O Pequeno Prinicpe
Monografias: O Pequeno Prinicpe. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 18/11/2013 • 5.964 Palavras (24 Páginas) • 254 Visualizações
CAPÍTULO IX
DO PRINCIPADO CIVIL
Considerando. porém. outro caso, quando um cidadão, não pelas suas crueldades ou qualquer outra intolerável violência. e sim pelo favor dos concidadãos se torna príncipe de sua pátria - o que se chamará principado civil (e para a isso culminar não se faz necessário grande mérito nem muita fortuna, mas de preferência uma astúcia bem combinada), afirmo que tal principado se chega pelo favor do povo ou pela graça dos poderosos. Dá-se que em todas as cidades se acham estas duas tendências diversas e isto provém do fato de que o povo não deseja ser governado nem oprimido pelos grandes e estes querem governar e oprimir o povo.
Destes dois diferentes apetites nasce nas cidades um destes três efeitos: principado, liberdade, desordem. Um principado estabelecem-no o povo ou os grandes, conforme a ocasião que uma destas partes tiver; notando os grandes que não podem resistir ao povo, iniciam a criar a reputação de um de seus elementos e o tornam príncipe, para poder à sua sombra, satisfazer os seus apetites. O povo, do mesmo modo, vendo que não resistirá aos grandes, dá reputação a um cidadão e o elege príncipe para defender-se sob sua autoridade. O que sobe ao principado auxiliado pelos grandes, mantém-se com maiores dificuldades do que o que se elege pelo povo; acha-se aquele que tem muita gente ao redor que lhe parece igual a ele e por isso não pode comandá-la nem manejar como quiser. Contudo aquele que alcança o principado pelo favor do povo, acha-se só e ao seu redor, ou não tem ninguém ou alguns poucos que não estão aptos a obedecê-lo. Além do mais, não se conseguem honestamente contentar os grandes sem ofender os outros, porém o povo pode ser satisfeito. Porque o desideratum do povo é mais honesto do que o dos grandes; estes desejam oprimir e aquele não quer ser oprimido. Contra a hostilidade popular, não pode o príncipe jamais estar seguro, pois são muitos; com relação aos grandes, pode, porque são poucos. O pior que um príncipe pode esperar do povo hostil é que ele o abandone. Da inimizade dos grandes, porém. não só deve temer que o abandonem, mas que também o ataquem, pois estes têm maior alcance de vistas é astúcia maior, e sempre têm tempo de se salvar, procurando achegar-se dos prováveis vitoriosos. Necessita ainda o povo viver sempre com o povo, mas pode perfeitamente prescindir dos grandes, porque pode fazer e desfazer, cada dia e aumentar-lhes perder influência, a seu capricho. E, para melhor elucidar esta parte, falarei dos dois principais grupos em que os poderosos se podem classificar: os que agem de modo tal que se ligam em tudo à tua fortuna, ou os que procedem de modo diverso. Os que ficam obrigados para contigo e não são rapaces, respeita os e ama-os. Os que não se obrigam daquele modo, precisam ser observados sob dois aspectos: se assim procedem por covardia e defeito natural do caráter, deverás usar deles, sobretudo se estão capacitados a dar-te bons conselhos, porque em tempos felizes isso será honra para ti e nos adversos nada temerás. Quando, porém. não se obrigam para contigo, de modo deliberado e por ambição é prova de que pensam mais em si mesmos do que em ti. O príncipe deve então, conservar-se em guarda e temê-los como inimigos descobertos, porque, infalivelmente, na adversidade, auxiliarão a tua ruína. Quem se torna príncipe pelo favor popular, precisa manter-se seu amigo, coisa muito fácil já que este quer apenas não ser oprimido. Aquele, porém, que se tornar príncipe contra esta minha opinião, firmado naquele velho adágio que antes de tudo o mais, procura conquistar o povo. Fácil lhe será a empresa, quando se tenha disposto a protegê-lo. E como os homens, recebendo benesses de quem esperavam apenas o mal, obrigam-se mais para com o benfeitor, o povo torna-se então mais amigo seu do que se o príncipe tivesse sido elevado ao poder por favor seu. De muitos. modos pode isso ser obtido pelo príncipe, dos quais não se pode deduzir uma regra absoluta porque variam de acordo com as circunstâncias. Deixa-la-ei de lado, por isso mesmo. Concluirei apenas que a um príncipe é preciso que o povo lhe vote amizade; de outro modo, fracassará nas adversidades. Nábis, príncipe dos espartanos. aturou o demorado cerco de toda a Grécia e de um exército romano poderosíssimo e, contra eles defendeu pátria e Estado. Foi-lhe bastante, somente, ao sobrevir o perigo, assegurar-se de poucos; isso não lhe seria suficiente, se o povo fosse seu inimigo. E a quem objetam contra a opinião do povo, favorecido pelos poderosos, precisa, diz que aquele que se apóia no povo tem alicerces de - barro, direi que isso é verdadeiro quando um cidadão acredita que o povo o liberte quando estiver, por acaso, oprimido pelos inimigos ou pelos magistrados-o. Em tal caso, freqüentes são os enganos, como os Gracos em Roma e Messer Giorgio Scali em Florença. Tratando-se contudo de homem que saiba comandar e de coragem que não se deixe sucumbir às adversidades, não olvide as demais precauções e tenha por seu valor próprio e conduta incutido confiança no povo, nunca será enganado por este e notará que reforçou seus
