EMPERISMO E IMPROVISAÇÃO
Monografias: EMPERISMO E IMPROVISAÇÃO. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 22/11/2014 • 6.854 Palavras (28 Páginas) • 191 Visualizações
Dimensões da globalização: comunicações, economia, política e ética.
José Maria Rodriguez Ramos*
Resumo: O estudo da globalização desde os anos 80 implica a análise de diversas variáveis: a evolução das comunicações, a globalização econômica, a integração política e os valores éticos presentes no relacionamento social e mundial. A ligação entre cada um desses aspectos é clara: a revolução nas comunicações favorece e permite a integração econômica. O fator econômico, por sua vez, é orientado pelo cenário e relacionamento político. E o elemento político, em última instância, está presidido por valores e princípios.
Palavras-chave: globalização, comunicações, crescimento econômico, pobreza, desenvolvimento econômico, política, ética.
I. Introdução
Nas duas últimas décadas, o tema da globalização tem ocupado espaço cada vez maior nas pautas das reuniões de organizações internacionais e nos fóruns de debate mundiais. O recente fim de século e de milênio propiciou uma oportunidade de reflexão em escala mundial sobre os rumos da história ao longo dos últimos cem anos, e estimulou o pensamento sobre o futuro da humanidade face aos novos desafios e dilemas do mundo moderno.
Não é possível afirmar que exista qualquer consenso ou diagnóstico definitivo sobre o passado, presente e futuro do processo de globalização por que atravessa o mundo moderno. A tentativa de comparar a atual integração mundial com épocas de globalização no passado não está isenta de perigos e armadilhas, em função das novas circunstâncias e variáveis em que se insere o processo de reestruturação da nova ordem internacional.
Para procurar compreender um fenômeno é preciso, em primeiro lugar, definir os termos e, depois, dividir a questão de modo a separar as possíveis variáveis que contribuem para explicar o conjunto. Dada a complexidade do fenômeno da integração mundial, torna-se especialmente necessária essa separação dos fatores que estão contribuindo para a nova conformação do cenário internacional.
Antes, porém de iniciar a análise, é importante comentar que há duas visões, contraditórias e irreconciliáveis em relação à globalização. Uma delas, em face da complexidade do tema, renuncia a uma tentativa de compreensão global do fenômeno e enuncia fatos ocorridos ao redor do globo sem procurar uma explicação unitária, impossível de ser alcançada sob este ponto de vista. A tentativa de interpretação unitária, como um trabalho de Sísifo, estaria condenada ao fracasso. Os eventos mundiais seriam apenas flashes que iluminariam o escuro cenário mundial, impossível de ser captado de modo unitário.
O outro enfoque, mais próximo da perspectiva científica, procura um método de análise, a partir da observação da realidade e, ao mesmo tempo, divide o estudo das questões, de modo a iluminar cada canto do cenário. A reconstituição metódica das luzes permitiria uma visão integrada do quadro mundial. Esta segunda perspectiva é mais desafiadora e fértil.
O presente estudo adota a segunda perspectiva e procura focalizar quatro importantes fatores que têm contribuído de forma diversa para configurar o processo de globalização nos últimos vinte anos, ou seja, desde o início dos anos 80: a globalização nas comunicações, a econômica, a política e a dos valores presentes no convívio em todos os níveis: pessoal, social, nacional e mundial. Cada um desses aspectos será abordado nas quatro secções deste texto.
A ligação entre eles é clara: a revolução nas comunicações favorece e permite a integração econômica. O fator econômico, por sua vez, tem implicações no cenário e no relacionamento político. E o elemento político, em última instância, está presidido por valores e princípios. A presença ou ausência de valores éticos e princípios morais nas pessoas que comandam a política, a cultura, a economia e as comunicações é fundamental para compreender a evolução da humanidade e o processo de globalização em curso.
Outra maneira de enunciar o mesmo processo é dizer que a informação – favorecida pela comunicação – é necessária para tomar decisões econômicas. A economia, por sua vez, está a serviço da política e a política deveria perseguir o bem da sociedade, norteada por princípios ou valores éticos. Este ponto de partida descansa na idéia de que a ação humana é intencional e as pessoas se dirigem a determinados fins quando atuam.
