A SÚMULA VINCULANTE 24, O "ENGESSAMENTO" DA "MÁQUINA" INVESTIGATÓRIA CRIMINAL E O AFOGAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO
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SOLUÇÕES CRIMINAIS FEDERAIS
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SEGUNDA-FEIRA, 29 DE MARÇO DE 2010
A SÚMULA VINCULANTE 24, O “ENGESSAMENTO” DA “MÁQUINA” INVESTIGATÓRIA CRIMINAL E O AFOGAMENTO DO PODER JUDICIÁRIO
Autor: Luis Carlos Andrade Bravo
Diretor de Secretaria de Vara Federal Criminal-RJ
Pós-graduado em Direito Público
Inicialmente, merece ser registrado que este artigo não objetiva criticar a Súmula Vinculante 24[1]do Colendo Supremo Tribunal Federal, ao contrário, otimizar a comunicação entre as polícias judiciárias e as fazendas públicas municipais, estaduais e federal, para imprimir celeridade nas investigações criminais e, com isso, desafogar o Poder Judiciário, com a cessação de pedidos de afastamentos de sigilos fiscais desnecessários, conforme se verá adiante.
O presente trabalho foi inspirado em casos concretos vivenciados na atuação forense em Vara Federal Criminal, no Rio de Janeiro.
Antes da edição da Lei Complementar nº 104/201, o sigilo fiscal só podia ser afastado mediante ordem judicial e no interesse da justiça, mas, após essa Lei, o sigilo fiscal foi flexibilizado, ou seja, abrandado, de forma a permitir que a própria autoridade administrativa, no interesse da administração pública, poderá solicitar as informações ao Fisco, desde que por processo regularmente instaurado, exigindo que a entrega das informações seja efetuada pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, a fim de formalizar a transferência das informações e assegurar a preservação do sigilo, conforme se verifica no inciso II[2], §1o, do Art. 198, do CTN.
O Ministério Público também tem poderes para decretar o afastamento do sigilo fiscal, independentemente de ordem judicial, com amparo nos artigos 129, VI,[3] da CF e 8º, §2º,[4] da LC 75/93, bem como requisitar a instauração de procedimentos administrativos fiscais, dentre outros, na forma do Art. 7º, III,[5] da mesma Lei Complementar.
Não obstante a evolução legislativa para “destravar” a máquina investigatória criminal e “desafogar” o Poder Judiciário, ultimamente vem aumentando significativamente o volume de pedidos de afastamento de sigilo fiscal de investigados para saber seexiste procedimento fiscal na Receita Federal e qual situação do procedimento (se houve pagamento de eventual crédito tributário, impugnação, adesão a parcelamentos ou lançamento definitivo de tributo), em razão da Receita Federal não prestar tais informações de forma satisfatória, com a justificativa de se tratar de informações protegidas pelo sigilo fiscal.
Acredita-se que a prática narrada acima se repita nas demais Fazendas Públicas – Municipal e Estadual, bem como na Receita Federal dos demais Estados.
Por vezes, presenciei casos em que a Receita Federal, ao responder ofícios para Polícia Federal, na hipótese de existência de procedimento fiscal em andamento em face de investigados, se limita a informar apenas tal existência, sustentando, em síntese, que está impossibilitada de fornecer outros dados, além do encaminhado, tendo em vista a existência do sigilo fiscal, conforme o disposto no Art. 5o, inciso X[6], da Constituição da República, bem como no Art. 198[7], do Código Tributário Nacional, com redação dada pela Lei Complementar no 104/2001 e do Art. 325, do Código Penal.
Como se vê, de um lado a Polícia Judiciária e o Ministério Público, que mesmo tendo elementos que dão conta de indícios de cometimento de crime contra a ordem tributária, em especial, os crimes materiais descritos nos incisos I a IV, do Art. 1º, da Lei nº 8.137/90, não podem concluir suas investigações antes do lançamento definitivo do tributo, sob pena de sofrerem reclamação perante o STF, por descumprimento da Súmula Vinculante em debate; e, no outro lado, a Fazenda Pública com as informações que permitem concluir às investigações (na hipótese de lançamento definitivo do tributo) ou suspendê-las (na hipótese contrária), mas não as repassa às autoridades, alegando tratar-se de dados protegidos pelo sigilo fiscal.
