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Dos computadores para os grelhados

Seminário: Dos computadores para os grelhados. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  26/9/2013  •  Seminário  •  1.593 Palavras (7 Páginas)  •  237 Visualizações

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Dos computadores para os grelhados

O economista João Böer, 44 anos, desesperou-se quando soube que perderia seu emprego como diretor de vendas da Oracle, multinacional de tecnologia em que trabalhava havia uma década. "Só conseguia pensar em arranjar um emprego parecido, mas o telefone da minha casa não tocava", conta. Em meio à crise e sem enxergar uma saída a curto prazo, Böer tomou uma difícil decisão: ele, que jamais havia pensado em ter o próprio negócio, resolveu investir algo como 500 000 reais num restaurante de grelhados em São Paulo. Isso depois de analisar dezenas de possibilidades. "Comida está dando dinheiro", diz o economista, que já entendia o suficiente de finanças para montar uma empresa - mas nada de comida. "Fiz um curso para aprender, literalmente, o feijão com arroz."

Onde ele acertou: optou por abrir sua empresa num dos setores que mais crescem no país - o de alimentação.

Onde ele errou: dispensou um processo seletivo mais demorado e já precisou trocar três dos 22 funcionários.

A crise fez surgir no Brasil um novo tipo de empreendedor. É gente que jamais havia pensado em ter o próprio negócio até perder recentemente o emprego e se ver sem perspectiva de arranjar outro. Eles ocupavam bons cargos em grandes corporações e, juntando o fundo de garantia à rescisão de contrato, receberam, ao sair, dinheiro suficiente para começar uma empresa. Um novo estudo da consultoria DBM, uma das maiores em recolocação de executivos do mundo, dimensiona o fenômeno no Brasil - que repete, numa escala menor, o cenário nos Estados Unidos. O levantamento mostra que, desde outubro passado, o momento mais agudo da crise, cresceu em 60% o número de brasileiros que, uma vez demitidos, decidiram partir para um negócio próprio. Até agora, são algo como 100 000 pessoas. Eles não têm perfil aventureiro: 90% procuram alguma espécie de assessoria antes de montar sua empresa. Ainda que suas experiências no antigo emprego possam ser de grande valia, reconhecem que muitas das situações que se apresentam agora são inteiramente novas - não apenas porque se tornaram donos de um negócio pela primeira vez, mas também porque a maioria mudou de área. É o caso do engenheiro Raul Bonan, 38 anos, e de sua mulher, a advogada Christiane Magalhães, 35, hoje à frente de duas lanchonetes especializadas em servir chá-mate no Rio de Janeiro. Diz a ex-executiva de banco: "É um desafio começar uma nova carreira a esta altura da vida".

O surgimento dessa nova geração de empreendedores ajuda a explicar por que o número de pequenas empresas no país já subiu tanto neste ano - o crescimento foi da ordem de 20%, de acordo com um relatório recém-consolidado pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio. Os negócios tocados por esses novatos, no entanto, têm indicadores bastante diferentes daqueles que marcam, tipicamente, o empreendedorismo no Brasil. A começar pelo capital investido de saída, até 500 000 reais, bem mais do que os 20 000 reais com os quais se inicia, em média, um negócio no país. Com diploma de ensino superior e, em muitos casos, até com MBA no currículo, os novatos também contribuem para o aumento na escolaridade dos empresários brasileiros - em geral, muito baixa. Para se ter uma ideia, apenas 17% dos donos de empresa no país pisaram numa universidade. "Esses ex-executivos têm um perfil bem raro entre os empreendedores no Brasil", diz Ricardo Tortorella, diretor do Sebrae. Eles estão, sem dúvida, em melhores condições para vingar num cenário em que um terço das empresas abertas no país fecha antes de completar um ano. "Com mais dinheiro para investir e preparo para levar um negócio adiante, têm infinitamente mais chances de prosperar", afirma o economista Maílson da Nóbrega.

Ainda que iniciem o negócio em vantagem, a curta experiência dos novos empreendedores aponta para algumas dificuldades. Não é fácil para eles, antes de tudo, desistir de procurar trabalho em empresas. Até chegar a esse ponto, João Böer, 44 anos, ex-diretor de vendas da Oracle, uma das gigantes da internet, passou três meses esperando o telefone tocar, depois de espalhar currículos no mercado. "Foi complicado aceitar a ideia de que o mais sensato era iniciar um negócio, coisa que jamais havia cogitado", diz Böer, que, apesar da assumida inaptidão para a cozinha, se tornou dono de um restaurante de grelhados em São Paulo. Justamente a segunda dificuldade para ele e os outros foi escolher em que investir. A lição nesse campo é simples, embora pouco aplicada no país: para a empresa dar certo, ela deve atender a uma demanda real da economia, ainda que seja numa área nova para o dono. Os empreendedores da crise, apesar de algum sofrimento para enfrentar mudança tão radical, demonstram pragmatismo. Estima-se que pelo menos a metade deles foi parar no ramo de alimentação, um setor que cresce. Resta, porém, um obstáculo que pode atrapalhar os novatos. "Como não escolheram esse caminho, talvez lhes falte o espírito de liderança e a obstinação necessária", pondera Rodrigo Teles, diretor da Endeavor, instituto que incentiva a cultura empreendedora. "Só vão dar certo os que não pensarem apenas na sobrevivência - mas em crescer."

A essas dificuldades somam-se aquelas que qualquer brasileiro enfrenta ao abrir um negócio. O processo é dolorosamente lento e burocrático. Um ranking de 181 países organizado pelo Banco Mundial traz o Brasil entre aqueles onde é mais penoso montar uma empresa, na 127ª posição. Para abrir um negócio, é preciso esperar, em média, 152 dias e ainda ter paciência para cumprir dezoito procedimentos burocráticos. Para efeito de comparação, nos Estados Unidos a empresa sai do papel em seis dias e a burocracia tem um terço do tamanho. O crédito também é mais caro e escasso no Brasil, o que obriga as pessoas a fazer uso da poupança - ela fornece em torno de 70% do capital inicial investido em uma empresa no país. Por fim, pesa contra os profissionais uma alta carga de impostos, que chega a abocanhar 52% do lucro das empresas. Mais de dois terços dos empreendedores brasileiros são informais - outro ponto em que os novatos decidiram

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