alicerces. Principados desta ordem correm perigo quando estão prestes a mudar de governo civil para absolutista; porque esses príncipes ou governam por si próprios ou através de magistrados. Neste último caso, a sua estabilidade é precária, incerta, pois estão inteiramente
na dependência da vontade dos cidadãos prepostos nas magistraturas, os quais, principalmente nos tempos adversos, podem tomar-lhe o Estado com muita facilidade, fazendo-lhe guerra ou não lhe prestando obediência. E o príncipe não mais conseguirá, nos perigos, reaver a autoridade absoluta, pois os cidadãos e os súditos, acostumados às ordens dos magistrados, não estão naquela emergência, habituados para obedecer à sua. E o príncipe, nos tempos adversos, quase não contará com pessoas em quem confiar, não sendo certo se basear no que observa em condições de normalidade. quando os cidadãos precisam do Estado. Nessa época, todos vão ao seu encontro, prometem tudo, e -não haverá um que não deseje dar a vida por ele, quando a morte está distante; mas na adversidade, quando o Estado precisa dos cidadãos, poucos são encontrados. E essa experiência torna-se ainda mais perigosa quando se sabe que não é possível realizá-la senão uma vez. Conclui-se disso que um príncipe prudente deve cogitar na maneira de tornar-se sempre necessário aos seus súditos e de estes terem necessidade do Estado; depois, continuarão sendo-lhe fiéis.
CAPÍTULO X
COMO DEVEM SER MEDIDAS AS FORÇAS DE TODOS OS PRINCIPADOS
É conveniente que se faça, ao serem examinadas as qualidades destes principados, outra consideração: se um príncipe possui tanta força em seu Estado que possa manter-se por si mesmo em caso de vir a precisar. ou se necessita do auxílio de terceiros. Para esclarecer bem esta parte, direi que considero capazes de se conservarem, por si mesmos, os príncipes que podem, por abundância de homens e de dinheiro, constituir um exército forte e enfrentar, qualquer assaltante, e que também julgo precisarem de outrem os que não podem enfrentar o inimigo em campo aberto, tendo de se refugiar por detrás dos muros da cidade para poder defendê-la. Do primeiro caso já se cogitou e mais adiante acrescentaremos o que for preciso. No segundo caso, nada se pode fazer a não ser exortar esses príncipes a tornar forte e bem armado o próprio Estado sem se ocupar do resto. E aquele que estiver bem fortificado e em relação aos governados tenha procedido como acima se explicou - e ainda se explicará - será sempre atacado com hesitação. Os homens são sempre contra empresas em que exista dificuldade; e facilidade não se vê em assalto a quem tem Estado forte e não tem o ódio do povo. As cidades da Alemanha são extremamente livres, possuem pouco território e obedecem quando o desejam ao imperador, e não têm medo dele nem de qualquer poderoso que as rodeie, pois estão fortificadas a ponto que obrigam à reflexão de que expugná-las será tarefa aborrecida e difícil. Têm todas elas no seu contorno valas e muros apropriados, têm boa artilharia e sempre nos celeiros públicos comida e bebida e combustível para um ano. Além do mais, para que a plebe não sofra fome, têm sempre, em comum, por um ano, serviço para lhe dar, nas atividades que sejam o nervo e a vida da cidade e atividades das quais a plebe se sustente. Ainda mais: apreciam enormemente os exercícios militares que são regidos por boas leis. Deste modo, um príncipe que tenha uma cidade fortificada, e não se faça odiado, não poderá ser atacado e ainda que o fosse, o atacante retornaria de cabeça baixa. Pois as coisas do mundo são de tal modo várias que impossível seria a alguém permanecer ociosamente um ano a cercá-lo. Ao que retrucasse que o povo tem suas propriedades fora da cidade e vendo-as arder, não teria a paciência de resistir, e que o demorado assédio e o egoísmo natural dos súditos fariam com que se olvidassem do príncipe, replicaria eu que um príncipe destinado e forte superará sempre todas aquelas dificuldades, seja dando aos súditos a esperança de que o mal não se prolongará, seja fazendo-os temer a crueldade do inimigo, e destramente conservando a si os que lhe pareçam mais temerários. Além disso, é razoável observar que o inimigo incendiará e arruinará o país assim que chegue. quando o espírito do povo está ainda quente e decidido à defesa; por isso, o príncipe terá ainda menos dúvida, pois decorridos alguns dias os ânimos esmorecem, os prejuízos tornam-se realidade e não há mais remédio; então se une o povo mais ao príncipe, parecendo-lhe que este lhe está obrigado, pois as casas arderam e as propriedades se arruinaram em benefício dele. E a natureza humana faz que se obriguem os homens tanto pelos benefícios feitos como pelos que recebeu. Concluindo-se, tudo bem considerado, não será difícil a um príncipe prudente garantir-se do seu povo, durante um assédio, seja antes seja depois deste, desde que não lhe faltem víveres e nem meios de defesa.
