A ESCOLA PÚBLICA, UNIVERSAL E GRATUITA. ANÍSIO TEIXEIRA - Resumo
Trabalho Universitário: A ESCOLA PÚBLICA, UNIVERSAL E GRATUITA. ANÍSIO TEIXEIRA - Resumo. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: 1725 • 18/8/2014 • 9.311 Palavras (38 Páginas) • 489 Visualizações
A ESCOLA PÚBLICA, UNIVERSAL E GRATUITA.
ANÍSIO TEIXEIRA -
No mês de maio último, reuniram-se em Lima, convocados pela Organização dos Estados Americanos (a antiga União Pan-Americana), os representantes dos Governos nacionais do nosso continente. Êstes representantes não eram ministros da Fazenda, nem ministros do Exterior. Eram ministros da Educação. O tema da reunião não era a política exterior nem a política econômica ou financeira, e sim a política educacional. E em política educacional, não se debateram os problemas do ensino secundário, nem do ensino superior; mas, do ensino primário.
A despeito do caráter de que se revestem quase sempre essas reuniões internacionais, do seu ar tantas vêzes irremediàvelmente convencional, os que lá estiveram sentiram, em mais de um momento, que algo de histórico se processava na evolução política das Américas. O drama de 59 milhões de analfabetos, inclusive os de idade escolar, da América latina e de outros tantos milhões de semi-alfabetizados, em suas escolas primárias de dois e três anos de estudos e de dois e três turnos por dia letivo, repercutia nos salões do edifício do Congresso Nacional de Lima, onde se realizou a reunião interamericana, como um trovejar, talvez ainda distante, mas já suficientemente audível, da consciência popular dos povos americanos. Dir-se-ia que, despertados afinal para as suas reivindicações fundamentais, eram os povos do Continente que convocavam aquêle conclave, para a fixação de medidas destinadas a assegurar-lhes o direito dos direitos: uma escola primária, eficiente e adequada, para todos.
E por isto mesmo - a despeito das vozes, muito nossas conhecidas, dos que ainda julgam possível reduzir a educação popular, na América latina, à mistificação das escolas primárias de tempo parcial e de curtos períodos anuais - a assembléia decidiu, com a afirmação de princípios da "Declaração de Lima", por uma escola primária de seis anos de curso e dias letivos completos.
No mesmo ano, em que os governos americanos, reunidos em assembléia, fizeram tal declaração histórica, o Estado de São Paulo, isto é, o estado-líder da federação brasileira, convoca o seu primeiro Congresso de Ensino Primário.
Sabemos que um fato não está ligado a outro. Mas, a coincidência pode ser tida como significativa: a mesma obscura fôrça, que está movendo a consciência coletiva, parece haver atuado para a escolha do tema da reunião de Lima, como para a reunião, no ano passado, do Congresso de Professôres Primários, de Belo Horizonte, e para êste Congresso do Ensino Primário, de São Paulo, ora aqui reunido, em Ribeirão Prêto. Presumo que se trata de um sinal, um grande sinal, de amadurecimento da consciência pública do país.
Por isso estou seguro de que não estamos aqui para discutir, como é tanto do nosso gôsto, a educação dos poucos, a educação dos privilegiados, mas a educação dos muitos, a educação de todos, a fim de que se abra para o nosso povo aquela igualdade inicial de oportunidades, condição mesma para a sua indispensável integração social.
Não se pode ocultar ser algo tardio êsse movimento de emancipação educacional ou de emancipação pela educação.
Desde a segunda metade do século dezenove, quando não antes, as nações desenvolvidas haviam cuidado da educação universal e gratuita. Cogitando de realizá-la, agora, em época que, na verdade, já se caracteriza por outras agudas reivindicações sociais, de mais nítido ou imediato caráter econômico, corremos o risco de não poder configurar com a necessária clareza os objetivos da emancipação educacional. É que, no caso, trata-se ainda de algo que já nos devia ter sido dado, que já há muito fôra dado a outros povos, de cujas atuais aspirações queremos partilhar. Estas novas aspirações, mais fortemente motivadas pelos imperativos da época, sobrepõem-se às aspirações educacionais e de certo modo as desfiguram, criando, pela falta de sincronismo, especiais dificuldades para o seu adequado planejamento.
A relativa ausência de vigor de nossa atual concepção de escola pública e a aceitação semi-indiferente da escola particular foram e são, ao meu ver, um dos aspectos dessa desfiguração generalizada de que sofre a política educacional brasileira, em virtude do anacronismo do nosso movimento de educação popular.
Como os povos desenvolvidos já não têm hoje (salvo mínimos pormenores) o problema da criação de um sistema, universal e gratuito, de escolas públicas, porque o criaram em período anterior, falta-nos, em nosso irremediável e crônico mimetismo social e político, a ressonância necessária para um movimento que, nos parecendo e sendo de fato anacrônico, exige de nós a disciplina difícil de nos representarmos em outra época, que não a atual do mundo, e de pautarmos os nossos planos, descontando a decalagem histórica com a necessária originalidade de conceitos e planos, para realizar, hoje, em condições peculiares outras, algo que o mundo realizou em muito mais feliz e propício instante histórico.
Se nos dermos ao trabalho de voltar atrás e ouvir as vozes dos que ainda no curso do século dezenove, no mundo, e, entre nós, imediatamente antes e logo depois da república, definiram (mesmo então com atraso) os objetivos do movimento de emancipação educacional, ficaremos surpreendidos com a intensidade do tom de reivindicação social, que caracterizava o movimento. É que a escola era, na época, a maior e mais clara conquista social. E hoje, o anseio por outras conquistas, mais pretensiosas e atropeladas, a despeito de não poderem, em rigor, ser realizadas sem a escola básica, tomaram a frente e subalternizaram a reivindicação educativa primordial. Tomemos, com efeito, ao acaso, as expressões de um dêsses pioneiros continentais da educação popular - por um conjunto de circunstâncias, o primeiro: Horace Mann. O grande batalhador da educação pública e universal, nos Estados Unidos, que no continente só encontra paralelo contemporâneo em Sarmiento, na Argentina, considerava a "escola pública" - a escola comum para todos - a maior invenção humana de todos os tempos. E em seu relatório ao Conselho de Educação de Boston, assim falava, há cento e oito anos (1848):
"Nada, por certo, salvo a educação universal, pode contrabalançar a tendência à dominação do capital e à servilidade do trabalho. Se uma classe possui tôda a riqueza e tôda a educação, enquanto o restante da sociedade é ignorante e pobre, pouco importa o nome que dermos à relação entre uns e outros: em verdade e de fato, os segundos serão os dependentes
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