Morro da Babilônia - Sentimento do Mundo
Por: sstteeh • 15/3/2016 • Pesquisas Acadêmicas • 518 Palavras (3 Páginas) • 704 Visualizações
MORRO DA BABILÔNIA
À noite, do morro
descem vozes que criam terror
(terror urbano, cinqüenta por cento de cinema,
e o resto que veio de Luanda ou se perdeu na língua geral,
Quando houve revolução, os soldados se espalharam no morro,
o quartel pegou fogo, eles não voltaram.
Alguns chumbados, morreram.
O morro ficou mais encantado.
Mas as vozes no morro
não são propriamente lúgubres.
Há mesmo um cavaquinho bem afinado
que domina os ruídos da pedra e da folhagem,
e desce até nós, modesto e criativo,
como uma gentileza do morro.
Espaço carioca, onde o poeta aborda a violência e a gentileza (música) envolvendo os moradores.
O poema, eminentemente descritivo, é composto de versos livres, organizados em três estrofes: duas de quatro e uma de seis versos. Refere a uma favela carioca cujo nome contém em si um paradoxo: de um lado o morro como signo de pobreza e de outro Babilônia, que nos remete ao antigo e luxuoso império.
Logo na primeira estrofe, numa atmosfera noturna, vozes vindas do morro plantam um terror que é “cinqüenta por cento cinema”- não justificado, mas fruto da fantasia- e outra parte fruto do preconceito difundido pela cidade de que são temíveis os negros moradores do morro, descendente de escravos que vieram de Luanda (capital e maior cidade de Angola, na África, de onde vieram muitos dos escravos que trabalharam no Brasil). De qualquer forma, ainda que o medo referido no texto não seja claramente definido, é interessante notar que ele passa a figurar, a partir desse poema (o oitavo do livro), como um sentimento mais freqüente na obra.
Na segunda estrofe fala-se em revolução. Essa imagem pode referir-se a uma invasão de soldados que, uma vez tendo entrado no morro, foram mortos e não voltaram, mas também pode ser uma referência explícita à decretação do Estado Novo de Getúlio Vargas. Há também clara relação de intertextualidade com as cantigas infantis, no verso “ Marcha soldado” e sugere uma atmosfera mais lúdica, completada com a ideia de que o morro teria se tornado mais encantado após os soldados terem sido “chumbados”, quem sabe transformados em soldadinhos de chumbo.
Na terceira estrofe é a alegria do morro que prevalece, com a afirmação de que as vozes não são lúgubres e de que “os ruídos da pedra e da folhagem” que também vêm do lugar distante são dominados pelo som de “um cavaquinho bem afinado” que “desce até nós modesto e recreativo”, gentil.
Ao analisar o percurso do poema ao longo das estrofes, percebemos, então, que o texto começa com terror e termina com gentileza, num processo de desconstrução do imaginário da classe média (referida na última estrofe pelo pronome da primeira pessoa do plural: “nós”, muito freqüente no livro) a respeito daquilo que acontece no morro durante a noite e gerando uma aproximação entre dois mundos da início distantes. É por isso que, normalmente, afirma-se que esse poema tem um forte caráter social, que, em vez de ser marcado por revolta ou enfrentamento, revela uma cidade a qual, embora dividida, de alguma forma pode caminhar para a integração. Assim, pode-se dizer que o texto apresenta uma perspectiva otimista de harmonia, ainda que numa cidade marcada pela segregação e a injustiça social.
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