Willer explica como se tornaram deturpados os acontecimentos daquela época, quando vistos hoje. Eles foram esquecidos e transformados em algo que não leva sua devida importância:

A eclosão de uma cultura jovem, autônoma, nos anos 60, por sua extensão e complexidade, acabou ficando uma crônica viciada por estereótipos, não pode ser interpretado como rebelião consentida nem desqualificada como burguesia, subproduto da prosperidade capitalista e indicio de uma decadência (WILLER, 2009, p.107).

Esse é um bom argumento para trazer o assunto à tona e contá-lo de um ponto de vista diferente, pois, é nele que iniciou-se a Segunda Onda Feminista que, de acordo com Borges (2011), ficou marcada pelas reivindicações de direitos ao corpo e ao prazer feminino.

Segundo Galotti (2010), o erotismo taoísta e a vertente hinduísta é que trouxe para o Ocidente, e primeiramente para os Estados Unidos, o sexo com significações tão diferentes das até então vigentes e a visão de igualdade entre os gêneros. Nessa nova configuração, a mulher recebe maior importância e respeito no ato sexual, por ser considerada templo da deusa Shakti e a fonte da vida. Sua chegada data de meados do século XX, quando foi difundido pelo movimento hippie e pelos Beatles, que seguiram os ensinamentos do guru Maharashi Mahesh Yoga.

[...] uma diferença essencial em relação à concepção da sexualidade que impera no Ocidente, é o papel da mulher, uma deusa que revela e ilumina. Sem a energia feminina, o homem seria um espírito imóvel e inativo. De modo que, longe de possuir uma sexualidade menor ou submissa ao desejo masculino, como durante tantos séculos se considerou entre os ocidentais, a mulher é honrada e exaltada porque é vista como uma verdadeira força motriz da sexualidade.. (GALOTTI, L. 2010, p 48).

A revolução sexual de 1960, ligeiramente, expandiu-se para diversos países. Roszak explica que havia desinteresse dos jovens por uma retórica clássica de radicalismo, que normalmente era baseada no Marxismo e no Leninismo. E que a aproximação ao misticismo, principalmente o oriental, era ligada a um estilo de vida que não apresentasse qualquer tipo de repressão.

Junto a essa nova filosofia trazida do oriente para o mundo ocidental, Joana Vieira Borges observa que a obra da francesa Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo, também ajudou a disseminar idéias de igualdade e contestação dos valores socialmente construídos acerca da mulher e do seu papel. De acordo com a autora, a famosa frase de Simone “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, transformou-se em um dos slogans dos movimentos feministas, principalmente dos anos 1960 e 70.

O livro se tornou referência nas leituras das pioneiras feministas a partir desse momento, marcado por estudos sobre as mulheres e, posteriormente, sobre as relações de gênero. (BORGES, J. V. 2011, p 120).

Em O Segundo Sexo, diz Borges, Beauvoir concluiu que a figura feminina e as posturas que lhes são atribuídas não passam de construções do social produzidos pela história, onde as mulheres são vistas de modo desigual e inferior. Dessa forma, a escritora francesa estaria se opondo ao determinismo biológico e fazendo crítica a várias abordagens que impulsionaram uma transformação na idéia do “ser mulher”.

Na França, berço da obra de Beauvoir, alunas eram proibidas de visitar o dormitório dos meninos nos colégios, pois apontava um comportamento sujo. A revolta diante dessa proibição foi um dos principais fatores que deu início à Rebelião Estudantil no país. Pelas ruas, os estudantes cantavam o hino socialista A Internacional e levantavam faixas com o lema que se tornou símbolo da Revolução Francesa: “Liberté, Egalité, Fraternité”.

Confirmando sua imortalidade, a contracultura vira tema de discussão sem limite de tempo ou época. Ela pode ser explorada e recontada, a partir de novos ângulos sempre, já que influenciou as gerações posteriores e seu modo de lutar. Da mesma forma que a década de 1960 levou milhares de cartazes às ruas, a Marcha das Vadias surgida em 2011, fez o mesmo. Iniciada em Toronto como resposta ao comentário feito por um policial, sobre o grande número de mulheres estupradas ser causado por elas mesmas, devido às roupas provocantes que costumam usar, centenas de mulheres foram às ruas para lutar pelo direito de se vestir, se portar e agir conforme desejam, sem correrem o risco de sofrerem violência sexual.