CAPÍTULO XI
OS PRINCIPADOS ECLESIÁSTICOS
Resta-nos apenas, agora, falar dos principados eclesiásticos. Para estes, aparece toda espécie de obstáculos, antes de serem possuídos, porque são obtidos ou pelo mérito ou pela fortuna. Conservam-se, porém, sem qualquer das duas, pois são sustidos pela rotina da religião. Suas instituições tornam-se tão fortes e de tal natureza que conservam os seus príncipes no poder, tenham a vida e o procedimento que bem quiserem. Estes apenas possuem Estados e não os defendem; possuem súditos, e não governam. E seus Estados, ainda que indefesos, não lhes são arrebatados; os súditos, ainda que não governados, não procuram afastar o príncipe nem o podem fazer. Somente tais principados, por isso, são por natureza seguros e felizes. E por serem regidos por poderes superiores, não atingíveis pela razão humana, não falarei a tal respeito; estabelecidos e conservados por Deus tais Estados, seria de homem presunçoso e temerário agir de outro modo. Entretanto, se alguém me indagasse dos motivos pelos quais a Igreja atingiu a tanta grandeza no poder temporal, diria que, antes de Alexandre, os potentados italianos (e não apenas os potentados; mas qualquer barão ou senhor, não obstante insignificante), pouca importância ligavam ao poder tempora. da Igreja. Agora, porém, até um rei de França o teme, e foi expulso da Itália pelo Papa que conseguiu arruinar os Venezianos, o que não obstante ser conhecido não é fora de propósito relembrar. Antes de Carlos, rei da França, invadir a Itália, esta província estava sob domínio do Papa, dos Venezianos, do rei de Nápoles, do duque de Milão e Florentinos. Tais governos teriam dois cuidados especiais: um não entrasse o estrangeiro com tropas na Itália; outro – que nenhum deles dilatasse os seus domínios. Os mais dignos de serem vigiados eram o Papa e os Venezianos. E para impedir a estes necessário se fazia a união de todos os demais, como sucedeu na defesa de Ferrara; e para pôr em dificuldade o poder do Papa, serviriam os barões
de Roma que, estado divididos em duas facções - Orsini e Colonna - viviam em permanente disputa. E estando sempre com as armas na mão, aos olhos mesmos do pontífice, tornavam o
papado fraco e inseguro. E ainda que por vezes aparecesse um papa animoso, como Xisto, a sua sorte e o seu saber não eram suficientes para tirá-lo dessa dificuldade. O curto espaço dos
pontificados é a razão disso, pois nos dez anos que, em média, um papa governava, conseguia,
ainda que a poder de grande trabalho, rebaixar uma das facções. Entretanto, se um deles conseguira quase extinguir os Colonna, por exemplo, seguia-se outro papa, inimigo dos Orsini, que dava a mão à volta dos Colonna, e não dispunha de tempo também para destruir os Orsini. Por isso o poder temporal do Papa foi pouco estimado na Itália. Apareceu depois Alexandre VI, o qual, de todos os Papas que já houve, mostrou como um Papa podia valorizar-se, pelo dinheiro e pela força e, servindo-se do Duque Valentino como instrumento, e por ocasião da vinda dos franceses, fez tudo quanto contei antes, a propósito da ação do duque. E não obstante não ser seu intento tornar a Igreja poderosa, tudo quanto o duque fez foi para a grandeza desta, a qual, após a morte de Alexandre e desaparecido também o Duque, herdou os trabalhos que este realizara. Depois veio o Papa Júlio e achou a Igreja forte e possuidora de toda Romanha, sendo que, pelos ataques de Alexandre os barões de Roma tinham desaparecido e as facções anuladas. Achou também o caminho aberto para acumular dinheiro, o que não fora ainda feito antes de Alexandre. Júlio não somente continuou este trabalho, como os aumentou. E cogitou a conquista de Bolonha, a submissão dos Venezianos
e a expulsão dos Franceses da Itália. Foi feliz em todas essas empresas, sendo tanto mais digno de louvor ao saber-se que tudo isto fez preocupado em engrandecer a Igreja e não determinado indivíduo. Conservou também os dois partidos dos Orsini e Colonna em condições idênticas às que os encontrou; e ainda que entre eles existissem alguns chefes capazes de provocar alterações, nada realizaram; duas coisas os conservaram inativos: o poder da Igreja, que os humilhava, e o fato de não possuírem partidários no Sacro Colégio, porque os Cardeais são causa dos tumultos entre as facções. Entre estas não existirá paz se possuírem cardeais, visto que estes, quer em Roma, quer fora da cidade, fomentam os partidos e os barões vêem-se na obrigação de defendê-los. Assim, da ambição dos prelados, viçam as discórdias e os tumultos entre os barões. Sua Santidade, o Papa Leão, achou assim o