O triste atentado terrorista ao coração de Nova York, no ano passado, é um exemplo claro desse ponto de vista. Embora condenável sob todos os pontos de vista, a motivação dos terroristas suicidas provinha de valores compartilhados. Apesar de os valores que motivaram suas ações serem totalmente condenáveis, nem por isso deixam de ser valores.
Nas entrelinhas da Carta da América, divulgada em fevereiro de 2002 pelo Institute for American Values e assinada por 60 intelectuais americanos, dentre eles Samuel Huntington e Francis Fukuyama, condenando todos os radicalismos e extremismos que matam em nome da fé, suprimem a liberdade das consciências, desrespeitam a liberdade humana e ferem a dignidade da pessoa humana, encontram-se valores que vão muito além dos interesses comerciais ou econômicos.
II. Revolução nas comunicações
O relacionamento humano, assim como o relacionamento comercial ou entre países está baseado na comunicação. É preciso comunicar-se para estabelecer elos que permitam a integração. A língua e a linguagem são os meios que facilitam essa comunicação. Nas últimas décadas, a integração econômica mundial foi impulsionada pela revolução das comunicações que, por sua vez, foi favorecida pelos avanços na tecnologia.
Os avanços tecnológicos na área da informática e das comunicações, tais como o microcomputador, os satélites, a fibra ótica, a Internet, multiplicaram as possibilidades e oportunidades de negócios a um custo cada vez menor. O deus Hermes, na mitologia grega, filho de Zeus e de Maia, é o deus do comércio por sua versatilidade, decisão, astúcia e rapidez de comunicação. Era o mensageiro de Zeus. As sandálias aladas e asas no chapéu, com que é representado, emprestavam ao deus a velocidade e mobilidade necessárias ao exercício da atividade comercial.
Comunicar-se é o primeiro passo no mundo dos negócios. Consideremos, por exemplo, o preço das comunicações. Em 1930, o custo de uma chamada telefônica de três minutos entre Nova York e Londres (a preços constantes) era 245 dólares. Quarenta anos depois, em 1970, o custo era quase um décimo, 32 dólares. Decorridos vinte anos, em 1990, o custo foi novamente dividido por dez, 3 dólares (UNDP, 1999).
O avanço das comunicações na década de 90 foi surpreendente, como mostram os indicadores de comunicação global divulgados pela International Telecommunication Unit (ITU). De 1990 a 2000, a receita do mercado de telecomunicações mais do que duplicou, passando de 508 bilhões para 1,16 trilhão de dólares (a preços correntes).
Os principais responsáveis pelo aumento das receitas no mundo das comunicações são os telefones celulares, os microcomputadores e a internet. De acordo com o relatório da ITU, o número de usuários de telefones celulares passou de 11 milhões, em 1990, para 650 milhões, em 2000, e estimava-se que esse número alcançaria 1 bilhão em 2002.
Na década de 90, de acordo com o mesmo relatório, quadruplicou o uso de computadores pessoais e duplicou o número de linhas telefônicas fixas. Em 1990, a ITU calculava que havia 2,6 milhões de usuários dos serviços de Internet no mundo. No ano de 1999 seriam 230, em 2000, 311 e, para 2002, a projeção era de 500 milhões, um número próximo a 10% da população mundial.
Esse crescimento vertiginoso das comunicações, entretanto, não está ocorrendo de um modo simétrico no mundo como um todo. O mercado da indústria de tecnologia está concentrado nos países industrializados. De acordo com o European Information Technology Observatory (1998), Europa (30%), Estados Unidos (35%) e Japão (14%), concentram 79% do mercado mundial das tecnologias de comunicação e informação. Ao resto do mundo correspondem apenas 21% do mercado.
Os dados estatísticos do World Communication and Information Report de 2000, divulgados pela Unesco, confirmam essa tendência mundial. Enquanto serviços tradicionais de comunicação, tais como cartas postadas no correio, têm declinado nos últimos anos, as novas tecnologias alavancam o desenvolvimento das comunicações. O número de cartas per capita postadas nos correios, por exemplo, que em 1985 era 75, declinou para 69 em 1995, conforme dados da Universal Postal Union (Unesco, 2000, p.150).