No quadro acima desenhado, verifica-se caracterizado o “engessamento” da máquina investigatória criminal. Assim, para superar o quadro, parece restarem três alternativas para a Polícia Judiciária e Ministério Público: a) aguardar a Fazenda Pública encaminhar eventual representação fiscal para fins penais, na forma do inciso I, do §3o, do Art. 198, do CTN[8] e do Art. 83 da Lei nº 9.430/96[9]; b) pedir arquivamento de peças de informação ou de inquérito policial, por não haver tipificação de crime material contra a ordem tributária, previsto nos incisos I a IV, do art. 1º, da Lei no 8.137/90, na forma da Súmula Vinculante 24 ouc) “bater na porta” do Poder Judiciário para pedir o afastamento do sigilo fiscal, no caso deste artigo, para, tão-somente, saber se existe o tal procedimento fiscal e, em caso positivo, qual situação se encontra. A prática mostra que as autoridades em questão costumam escolher as alternativas “b” e “c”, sendo esta com maior incidência de casos. Em razão desse fato, ocorre o “afogamento” do Poder Judiciário de forma desnecessária.
Via de regra, é trivial ao analisar pedidos de afastamento de sigilo fiscal, verificar apenas a existência de indícios da prática de crime contra a ordem tributária e não se enfrenta o aspecto da legitimidade danegativa da Receita Federal prestar a informação sobre a existência de procedimento fiscal e demais informações atinentes a sua situação (se houve pagamento de eventual crédito tributário, impugnação, adesão a parcelamentos ou lançamento definitivo de tributo).
No ponto – a mera informação da Fazenda Pública, consubstanciada na existência de procedimento fiscal e a situação em que se encontra, dando conta se houve pagamento de eventual crédito tributário, impugnação, adesão a parcelamentos ou lançamento definitivo de tributo, quando instada pela Polícia Judiciária ou Ministério Público, data maxima venia, não está protegida pelo sigilo fiscal, a que se refere o caput do Artigo 198, do Código Tributário Nacional, dado que tais informações não caracterizam "situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades".
Logo, quando se tratar de pedido de afastamento de sigilo fiscal, para, tão-somente, determinar que a Fazenda Pública remeta as informações em comento à autoridade policial –existência de procedimento fiscal e sua situação, o Poder Judiciário deve externar o presente entendimento – declarar que o pedido não está protegido pelo sigilo fiscal do art. 198, do CTN e determinar a baixa dos autos à autoridade requerente – Polícia Judiciária ou Ministério Público para requerer diretamente tal pedido à Fazenda Pública, em homenagem aos princípios da economia e celeridade processual nas investigações criminais, que vai ao encontro da atual política implementada pelo Conselho Nacional de Justiça, consagrada como METAS de 2010, recentemente definidas no 1º Workshop de Gestores das Metas de 2010, aberto pelo Ministro Gilmar Mendes, no dia 17/03/2010.
Numa visão holística, se cada juiz criminal estadual e federal adotar este entendimento, certamente que se evitará a autuação de milhares de medidas cautelares no Brasil – o que representará uma economia gigantesca de insumos humanos e materiais – que poderá ser aplicada a processos que estão paralisados ou simplesmente andando “aos trancos e barrancos”.
Do exposto, resta demonstrado de forma cabal, que a Fazenda Pública deve prestar informações, independente de ordem judicial, diretamente à Polícia Judiciária ou Ministério Público, acerca da existência de procedimento fiscal, a situação em que se encontra tal procedimento, bem como se houve pagamento de eventual crédito tributário, impugnação, adesão a parcelamentos ou lançamento definitivo de tributo, quando instada para tanto.
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[1] Súmula vinculante 24 – “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei no 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”
[2] “II - solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.”
[3] “VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;”
[4] “§2º Nenhuma autoridade poderá opor ao Ministério Público, sob qualquer pretexto, a exceção de sigilo, sem prejuízo da subsistência do caráter sigiloso da informação, do registro, do dado ou do documento que lhe seja fornecido.”
[5] “Art. 7º Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais:
.....................
III - requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.”
[6] “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
[7] “Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.” (grifamos)
[8] “Art. 198 .....
...................
§3o Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I - representações fiscais para fins penais; “
[9] “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”
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