pontificado poderosíssimo. É de se esperar que, se alguns fizeram o Papado poderoso pelas armas, o pontífice atual, por sua bondade e muitas outras virtudes, o faça mais forte e venerado.
CAPÍTULO XII
DAS ESPÉCIES DE MILÍCIA E DOS SOLDADOS MERCENÁRIOS
Depois de falar detalhadamente de todas as causas da boa ou má fortuna dos principados, e considerar as razões da sua boa ou má fortuna, mostrando os modos pelos quais puderam ser conquistados e mantidos, resta-me falar agora a propósito dos meios ofensivos e defensivos que podem ser necessários a eles. Afirmamos acima que é preciso que um príncipe estabeleça, sólidos fundamentos; sem isso, sua ruína é positiva. E as principais bases que os Estados possuem, novos, velhos ou mistos, são boas leis e bons princípios. E como boas leis não existem onde não há armas boas, e onde existem boas armas conveniente é que estejam boas leis, falarei apenas das armas. Direi, portanto, que as forças com as quais um príncipe conserva o seu Estado são próprias ou mercenárias, auxiliares ou mistas. As mercenárias e auxiliares são inúteis e perigosas. Tendo alguém o seu Estado firmado em tal espécie de forças jamais estará seguro; elas não são ligadas ao príncipe, são ambiciosas, faltas de disciplina, infiéis, insolentes para com os amigos, mas acovardam-se diante dos inimigos, não têm temor de Deus, nem fazem fé nos homens, e o príncipe apenas retarda a própria ruína na medida em que retarda o ataque. Deste modo, o Estado é espoliado por elas na paz, e durante a guerra pelos inimigos. O motivo dessa atitude é que elas não conhecem outro amor nem outra força que as tenham em campo, a não ser uma pequena paga, o que não é bastante para excitá-las a morrer por ti. Desejam ardentemente ser teus soldados enquanto não te moves à guerra, mas em vindo esta, fogem ou se despedem. Não me será difícil explicá-lo, visto que a atual desgraça da Itália não foi causada por outro motivo senão pelo fato de que durante tantos anos esteve sustentada por armas mercenárias. Estas conseguiram fazer qualquer coisa em favor de alguém e aparentavam valor quando entre si se combatiam, mas, vindo o estrangeiro, logo mostraram o que eram. Muito fácil foi, portanto, a Carlos, rei de França, conquistar a giz toda a Itália; falava a verdade quem afirmava que a culpa era toda nossa, não porém a que pensava e sim a de que foram causa os erros que acima expusemos. E por serem os príncipes culpados, sofreram eles o castigo. Desejo, porém, demonstrar com mais clareza a má qualidade destas tropas. Os capitães mercenários ou são excelentes militares ou nada são; se o forem, não poderás confiar neles, pois aspirarão sempre à própria glória, ou humilhando a ti, que és o patrão dele, ou oprimindo contra a tua vontade a outrem. Caso não sejam grandes capitães, por esse mesmo motivo te arruinarão. Respondendo alguém que, mercenário ou não, quem possuir a força agirá sempre de forma idêntica, retrucarei que as forças devem ser utilizadas por um príncipe ou pela República. O príncipe em pessoa deve fazer-se capitão, a República mandará para esse cargo um dos seus cidadãos e, sendo infeliz na escolha, deve imediatamente substituí-lo. E se acaso se revele homem de valor no seu posto, a República deve assegurar-se, por meio de leis, contra o capitão, a fim de que não exorbite de suas atribuições. A experiência demonstra que os príncipes que agem por contra própria e as repúblicas armadas alcançam grandes progressos, enquanto que as armas mercenárias apenas causam prejuízos. Com maior dificuldade um cidadão de uma república possuidora de uma tropa própria alcança o poder absoluto do que no caso da república sustentada Por tropa mercenária. Roma e Esparta por muitos séculos estiveram armadas e livres. Os Suíços são muito armados e