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TRABALHO YURAO

Por:   •  6/4/2019  •  Trabalho acadêmico  •  12.739 Palavras (51 Páginas)  •  132 Visualizações

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          MILLENY PEREIRA PERES          

                  DE FIGUEIREDO

         

         OS DOIS LADOS DA MOEDA                        

           

                 

                 DOURADOS/MS

                             2018

                   

                   SUMÁRIO

Dedico esse livro a toda a minha família e aos meus amigos que sempre estão ao meu lado.

                     

                      CAPITULO I

            INFANCIA?

Pele branca como neve e olhos negros como a noite, sorriso quase imperceptível. Cecília era um bebê fora do comum. Já tinha aproximadamente seis meses e o único mundo que conhecia era aquele que cabia dentro da sua casa. Uma sala pouco mobiliada, uma cozinha com azulejos antigos e encardidos, um quarto com móveis simples e tons sóbrios. E tinha o banheiro! Esse era o cômodo preferido da pequena Cecília, pois tinha uma banheira estilo Luís XV em que tomava banhos quentes e sentia-se, por um momento, acolhida e envolvida pela água quentinha. Todos os dias tinham a mesma rotina: Acordava às sete horas da manhã, era alimentada, colocada em uma espécie de Puff na sala e escutava rádio enquanto a mulher costurava. Quieta. Cecília era praticamente inerte ao que acontecia ao seu redor. Com seis meses tinha uma incrível consciência de tudo, mas não tinha reação a nada. Às dez horas era trocada sua fralda e o Puff com cheiro de cigarro era substituído pelo carrinho de bebê, levemente mais confortável para as costas.

Na cozinha a mulher preparava o almoço e começava o programa de músicas que deixava Cecília contente, mas sempre na terceira ou quarta música a refeição já estava pronta. Sempre a mesma coisa: papinha para o bebê e batatas com carne e salada para a mulher. A música acabava e seu estômago começava a ser preenchido. Não entendia o motivo pelo qual a música tinha que acabar para poder começar a comer, mas enfim, dali a pouco chegaria a hora mais gostosa do dia... Um banho quentinho dentro daquela banheira, aquela fumacinha divertida que saía e ficava flutuando no ar e depois aquela sensação boa de sono, com relaxamento e aquela mamadeira com leite quentinho que vinha depois da roupinha. Hora do soninho da tarde. Ela era colocada no berço e depois de mamar, largava a mamadeira e adormecia sozinha. Acordava sozinha e parecia que aquela mulher sabia até os segundos que Cecília levava para acordar. Estava sempre ali, mas sempre em silêncio. Em seis meses aquela mulher havia trocado menos de uma dúzia de palavras - e talvez seja por isso que o bebê ainda nem balbuciava o tão normal “mama” para aquela idade. - trocava a fralda, fruta, água, Puff, mais barulho de máquina de costura e noticiário da rádio, fralda, jantar, mamadeira, berço. Acordava às sete da manhã e começava tudo de novo. Sempre!

Cecília não sabia o que era uma canção de ninar, um abraço, uma dancinha para dormir, uma brincadeira, bater palmas. Ela nunca tinha ouvido aquela voz que toda mãe faz com som agudo e infantilizado que soava como se a mãe que fosse o bebê. Tudo pra ela era sem movimento, sem cor, sem graça e sem amor. Não havia brinquedos na casa, nem uma boneca se quer e as únicas coisas que remetiam a um bebê naquela casa eram aquele berço sem graça, aquele carrinho de bebê sem graça, as poucas roupinhas no varal e a mamadeira em cima da pia e mais nada. Não tinha choro, não tinha “Gugu dada” não tinha programas infantis e não tinha mãe. Só o que havia era um bebê de meio ano de idade que bem cedo aprendeu a ficar quieta e sem chorar, pois seu choro nunca adiantou nada. Na verdade Cecília com um mês de vida já não chorava mais, já tinha sido condicionada àquela rotina e não existia espaço de tempo para o choro. Tudo era mecanicamente correto. Quando ia começar a sentir fome vinha a mamadeira, quando ia começar a ficar cansada vinha o banho quente e a sonequinha, quando ia começar a ficar entediada vinha o rádio. Não sobrava muito espaço para outras coisas.

A mulher tinha cabelos louros e desgrenhados, era tão magra que todos os ossos do seu corpo eram estranhamente visíveis, fumava um cigarro atrás do outro e xícaras e mais xícaras de café. A única refeição que fazia era o almoço junto com aquele bebê. Ela se chama Clarice, tem mais ou menos 35 anos, mas nem um resquício de juventude. Sempre carrancuda e com a voz fraca e rouca devida aos vários anos de fumante. Cecília era fruto de um abuso sexual sofrido por Clarice pelo seu ex-chefe Afonso. Não era um bebê esperado, nem planejado e muito menos amado. Clarice desistiu de tentar o aborto por volta do sétimo mês de gravidez quando a barriga já não era mais possível esconder e quando todas as tentativas possíveis já não existiam. Cecília era uma sobrevivente a ataques químicos e todas as outras possibilidades de uma morte fetal; ela era praticamente um milagre. Nasceu pesando incríveis 4.100 kg em um parto feito em casa sem nenhum pré-natal. Os vizinhos ouviram os gritos de Clarice e acionaram uma ambulância e, antes mesmo que ela chegasse, Cecília veio ao mundo já trazendo muita dor e sofrimento para aquela mulher.

Já era natal e Cecília tinha 8 anos, estava contente pois sabia que faltavam poucos dias para que seu sonho de ir à escola como todas as outras crianças normais estava chegando. Não conseguia imaginar o momento em que colocaria uma mochila nas costas e andaria pelas ruas até a pequena escola que não ficava muito longe, mas que, até o momento, era o lugar mais longe até onde já tinha ido. Já havia vivido quase 3 mil dias e tinha ido ao mercado 2 vezes, ao médico 2 vezes e nunca entrara em um carro antes. Clarice criava Cecília com uma frieza sepulcral, um silêncio mortal e um ar de obrigação e não de amor e carinho. Sempre que olhava aqueles olhos redondinhos lembrava Afonso levantando sua saia e jogando-a em cima da mesa de costura onde trabalhava na antiga tecelagem e dali em diante só o que conseguia sentir era asco. Havia no canto da sala sem graça uma pequena árvore de natal feira com galhos secos e pequenos retalhos de tecido que, enquanto caiam no chão, Cecília os juntava e guardava cantarolando as músicas de gente grande que tocavam na rádio. Era uma menina linda e saudável, bochechas coradas e um cabelo sedoso, liso e com cachos nas pontas, preto como a asas de uma graúna e, por incrível que pareça, Clarice cuidava muito desses lindos cabelos.

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