Ciranda De Pedra
Artigo: Ciranda De Pedra. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: fabiana1108 • 28/11/2014 • 4.084 Palavras (17 Páginas) • 364 Visualizações
O título “Ciranda de Pedra” traduz uma fonte de múltiplos significados, entre eles, a forma geométrica da ciranda ou círculos: signo da harmonia, do universo, do espírito, da essência, da transcendência, da unidade de toda a existência e da totalidade, sendo assim, a simbologia mítica do tempo infinito, cíclico e universal. A imagem da “ciranda” metaforiza a harmonia, o equilíbrio e a clareza proporcionando um bem estar para seus membros; combatendo a desigualdade e a hierarquia; adequando à cooperação e a aproximação emocional entre seus integrantes, além de evocar uma transformação individual, social e espiritual. No entanto, a “ciranda” da referida obra, é formada por pedras, simbolicamente representando a sua dureza, a desintegração, o fechamento entre seus participantes e a não aceitação de novos membros. A “Ciranda de Pedra”, de Lygia Fagundes Telles, denotativamente, é uma ciranda de anões de pedra, exposta em um belo jardim, na casa de propriedade de Natércio, que remete ao conto de fadas “Branca de Neve e os Sete Anões”, dos irmãos Grimm, com a contradição de que esses anões são o oposto de hospitaleiros, amigos e receptivos a novos integrantes. Essa imagem será marcante durante toda a vida de Virgínia, pois reflete o seu “eu interior”, a rejeição, a inferioridade e o sentimento de exclusão de não fazer parte desta “ciranda”.
CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL
“Mas esse é o mundo que nós herdamos. Temos que ser testemunhas deste tempo e desta sociedade. O meu trabalho é engajado. Eu sou bastante lúcida diante da realidade brasileira, dos desequilíbrios sociais, da miséria, a educação, a saúde. Eu não posso fazer nada. Só sei escrever estes livros que não serão lidos pelos analfabetos, nem pelos doentes. No entanto, eu continuo a escrever” (TELLES 2005: 03). “Cirande de Pedra”, publicado em 1954, retrata a burguesia urbana em ascensão no Brasil num momento de intenso dinamismo da cidade, que adquiria os contornos definitivos de metrópole. Nesta esteira surge “Ciranda de Pedra”, obra de cunho psicológico (aceitação e enfrentamento dos problemas do dia a dia, numa ambientação familiar dilacerada) e social, identificada com o progresso e comprometida com a construção do poder do dinheiro e as classes menos favorecidas.
FOCO NARRATIVO
Segundo Sérgio Milliet, “a segurança na composição, a linguagem, a força sugestiva da narração e a arte com que dispõe os cenários fazem de “Ciranda de Pedra” um romance digno de figurar em plano de relevo em nossa moderna ficção.” Com foco narrativo em terceira pessoa, a autora “encaixa” com perícia o pensamento da personagem Virgínia, no interior da narração, através de uma linguagem figurada. A sequência destes pensamentos, muitas vezes desordenados, é traduzida através do fluxo de consciência ou do monólogo interior, técnica semelhante ao discurso indireto livre, que refletem os processos psicológicos pelos quais a personagem vivencia. Tais recursos dão independência ao desenvolvimento da personagem, dando-nos acesso a seus sonhos, sensações e devaneios sem que o narrador seja intermediário.
LINGUAGEM
A linguagem de “Ciranda de pedra” é banhada de imagens e palavras que nos remetem ao universo simbólico e alucinatório. Logo no início da narrativa, é apresentado um mundo animal paralelo ao mundo humano, que interage com o processo de crescimento sentimental da protagonista. Ao identificar Virgínia ao animal, no caso, a uma formiga, o discurso romanesco a transporta a outro lugar, reflexivo no caso, e diferente/semelhante sistema de circulação. Em crise de afeto, a menina sobe as escadas de casa e se tranca no quarto. Vê uma formiga que também sobe, então pelo batente da porta. Ao descobrir e acompanhar o andar arriscado da nova companheira, ela tenta salvar a ela - e a si da fresta perigosa. Da morte que o inseto não pressente. A vida descuidada da formiga perde o sentido que lhe é próprio e passa a se referir ao instante tenso e dolorido por que passa Virgínia. Esta enxerga as próprias unhas, foram roídas até a carne. Compara suas mãos às delicadas da irmã. A inveja apressa o desejo de morte. Recusa o duplo que a desvela. Esmaga a formiga. Morta, a formiga ressuscita em sua imaginação para instaurar um primeiro abalo no ser na casa onde se pressente a morte da mãe. "Pensava em Conrado a lhe explicar que os bichos são como gente, tem alma de gente e que matar um bichinho era o mesmo que matar uma pessoa." A formiga é o duplo de Virgínia, diferente dela porque não pressente a morte. O amálgama estilístico criado por Lygia vai superar, no entanto, a separação e o distanciamento entre o mundo humano e o animal, enlaçando-os. Assegurada a interação sentimental entre os dois mundos, o assassinato num plano repercute no outro para despertar, no presente caso um efeito catequizador. "Se você for má" - é ainda Conrado quem fala - "e começar a matar só por gosto, na outra vida você será bicho também, mas um destes bichos horríveis, cobra, rato, aranha..." É preferível virar borboleta - um inseto do bem. Acrescenta o texto: "Mas quem ia ser borboleta decerto era Otávia, que era linda." Pela inveja da irmã e o ressentimento, Virgínia se distancia da fresta perigosa. Reafirma a vida na morte. Estas imagens vão delineando a narrativa do romance, inscrevendo a história de Virgínia dentro do universo simbólico, como por exemplo: a morte de Laura e de Daniel: o velório que Virgínia imagina para si; a morte da formiguinha na primeira cena da narrativa; a casa de Frau Herta descrita como um caixão ou como um barco que vai levá-la dali para outro mundo; a imagem da irmã Otávia sendo decepada; as freiras do internato como mulheres neutras e mortas; a morte como saída definitiva, um mergulhar na escuridão que traz alívio e descanso. Há também as descrições dos cenários externos que evocam um imaginário de terror: lufadas de vento, relâmpagos, tempestades, tudo parece mostrar a Natureza em concomitância com as revoluções internas. As casas também evocam o imaginário fúnebre: as descrições da casa de Natércio; de seu escritório; do escritório de Daniel e da casa de Frau Herta focam a escuridão, o obscurantismo, exaltando o sublime. Além, da comparação de Virgínia a uma bruxa; Laura com medo da luz entrando no quarto nos remete ao vampiro; Afonso com sua expressão de fauno e Letícia parecendo um diabo. Virgínia se lembra de ter visto uma mariposa imprevidente, enredada numa teia de aranha. O primeiro impulso é o de salvar a ela - e a seu duplo, a mãe: "Fuja depressa, fuja!" Mas não
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