livres. Exemplo de forças mercenárias da antiguidade são os Cartagineses, que quase foram abatidos pelos seus soldados mercenários, ao final da primeira guerra contra os Romanos, ainda que os exércitos cartagineses tivessem por chefes cidadãos de Cartago. Filipe da Macedônia foi feito pelos de Tebas capitão de sua gente, após a morte de Epaminondas; e após a vitória tirou-lhes a liberdade. Os Milaneses, morto o duque Filipe, assalariaram Francesco Sforza para atacar os Venezianos; e, derrotado o inimigo em Caravaggio, reuniu-se Sforza aos inimigos para oprimir os de Milão, seus patrões. Anteriormente Muzio Sforza, seu pai, estando ao serviço da Rainha Joana, de Nápoles, deixou-a a certa altura sem exército. Para não perder o reino precisou ela atirar-se aos braços do rei de Aragão. E se os Venezianos e os Florentinos, aos contrário, aumentaram seu domínio com tropas de aluguel, seus capitães não se fizeram príncipes e os defenderam sempre, decorre que os Florentinos em tal caso foram favorecidos pela fortuna, porque dos capitães de valor a que deviam ter medi, uns não venceram. Outros precisaram lutar contra rivais. outros por sua vez dirigiram a 'sua ambição para outros fins. O que não logrou vencer foi Giovanni Aucut. e por não ter vencido. dele não se pode avaliar a fidelidade. mas não deixará ninguém de reconhecer que. se tivesse vencido. os Florentinos estariam à sua mercê. Sforza teve sempre contra si os partidários de Braccio, exercendo entre eles mútua vigilância. Francesco dirigiu sua ambição para a Lombarda; Braccio contra a Igreja e o reino de Nápoles. Vejamos, entretanto, o que se passou há pouco tempo. Os Florentinos elegeram a Paolo Vitelli seu capitão. homem prudentíssimo e que alcançara altíssima reputação. de simples particular que era. Se tivesse este conquistado Pisa, ninguém negará que teria oprimido os Florentinos; porque, ficando servindo os seus inimigos, não teriam aqueles remédio a isso; e, mantendo-o, teriam de obedecê-lo. Se atentarmos para os progressos dos Venezianos, concluir-se-á que agiram segura e gloriosamente, enquanto por si mesmos fizeram a guerra, o que aconteceu quando sua atenção não se voltara para as conquistas em terra firme. Então, auxiliados pelos gentis-homens e pela plebe armada, agiram com muito valor, mas começando a combater em terra, abandonaram essa excelente regra e seguiram os costumes da guerra na Itália. E no início de sua atividade em terra, por não terem muito Estado e, gozarem de grande fama, não tinham muito a temer de seus capitães. Aumentando os seus domínios sob a direção de Carmignola. comprovaram esse erro. Pois, tendo-o como valoroso capitão. ao vencerem comandados por ele o duque de Milão, e percebendo depois que ele esmorecia nas coisas de guerra, acreditaram que sob sua direção não poderiam aspirar a novas vitórias, porque lhe faltava a vontade de vencer; e não podendo colocá-lo em disponibilidade. para que não perdessem o que já tinham conquistado, precisaram matá-lo para garantir-se contra ele. Por capitães tiveram em seguida a Bartolomeu de Bergamo, Roberto de Sanseverino, Conde de Pitigliano e outros que tais, no referente a estes. Apenas tinham de temer suas derrotas, não as suas conquistas. como depois veio a acontecer em Vailá. onde, em apenas um dia perderam aquilo que a poder de tantos trabalhos haviam conquistado em oitocentos anos. Tais tropas somente dão lentas, e frágeis conquistas, porém rápidas e espantosas perdas. Assim como citei estes exemplos da Itália, que por muitos anos foi governada por armas mercenárias, prosseguirei na discussão do assunto sob aspecto mais geral, para que, sabendo-se suas origens e desenvolvimento, seja possível corrigir melhor o erro decorrente do uso de tais tropas. Deveis portanto saber que, iniciando nestes últimos tempos a repelir-se da Itália o império e o papa adquirindo maior autoridade no poder temporal, foi o país dividido em mais Estados: pois muitas das maiores cidades ergueram-se em armas contra a nobreza que as subjugara, auxiliada pelo imperador. Enquanto isso a Igreja dava apoio às cidades para aumentar seu poder temporal. Deste modo, em muitas cidades. simples particulares fizeram-se