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Por:   •  17/3/2015  •  1.141 Palavras (5 Páginas)  •  253 Visualizações

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O SENTIMENTO DUM OCIDENTAL

A Guerra Junqueiro

I

AVE-MARIA

----- Nas nossas Ruas, ao noitecer,

Há tal soturnidade, há tal melancolia,

Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia

Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

----- O céu parece baixo e de neblina,

O gás estravassado enjoa-me, perturba;

E os edifícios, com as chaminés, e a turba

Toldam-se duma cor monótona e londrina.

----- Batem os carros de aluguer, ao fundo,

Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!

Ocorrem-me em revista, exposições, países:

Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, no mundo!

-----Semelham-se a gaiolas, com viveiros,

As edificações somente emadeiradas:

Como morcegos, ao cair das badaladas,

Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

----- Voltam os calafates, aos magotes,

De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;

Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,

Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

----- E evoco, então, as crônicas navais:

Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!

Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!

Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

----- E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!

De um couraçado inglês vogam os escaleres;

E em terra num tinir de louças e talheres

Flamejam, ao jantar, alguns hotéis da moda.

----- Num trem de praça arengam dois dentistas;

Um trôpego arlequim braceja numas andas;

Os querubins do lar flutuam nas varandas;

As portas, em cabelo, enfadam-se os lojistas!

----- Vazam-se pos arsenais e as oficinas;

Reluz, viscoso, o rio, apressam-se as obreiras;

E num cardume negro, hercúleas, galhofeiras,

Correndo com firmeza, assomam as varinas.

----- Vêm sacudindo as ancas opulentas!

Seus troncos varonis recordam-me pilastras;

E algumas, á cabeça, embalam nas canastras

Os filhos que depois naufragam nas tormentas.

----- Descalças! Nas descargas de carvão,

Desde manhã à noite, a bordo das fragatas;

E apinham-se num bairro aonde miam gatas,

E o peixe podre gera os focos de infecção!

II

NOITE FECHADA

----- Toca-se às grades, nas cadeias. Som

Que mortifica e deixa umas loucuras mansas!

O aljube em que hoje estão velhinhas e crianças,

Bem raramente encerra uma mulher de "dom"!

----- E eu desconfio, até, de um aneurisma

Tão mórbido me sinto, ao acender das luzes;

A vista das prisões, da velha Sé, das Cruzes,

Chora-me o coração que se enche e que se abisma.

----- A espaços, iluminam-se os andares,

E as tascas, os cafés, as tendas, os estancos

Alastram em lençol os seus reflexos brancos;

E a Lua lembra o circo e os jogos malabares.

----- Duas igrejas, num saudoso largo,

Lançam a nódoa negra e fúnebre do clero:

Nelas esfumo um ermo inquisidor severo,

Assim que pela História eu me aventuro e alargo.

----- Na parte que abateu no terremoto,

Muram-me as construções retas, iguais, crescidas;

Afrontam-me, no resto, as íngremes subidas,

E os sinos dum tanger monástico e devoto.

----- Mas, num recinto público e vulgar,

Com bancos de namoro e exíguas pimenteiras,

Brônzeo, monumental, de proporções guerreiras,

Um épico doutrora ascende, num pilar!

----- E eu sonho o Cólera, imagino a Febre,

Nesta acumulação de corpos enfezados;

Sombrios e espectrais recolhem os soldados;

Inflama-se um palácio em face de um casebre.

----- Partem patrulhas de cavalaria

Dos arcos dos quartéis que foram já conventos:

Idade Média! A pé, outras, a passos lentos,

Derramam-se por toda a capital, que esfria.

----- Triste cidade! Eu temo que me avives

Uma paixão defunta! Aos lampiões distantes,

Enlutam-me, alvejando, as tuas elegantes,

Curvadas a sorrir às montras

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