Com relação à imprensa diária, um veículo também tradicional de informação, o número de jornais diários publicados entre 1980 e 1995 permaneceu constante. De acordo com a Unesco (Statistical Yearbook, 1998), verificou-se um pequeno declínio na América do Norte e um pequeno aumento na Europa. No resto do mundo não houve nenhuma alteração substancial. A circulação diária de jornais por 1.000 habitantes manteve-se constante nos anos 90, também em escala mundial.
O uso da Internet, entretanto, cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Se consideramos o número de provedores como variável para avaliar a expansão da rede mundial de microcomputadores ligados na internet, em apenas três anos, de 1995 a 1998, o número de provedores passou de cinco para 30 milhões, no mundo inteiro, ou seja, foi multiplicado por seis (Unesco, 2000, p.157).
Essa evolução, entretanto, precisa ser qualificada. O relatório do Desenvolvimento Humano de 1999, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento divulgou dados que mostram que os países que se encontram no topo da pirâmide da riqueza mundial – os 20% mais ricos - concentram 93,3% dos usuários da internet.
De acordo com o mesmo relatório: “nos últimos anos da década de 90, o quinto da população mundial que vive nos países de renda mais elevada tinha (...) 74% das linhas telefônicas mundiais, meios básicos de comunicação atuais, enquanto que o quinto de menor renda possuía apenas 1,5% das linhas. Alguns observadores previram uma tendência convergente. No entanto, a década passada mostrou uma crescente concentração de renda, recursos e riqueza entre pessoas, empresas e países” (PNUD, 1999, p.5).
O avanço nas comunicações está relacionado com a globalização econômica à medida que a revolução na informação está abrindo novos espaços e perspectivas econômicas em todos os níveis, tanto para os países, quanto para as empresas e para as pessoas. Representa um avanço real e significativo para o futuro mundial, embora não esteja isento de perigos e desafios. O ideal de um mercado com informação perfeita e instantânea está deixando o status de utopia dos livros-texto de economia para tornar-se uma possibilidade real graças ao baixo custo e rapidez da informação, principalmente pelo uso da Internet.
A conclusão é clara: a revolução nas comunicações transformou a atividade econômica nos últimos vinte anos e – muito embora a sua distribuição tenha sido assimétrica - favoreceu a integração entre países e o processo de globalização.
III. Globalização econômica
A globalização econômica é uma faca de dois gumes. De um lado, descortina novos horizontes para a economia mundial, de outro, entretanto, pode abrir o fosso que separa pessoas e países, aumentando o abismo entre os beneficiados com o processo e os desfavorecidos da fortuna. Há um claro divisor de águas entre aqueles que defendem os aspectos positivos da integração econômica e aqueles que somente vêem as mazelas do processo, que são conseqüência, mesmo que por vezes involuntária, da integração econômica mundial.
Um estudo dessas questões, que procure ser objetivo, necessita olhar tanto para as vantagens quanto para os inconvenientes da globalização econômica à luz de dois aspectos: os dados compilados sobre a economia mundial e, principalmente, os valores e princípios que deveriam nortear esse processo.
Para muitos países, a divisão internacional do trabalho e a teoria das vantagens comparativas do comércio internacional estão alterando significativamente as relações comerciais entre eles. Em 2000, o volume de comércio mundial cresceu 12%. A taxa média de crescimento do comércio mundial nos anos 90 foi de 7% ao ano. Em 2001, por causa dos atentados terroristas contra os Estados Unidos, o comércio internacional estagnou. Essa reversão foi encarada por vários autores como um fim da era da globalização, porém ainda é cedo para emitir diagnósticos definitivos.
Para as empresas, a globalização abriu novas fontes de tecnologia, financiamento, trabalho e difusão dos seus produtos e serviços. Ao mesmo tempo, a globalização acelerou o processo de fusão e incorporação de empresas. Observa-se uma concentração do capital e uma expansão das empresas multinacionais. Novas marcas mundiais, com know-how e tecnologia próprias avançam na maioria dos países. Tanto na indústria automobilística quanto no setor bancário ou nos supermercados, para não citar o caso da indústria da informática, verifica-se uma concentração do capital.