príncipes. Resultou que, tendo a Itália quase inteiramente ficado nas mãos da Igreja e de poucas repúblicas, e os padres e os cidadãos destas últimas não estando habituados às armas, passaram a assalariar mercenários estrangeiros para o serviço militar. O primeiro que adquiriu fama no comando desse tipo de tropa foi Alberico da Conio, Romanholo, Braccio e Sforza que, em tempo de suas vidas, foram árbitros da Itália, saíram como muitos outros da escola daquele. Vieram em seguida os demais que comandaram estas milícias até os nossos tempos. Em conseqüência disso, a Itália foi invadida por Carlos, depredada por Luís, atacada por Fernando e infamada pelos Suíços. Antes do mais, os "condottieri" procuraram anular a importância da infantaria para dar maior realce à importância própria. Assim procederam porque, não tendo Estado seu e dependendo sempre de sua profissão, com pouca infantaria não teriam fama e com muita, não conseguiriam sustentá-la. Reduziram-se, pois, quase que exclusivamente à cavalaria, porque, com pequeno número de cavaleiros, encontravam apoio e honras, sem muitos encargos. Foi isso a ponto que, num exército de vinte mil homens, não se achavam dois mil infantes. Além disso. os capitães empregavam todas as maneiras de afastar, de si mesmos e dos soldados, o medo e o trabalho, poupando-se nos combates e fazendo-se prender uns ao outros sem resgate. Não atacavam as cidades durante a noite e os que estavam postos na defesa das cidades não queriam atacar os que as sitiavam nem combater no inverno. Tudo lhes permitia o seu código militar que, como ficou dito, tinha por objetivo evitar trabalhos e perigos. E deste modo escravizaram e infamaram a Itália.
CAPÍTULO XIII
DAS TROPAS AUXILIARES. MISTAS E NATIVAS
Tropas auxiliares, mais do que armas inúteis, são aquelas que algum poderoso manda em teu auxílio, como em tempos não muito distantes fez o Papa Júlio; tendo ele na expedição contra Ferrara, tido triste prova das tropas mercenárias, voltou-se para as auxiliares ajustando com Fernando, rei de Espanha que os infantes e cavaleiros deste fossem auxiliá-la. Tais tropas por si mesmas podem ser boas e úteis, mas freqüentes vezes acarretam prejuízos ao que a pede porque se perderem está abatido e, se vencerem, será seu prisioneiro. E, ainda que a história antiga esteja repleta destes exemplos, não desejo sair deste, ainda recente do Papa Júlio II, cuja decisão de entregar-se às mãos de um estrangeiro, apenas pelo desejo de conquistar Ferrara, não pode ser tida como boa deliberação. Mas a boa sorte do Papa deu nascimento a terceiro acontecimento para que ele não colhesse os frutos de sua má escolha: é que. sendo as forças auxiliares desbaratadas em Ravena, surgiram os Suíços que expulsaram os vencedores, fugindo a qualquer expectativa do Papa e de outros, não ficando ele preso pelos inimigos que fugiram, nem pelos seus aliados, vencendo com outras forças que não as próprias. Os Florentinos, que não tinham armas, levaram a Piza dez mil franceses para vencê- la; e nisso acharam maior perigo do que em qualquer dos seus trabalhos próprios, em qualquer tempo. O imperador de Constantinopla, para fazer em face de seus vizinhos, levou dez mil turcos à Grécia, os quais, após o término da guerra, não pretenderam mais partir, o que deu origem à servidão da Grécia aos infiéis. Sirva-se, pois, destas tropas aquele que não desejar vencer, porque são mais perigosas do que as mercenárias. Com aquelas, certa é a ruína; são unidas e dedicadas à obediência integral a outrem. No tocante às forças mercenárias, após a vitória, necessitam de mais tempo e melhor ocasião para causar-te mal, pois não formam um corpo perfeitamente unido e além do mais, foram organizadas e são remuneradas por ti; nestas, se fizeres chefe um terceiro. Este não poderá de imediato possuir tanta autoridade que te possa ofender gravemente. Resumindo. nas tropas de aluguel, perigosa é a covardia; nas auxiliares, o valor. Os príncipes de prudência repeliram sempre tais forças, para usar apenas as suas, antes desejando perder com estes a vencer auxiliados pelas outras, tendo como falsa a vitória obtida com forças alheias. Jamais deixarei de ter em mente o exemplo de César