DESENVOLVIMENTO

Movimento de gênero: vadias

As discussões sobre gênero suscitam inicialmente de pensadoras e do movimento feminista do século XX, partindo de reflexões e ações de cunho político contra a subalternização das mulheres que ocorria desde o século XIX, e adotadas posteriormente por variados movimentos sociais e grupos acadêmicos, constituem-se em um campo do estudo e de enfrentamento às desigualdades constatadas nas relações entre homens e mulheres. Segundo Scott (1994), gênero significa o saber a respeito das diferenças sexuais. É um conceito eminentemente relacional, e simultaneamente político, sem que suas/seus estudiosas/os se neguem em assumir esse posicionamento. Entende-se que, ao invés de restringir ou tornar tendenciosa a visão do/a pesquisador/a, o conceito de gênero permite ampliar a visão dos eventos humanos, para eventos políticos. Para ela, ao invés de haver uma divergência entre política feminista e os estudos acadêmicos sobre gênero, ambos constituem um mesmo projeto político: “uma tentativa coletiva de confrontar e contestar as distribuições de poder existentes” (SCOTT, 1994, p 19). Afirma ainda que não se trata de uma política conspiratória, mas a proteção de uma tradição corporativa estabelecida. Tilly (1994) aponta a história das mulheres e pensamento feminista como um movimento social:

[...] por um longo período, ela (a escrita) foi escrita a partir das convicções feministas. Certamente toda história é herdeira de um contexto político, mas relativamente poucas histórias têm uma ligação tão forte com o programa de transformação e de ação como a história das mulheres. (TILLY, 1994, p 31)

As contribuições de todos esses pensamentos para reformular uma política calcada na desigualdade de gênero, vão além da dimensão interpessoal ou intergrupal, pois reelabora modelos participantes de processos políticos. Em seus estudos sobre feminismo de Nancy Cott, afirma Tilly, a palavra feminismo começou a ser usada no primeiro decênio do século XX e sua definição operacional se dividiu em três componentes: A defesa da igualdade dos sexos ou oposição à sua hierarquização; O reconhecimento de que a “condição das mulheres é constituída socialmente, [...] historicamente determinada pelos usos sociais”; e Identificação do gênero feminino enquanto grupo social e o apoio a elas.

Desde os primeiros movimentos de mulheres, iniciados nos Estados Unidos do final do século XIX e início do século XX, tem se desenvolvido ofensivas culturais diversificadas contra todas as organizações políticas sexistas. A Marcha das Vadias, originalmente Slut Walk, articula por meio de redes sociais um evento mundial que luta contra as desigualdades e, principalmente, do abuso sexual da mulher. Iniciada em 3 de abril de 2011, na cidade de Toronto, Canadá, como resposta coletiva a um policial que afirmou que mulheres que se vestem como vadias são responsáveis pela própria vitimização em ataques sexuais (Kwan, 2011), hoje ela já atingiu mais de 10 países. O objetivo da marcha é de, justamente, adotar o conceito de “vadia” para se opor ao estereótipo de culpada que recai sobre mulheres agredidas em função da exposição do seu corpo ou da sua sexualidade, defendendo o direito de respeito. Dessa forma, a conceituação tradicional e negativa de vadia é desconstruída, mostrando não passar de uma estratégia moralmente controladora que impera sobre os corpos, as vidas e as escolhas de cada mulher, causando maior dualidade entre homens e mulheres.

No Brasil, a primeira edição realizada da Marcha aconteceu em São Paulo, dia 4 de junho de 2011 e contou com 300 participantes, segundo estimativa da Polícia Militar, das cerca de seis mil que confirmaram presença por meio de uma rede social (Sassaki, 2011). Em Brasília mais de 800 participantes estiveram presentes, de um total não conhecido de pessoas predispostas a participar (Mazenotti, 2011). Segundo a pesquisa Mulheres Brasileiras nos Espaços Público e Privado, da Fundação Perseu Abramo/SESC, uma em cada cinco mulheres consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”. Diante de 20 modalidades de violência citadas, no entanto, duas em cada cinco mulheres (40%) já sofreram alguma, ao menos uma vez na vida, sobretudo algum tipo de controle ou cerceamento (24%), alguma violência psíquica ou verbal (23%), ou alguma ameaça ou violência física propriamente dita (24%).