Também para as pessoas a globalização abre novas perspectivas e modalidades de trabalho. Muitas tarefas podem ser realizadas, graças à internet, fora do local habitual de trabalho. A globalização, entretanto, também ameaça muitas ocupações que, em função do avanço das comunicações, não são mais necessárias. O estudo desses aspectos é extremamente vasto e interessante, porém foge ao propósito do presente estudo, que pretende concentrar-se na análise econômica.
Restringindo a globalização ao âmbito da economia durante o século XX, é importante distinguir dois períodos: do início do século até 1980 e nas duas últimas décadas. É dos anos 80 em diante que ganha força a globalização econômica.
Crescimento econômico do início do século XX até 1980
O século XX, apesar das duas guerras mundiais e da grande depressão dos anos 30, foi um século de crescimento econômico, principalmente após a Segunda Guerra. A crise do petróleo de 1973 brecou, porém não interrompeu o crescimento econômico mundial. De acordo com o relatório do Banco Mundial de 1999, de 1975 a 1995 a taxa média de crescimento do Produto Nacional Bruto mundial foi 2,8% ao ano. Em termos per capita essa taxa foi 1,1%.
O crescimento econômico favoreceu os pobres, porém não solucionou o problema da pobreza no mundo. Com base em dados de 80 países ao longo de quatro décadas, um estudo desenvolvido por Dollar e Kraay concluiu que “o relacionamento entre o crescimento da renda dos pobres e o crescimento da renda geral é um para um” (2000, p. 27). Ou seja, a renda dos pobres aumentou na mesma proporção em que a renda em geral .
Se ao longo do século passado o crescimento econômico foi uma tendência generalizada, a riqueza gerada não se distribuiu simetricamente. De acordo com o relatório do Desenvolvimento Humano (1999), publicado pelas Nações Unidas, 20% dos países mais ricos detêm 86% do PIB mundial, enquanto que os 20% mais pobres participam apenas com 1% da produção mundial.
Em relação às diferenças de renda entre países, estudo desenvolvido por Nicholas Crafts sobre o crescimento econômico no século XX conclui que houve um “generalizado e sem precedentes distanciamento em termos de nível de renda e desempenho entre países, e especialmente entre a OCDE e muitos países em desenvolvimento, tanto na primeira quanto na segunda metade do século XX” (2000, p. 4).
Independentemente dessa observação, a análise do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ao longo do século passado mostra que houve avanços significativos, fundamentalmente por causa da redução generalizada da mortalidade. O estudo histórico da evolução da renda nacional subestima o crescimento nos padrões de vida.
Globalização econômica de 1980 em diante: crescimento, pobreza e distribuição de renda
Para avaliar como a globalização afetou o crescimento econômico, a pobreza e a distribuição de renda, Dollar e Kraay (2001) reuniram dados de um grupo de mais de cem países. Eles foram divididos em três grupos: países ricos, países inseridos no processo de globalização (“globalizers”), e países não inseridos na globalização (“non-globalizers”). O critério para diferenciar os países inseridos na globalização do resto dos países em desenvolvimento, de 1980 em diante, foi fixado em função de duas variáveis: cortes de tarifas e aumento do volume de comércio exterior.
Os países inseridos na globalização tiveram mudanças significativas no volume de comércio exterior em relação ao Produto Interno Bruto, passando de 16% para 32% nos últimos vinte anos. Como elemento de comparação, nos países ricos esse aumento foi de 29% para 50%. Ao mesmo tempo os países inseridos na globalização reduziram as suas tarifas em 22 pontos percentuais (de 57% para 35%). Os países inseridos na globalização representam metade da população mundial, ou seja, mais de três bilhões de pessoas. Dentre eles se encontram China, Índia, Brasil, México e Argentina.