Bórgia e suas ações. Este Duque adentrou a Romanha com armas auxiliares, levando tropas francesas, com auxílio das quais tomou Imola e Forli. Depois, não lhe inspirando essas tropas confiança, passou-se às mercenárias que julgou serem menos perigosas. E tomou a seu serviço os Orsini e Vitelli. Quando, depois de usar as destes últimos, teve-as como dúbias e infiéis, desfez-se delas, dedicando-se às que eram verdadeiramente suas. Daí pode-se claramente concluir a diferença entre umas e outras, acompanhando-se a mudança na fama do Duque, de quando somente contava com os Franceses, para quando empregava os Orsini e Vitelli e finalmente quando ficou com soldados seus e sob seu próprio comando. Ver-se-á que a sua fama aumentou sempre e nunca foi tão estimado como quando se comprovou que era dono absoluto de suas tropas. Não desejava senão citar exemplos italianos e recentes; contudo, não posso deixar de falar de Hierão de Siracusa, já antes referido. Investido das funções de chefe das tropas siracusanas, este, como ficou dito, logo se deu conta de que a milícia mercenária não era boa, por serem os chefes semelhantes aos nossos, italianos. Sendo de opinião que não podia mantê-los nem desfazer-se deles, fê-los cortar em pedaços. Deste modo pôde fazer guerra, depois, com tropas suas. Desejo lembrar ainda uma passagem do Artigo Testamento que tem relação com este assunto. Oferecendo-se Davi a Saul para combater contra Golias, grande provocador filisteu, Saul, para encorajá-lo, quis que fosse vestido com a armadura real. Logo que a teve sobre si, Davi repeliu-a, argumentando não poder bem usar sua força própria, pois desejava bater-se com o inimigo valendo-se somente da funda e da faca para combatê-lo. Enfim, as armas alheias ou te caem pelas costas, ou pesam sobre ti, ou te sufocam. Carlos VII, progenitor do rei Luís XI, com sua boa fortuna e coragem tendo libertado a França do jugo dos Ingleses, sentiu a necessidade de armar-se com forças que fossem suas, de fato, e tornou obrigatório, no seu reino, o serviço das armas. O rei Luís extinguiu, depois, a arma de infantaria e passou a assoldadar Suíços. Tal erro, acompanhado de outras, vai, como hoje se comprova, a causa dos perigos daquele reino. Tenda dado fama aos Suíços, humilhou as próprias tropas. pois desapareceu a Infantaria e sua cavalaria foi sujeitada à tropa estrangeira de tal modo, que. habituando-se a militar com Suíças, não lhes parece fácil vencer sem eles. Daí não, serem suficientes os Franceses contra os Suíços e contra outras, sem os Suíços não puderam vencer. Os exércitos de França, portanto, têm sido, mistas, feitas de mercenários e soldados próprios. São bem melhores que as simples tropas auxiliares ou mercenárias, e muito inferiores aos exércitos próprios. É bastante o exemplo dado, pois a reino da França seria invencível se tivesse desenvolvido ou ao. menos mantido. a regulamenta militar de Carlos. A pouca prudência dos homens,contudo, não percebe a veneno oculto nas coisas que lhes parecem boas ao princípio, conforme disse acima a respeito das febres héctias. Aquele, pois. que num principado não descobrir os males na sua origem não é inteiramente sábio, o que é concedida a poucas. Se estudarmos a começo da degenerescência do império romano, concluiremos que foi motivado apenas parque começou a assoldadar mercenários godos. A partir de então, as forças do império começaram a declinar e toda o valor dele era concedido aos godos. Concluo portanto, que sem possuir forças próprias nenhum príncipe está garantido. Antes, está à mercê da fortuna, não havendo virtude que a defenda nos contratempos. Foi sempre opinião e sentença dos sábios - "quod nihil sit tam infirmum aut instabile quam fama potentiae nan sua vi nixa"6. E as forças próprias são as compostas de súditos ou cidadãos, ou de servos teus; todas as demais são mercenárias ou auxiliares. E a maneira de regulamentar os exércitos próprios facilmente se achará se forem analisados os regulamentos das quatro. aos quais fiz referência e considerar-se como Filipe, pai de Alexandre Magno e muitas repúblicas e príncipes se armaram e governaram; e é a essas ordens que me remeto integralmente durante esta exposição.
