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Criança e infração

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Por:   •  9/6/2014  •  Relatório de pesquisa  •  6.681 Palavras (27 Páginas)  •  224 Visualizações

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ECA

A Criança e o ato infracional

André Karst Kaminski

1. Considerações iniciais

Conforme definia a Lei Federal nº 6.697, de 10 de outubro de 1979 (Código de Menores): “O menor de dezoito anos, a que se atribua autoria de infração penal, será, desde logo, encaminhado à autoridade judiciária” (art. 99), ou seja, a pessoa até dezoito anos de idade que praticava uma infração penal, deveria receber uma prestação jurisdicional. Esta regra, do antigo Código, mudou: hoje não se fala mais em “menor”, mas sim em ‘criança e adolescente’, novas categorias de pessoas já apresentadas pela Constituição Federal de 19881. Também não se diz mais “infração penal”, mas utiliza-se o termo ‘ato infracional’ (o que inclui crime e contravenção penal2, e que por isso, para alguns, quer dizer a mesma coisa, tratando-se de mero eufemismo), e, finalmente, não existe mais apenas o “Juiz”, como única autoridade competente para atuar perante a prática de ato infracional, sendo a nova autoridade administrativa ‘Conselho Tutelar’3, aquela com atribuição de dedicar atendimento à criança – pessoa até doze anos de idade incompletos4 – que o pratica5. Nota-se, assim, que a criança deixou de ter um atendimento por parte de um ente singular, investido de uma função jurisdicional, para ter atendimento por uma autoridade administrativa (não jurisdicional) e colegiada.

Jurisdição e Administração são funções estatais que não se confundem, se diferenciando por diversas características que as justificam enquanto poder do Estado. Entre outras: a) enquanto a Jurisdição pressupõe a existência de prévia controvérsia, só agindo por provocação, a Administração age de ofício; b) enquanto a Jurisdição utiliza critérios jurídicos, decidindo de um modo neutro e imparcial pelo que é ‘direito e justo’ para as partes, a Administração utiliza critérios políticos de oportunidade e conveniência, decidindo de forma interessada e parcial pelo que é de interesse público e por aquilo que melhor atende ao bem comum; c) enquanto a Jurisdição possui procedimentos rígidos e subordinados às formalidades do devido processo legal, a Administração possui, de regra, procedimentos espontâneos.

Devido a todas essas novidades, introduzidas pela Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), destinando o atendimento da criança autora de ato infracional à atribuição do Conselho Tutelar, decidimos, no ano de 1999, desenvolver uma pesquisa junto aos Conselhos Tutelares do Município de Porto Alegre/RS, no intuito de verificar “como vinham se constituindo as ações do Conselho Tutelar neste atendimento”, sendo nossas hipóteses iniciais, que: “a) os procedimentos adotados pelos Conselhos Tutelares apresentam-se em grande diversidade; b) que a aplicação das medidas de proteção vem se calcando essencialmente em aspectos subjetivos e em valores dos conselheiros; c) que a discricionariedade das ações dos Conselhos Tutelares deixa a criança exposta à falta de proteção jurídica em seu atendimento, situação que decorre das distintas características das funções estatais Administração e Jurisdição, e da lacuna legislativa acerca de procedimentos específicos, direitos e garantias para esse tipo de atendimento” 6.

Cabe-nos, agora, trazer os resultados da pesquisa realizada, adiantando-se o forte impacto que nos causaram (algo que justifica o próprio título final dado à Dissertação), revelando, não exatamente, prejuízos à criança, pela falta de normalização jurídica mais rígida e explícita que a proteja em seu atendimento administrativo, ou, ainda, pela natureza leiga da autoridade não jurisdicional que a atende, mas sim, pela dificuldade que o Conselho Tutelar (e todos) tem, de entender o seu papel e a forma como deve agir diante da situação da criança que pratica um ato infracional.

2. A pesquisa desenvolvida

Para o desenvolvimento da pesquisa, foram visitados 3 (três) Conselhos Tutelares da Capital7, onde foram consultadas 48 (quarenta e oito) situações de atendimento, ocorridas entre 1992 e 1999. Após a coleta de dados relativos à pesquisa, dos mesmos Conselhos Tutelares, e adotando um equilíbrio, foram entrevistados 8 (oito) conselheiros. A opção por consultar situações de atendimento desde 1992, deveu-se a dois motivos: a) pela baixa incidência de atendimento de criança autora de ato infracional – durante a gestão 1995-1998, o índice foi de apenas 1,93% do total de casos atendidos pelos 8 (oito) Conselhos8; b) pela não rara existência de casos crônicos de atendimento – num deles, um menino, dos 8 (oito) aos 12 (doze) anos de idade, teve 15 (quinze) atendimentos no Conselho por prática de ato infracional, sem esse apresentar uma solução definitiva 9.

3. Resultados da Pesquisa 1]10

Segundo retrataram as situações de atendimento analisadas junto aos Conselhos Tutelares, a média de idade da criança atendida girou em torno de 9 (nove) anos e 6 (seis) meses. Uma média abaixo dos 10 (dez) anos de idade nos sensibiliza devido à precocidade do envolvimento da criança com a prática infracional, o que a submete a uma intervenção estatal, mesmo que (por hora) de um órgão administrativo e de defesa de direitos (sobretudo, quando não cessam as pressões para a redução da idade de imputabilidade penal, propondo alguns a idade de 12 anos). Dado importante a referir é que, todas as crianças tinham pais ou responsável e residiam com eles, não sendo nenhuma delas “criança de rua”. A existência de família biparental – pai e mãe – representou 41,67% dos casos, sendo somente a mãe em 31,25%, a mãe e outro parente em 10,41%, e apenas o pai em 4,17%. O dirigente do abrigo apareceu como co-responsável em 6,25% dos casos, e como único responsável em 2,08%.

Acerca da chegada do caso no Conselho Tutelar, os maiores usuários do serviço foram, destacadamente, a Polícia Militar (41,67%) e a Escola (20,83%), o que correspondeu ao maior número de situações consultadas: furtos (50%) e incidentes escolares11 (31,25%). A respeito do terceiro maior usuário do Conselho – os pais ou responsável (16,66%) -, a mesma relação direta se mostrou existente, sendo a falta de limites em casa a 4ª situação de atendimento mais apontada (10,41%).

Sobre as situações consideradas pelos conselheiros tutelares como atos infracionais

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