A sociedade brasileira, desde seu início, é regida pelo patriarcado, que exerce em sua relação uma moral burguesa, concedendo ao homem o poder de autoridade em relações familiares, que se estende sobre a mulher, filhos/as e empregados/as como sua propriedade, Assim, ele é colocado socialmente em uma posição superior em relação à mulher, que permitia no âmbito privado, viver sem questionamentos. Essa mesma lógica ainda é vista pelo modelo de sociedade conservadora vigente no país, e no seu modo de produção, que estimula a hierarquização e promove a desigualdade entre homens e mulheres, mas não de modo generalizado.

O que antes era observado apenas como de caráter privado, hoje se torna, em muitos lugares, assunto da esfera pública. Na Constituição Brasileira existem leis específicas que visam proteção de mulheres, sendo a Lei Maria da Penha a principal delas. Os números revelam qual a lógica de sociedade existente hoje: segundo o Relatório Anual de 2011 do Centro de Atendimento à Mulher, 93,52% de ligações com relatos de violência eram de violência doméstica e familiar; 72,23% dos casos são acometidos por companheiros e cônjuges das vítimas e 2,23% são namorados das mesmas. Há também um elevado número de casos de violência cometidos por ex-maridos (11,82%) e ex-namorados (4,47%). Isso demonstra que em quase 91% das agressões são acometidas por pessoas com que as vítimas tem ou tiveram vínculos afetivos.

O âmbito familiar, como um molde conservador, é visto como uma das principais instituições a reproduzirem a lógica patriarcal, pois mesmo que não ocorra violência física, existem reproduções advindas a ele, como o sexismo, o machismo, a homo-lesbo-bi-transfobia, misoginia, entre tantas outras formas de opressão que são manifestadas nos mais diversos lugares de convivência social. A autora Linda Gordon, segundo Tilly (1994), evidencia que o nível e as formas da violência familiar tido como inaceitáveis variam historicamente com o contexto político, e que esta violência emerge de conflitos familiares, políticos, na medida em que o termo diz respeito às relações de poder estabelecidas.

A Marcha das Vadias é um movimento que vai às ruas para questionar o papel dado a tantas mulheres. A palavra vadia tantas vezes usada para ofender e machucar, hoje passa por uma nova significação, estratégia essa usada pelo movimento e nomeia a massa relutante que busca o respeito e a liberdade. Se o rótulo de vadia concede à mulher a liberdade de ser, se vestir e pensar de acordo com as suas vontades, elas se denominam todas vadias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A contracultura deixou muitos pensamentos e reflexões para as gerações que a sucederam. Na mesma época em que a pílula anticoncepcional foi criada e o espírito subversivo estourava na América, junto ainda às filosofias orientais que acabavam de chegar, o quadro social se transformou e trouxe a mulher como um ser humano próprias de suas vontades. As idéias exploradas nessa década repercutiram para sempre na história da humanidade, remexendo mentes que estavam adormecidas.

Se uma luta diante da desigualdade dos gêneros, e do machismo, não se faz necessária pela aceitação das mulheres que possuem valores formados sobre ser frágil e submissa, erramos em generalizar esta situação. Pois se elas construíram tais valores e sentidos, foram vítimas de uma sociedade estrutural e culturalmente dominada por homens e pela figura masculina, que pela não aceitação da independência das mulheres, as excluíram da esfera social. Porém, se a mulher nasce dentro de um padrão, em que irá desejar a esfera privada, a maternidade e o casamento, por que da existência de tantas mulheres problematizando essa agenda e subvertendo esses valores? Elas não são diferentes? Não possuem vontades que divergem das outras? Somente por isso a desigualdade de gêneros merece novas discussões. Não se trata de estarem certas ou erradas, pois se não partilham daqueles desejos altamente “femininos”, ainda assim merecem seu espaço e respeito.

É pela percepção de novas escolhas que o debate deve ser feito, e assim, discutido como transformação, ou resgate, de novos caminhos da vida feminina, e não como reações de cunho errôneo que merecem cessar. De acordo com Tilly (1994), ainda que definidas pelo sexo, as mulheres são algo mais do que uma categoria biológica; elas existem socialmente e compreendem pessoas do sexo feminino de diversas faixas etárias, situações familiares, classes sociais, nacionalidade e costumes. E, sobretudo, são mulheres que, como denominou Philip Adams (1982), vivem e atuam no tempo.

...

Baixar como  txt (17.5 Kb)  
Continuar por mais 10 páginas »