CAPÍTULO XIV
DOS DEVERES DO PRíNCIPE PARA COM SUAS TROPAS
Deve o príncipe, portanto, não ter outra finalidade nem outro pensamento, nem qualquer outra atividade como prática, senão a guerra, seu regulamento e disciplina, pois essa é a única arte que se atribui a quem comanda. Ela é de tal poder que não só mantém os que nasceram príncipes, porém muitas vezes eleva àquela qualidade cidadãos de condição particular. Ao contrário, vemos que perderam seus Estados os príncipes que mais se preocuparam com os luxos da vida do que com as armas. O primeiro motivo que te levará a perder o governo é descuidar desta arte e o motivo para conquistá-lo é professá-la. Francesco Sforza, simples particular, tornou-se Duque de Milão, porque se armou; enquanto seus filhos, porque fugiam aos deveres das armas, duques que eram passaram a simples cidadãos. Pois entre outros motivos que te trazem malefícios, o estar desarmado obriga-te à submissão, e isso é uma das infâmias que um príncipe deve evitar, como mais à frente se dirá. Não existe nenhuma proporção entre príncipe armado e príncipe desarmado, e nem é razoável que quem está armado obedeça de boa vontade ao que não está, e que viva tranqüilo entre servidores em armas o príncipe desarmado. De um lado havendo desdém e suspeita da parte de outro, não há possibilidade de agirem de acordo. Um príncipe não versado em milícia, além de outras desventuras, como se disse, não pode ter a estima de seus soldados nem confiar neles. Não deve, portanto, o príncipe deixar de se preocupar com a arte da guerra e praticá-la na paz ainda mesmo mais do que na guerra e isto se consegue de dois modos: pela ação ou somente pelo pensamento. Quanto à ação, ademais de conservar os soldados disciplinados e permanentemente em exercício, precisa estar sempre em grandes caçadas, nas quais habituará o corpo aos incomodas naturais da vida em campanha e conhecer a natureza dos lugares, conhecer como aparecem os montes. como se afundam os vales, como estão postas as planícies, saber a natureza dos rios e pântanos, usando nestes trabalhos os melhores cuidados. Tais conhecimentos são úteis sob dois aspectos essenciais: primeiro, o príncipe aprende a conhecer bem o seu país e apreenderá melhor o seus meios naturais de defesa; segundo - pelo estudo e a prática desses lugares, entenderá facilmente qualquer outro, novo, que seja necessário pesquisar, pois os montes, vales, planícies, rios, e pântanos existentes na Toscana, por exemplo, têm algumas semelhanças com os de outras províncias. Deste modo, pelo conhecimento da geografia de uma província, chega-se com facilidade ao entendimento da outra. E o príncipe falhado neste pormenor, está falhando na primeira das qualidades de um capitão, que é a que ensina a entrar em contacto com o inimigo, acampar, levar os exércitos, traçar planos de combate, e assediar ou acampar com vantagem. Filopêmene, príncipe dos Aqueus, dentre as qualidades que os cronistas lhe deram, tinha a de, nos tempos de paz, jamais deixar de pensar em coisas de guerra. Passeando no campo, com amigos, detinha-se às vezes e os interpelava: - Estando os inimigos sobre aquele monte e nós aqui com nossos exércitos, quem teria maiores vantagens? Como se poderia ir ao seu encontro, mantendo nossa formação? Se quiséssemos retirar, como faríamos? Se eles batessem em retirada, como os seguiríamos? Enfim, formulava todas as hipóteses possíveis em campanha, escutava-lhes a opinião, dava a sua, firmava-a com razões e exemplos, de modo que, graças a essas contínuas cogitações, quando se achava à frente de seus exércitos, nunca topava acidente que não tivesse previsto e para o qual, assim, não tivesse remédio. Agora, no tocante ao exercício do pensamento, deve o príncipe ler histórias de países emeditar as ações dos homens ilustres, considerar como se portaram nas guerras, estudar as razões de suas vitórias e derrotas, para estar apto a fugir destas e imitar aquelas;principalmente, deve fazer como teriam procedido em tempos idos alguns grandes homens, que faziam imitação daqueles que antes deles tinham se glorificado por suas ações, como é sabido que Alexandre Magno imitava a Aquiles, César a Alexandre, Cipião a Ciro. E aquele que ler a vida de Ciro, que Xenofonte escreveu, reconhecerá depois, na de Cipião, quão valiosa lhe foi aquela imitação e quanto se parecia ele, na abstinência, afabilidade, humanidade, liberalidade, ao que disse Xenofonte a respeito de Ciro. Um príncipe sábio deve considerar estas coisas e jamais estar ocioso nos tempos de paz; deve, isto sim, de modo inteligente, ir formando cabedal de que tire proveito nas adversidades. para estar a qualquer tempo preparado para resistir-lhes.
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