As conclusões do estudo mostram que “enquanto as taxas de crescimento dos países ricos declinaram nas décadas passadas, as taxas de crescimento dos ´globalizers´ tem seguido o caminho inverso, acelerando-se dos anos 70 para os 80 e 90. O resto do mundo em desenvolvimento, por outro lado, seguiu o mesmo caminho que os países ricos: desaceleração do crescimento dos anos 70 para os 80 e 90. Nos anos 90 os países inseridos na globalização tiveram um crescimento per capita de 5% ao ano; os países ricos cresceram a 2,2% per capita e os países não inseridos cresceram apenas 1,4% (Dollar e Kraay, 2001, p. 27). Ou seja, a distância entre países ricos e em desenvolvimento declinou nas duas últimas décadas em relação aos países inseridos na globalização e aumentou para aqueles países não inseridos no processo.
O estudo sugere também que a taxa de inflação dos países com maior abertura para o exterior declinou nas últimas décadas.
Dos anos 80 para os anos 90, a inflação média desses países passou de 24% ao ano para 12%. A estabilização monetária deverá contribuir para que a renda dos pobres cresça em torno de 0,4%. Em função desses resultados, os autores do estudo comentam: “podemos esperar que uma maior abertura deverá melhorar a vida material dos pobres. Também sabemos que no curto prazo haverá alguns perdedores entre os pobres e que a efetiva proteção social pode facilitar a transição para uma economia mais aberta, de tal maneira que todos os pobres se beneficiem com o desenvolvimento” (Dollar e Kraay, 2001, p.6).
A globalização econômica – aumento de comércio exterior e redução de tarifas – favorece o crescimento e a diminuição da pobreza. O grande desafio da globalização, entretanto, continua a ser a distribuição de renda entre países e entre pessoas: “países que reduziram a inflação e expandiram o comércio e viram acelerar suas taxas de crescimento nos últimos 20 anos não tiveram mudanças significativas na distribuição de renda” (Dollar e Kraay, 2001, p. 5).
Analisando o índice de Gini de 23 países em desenvolvimento inseridos no processo de globalização, em 11 deles a distribuição de renda melhorou enquanto que em 12 esse índice foi pior, dentre eles na China. Assim, em função das evidências empíricas disponíveis não é possível concluir que a globalização tenha contribuído para uma melhor distribuição de renda.
O Banco Mundial também tem procurado evidências empíricas do impacto da globalização sobre o crescimento econômico e a pobreza, como mostra relatório de pesquisa sobre o tema, publicado em 2002. A partir do diagnóstico da aceleração da integração mundial nas últimas décadas, enfatiza a divisão econômica do mundo em três esferas: os países ricos, que representam um sexto da população mundial e detém a maior parte da riqueza do mundo, os países em desenvolvimento abertos à globalização, com metade da população mundial – três bilhões de pessoas – e com elevadas taxas de crescimento da renda nos últimos anos e, por último, um grupo de países que está à margem da globalização e da riqueza em que vivem dois bilhões de pessoas, isto é, um terço da população mundial.
Este último grupo de países representa um desafio para o futuro econômico e político mundial. Na avaliação do Banco Mundial, os países mais pobres, assim como os países em desenvolvimento de modo geral, têm enfrentado diversas dificuldades para crescer e competir com os países mais ricos. A primeira delas é o protecionismo desses países: “as tarifas dos países ricos são baixas, mas eles mantêm barreiras exatamente nas áreas em que os países em desenvolvimento têm vantagens comparativas: agricultura e manufaturas intensivas em trabalho”. (World Bank, 2002, p.9).
Um segundo desafio são as restrições para o investimento externo: “enquanto fluxos de capital privado para países novos em termos de globalização têm crescido dramaticamente, os países menos globalizados têm experimentado com freqüência fugas de capital – desde 1990 perto de 40% da riqueza privada da África foi enviada para fora do continente” (idem, p. 10).
A migração representa a terceira dificuldade. Se, de um lado, as pressões econômicas para a migração aumentam, do outro, a migração legal é altamente restritiva: “Em comparação com cem anos atrás, o mundo é muito menos globalizado no que se refere a fluxos de mercado de trabalho. O número de migrantes residindo em países diferentes da sua nacionalidade representa apenas 2% da população mundial” (idem, p.11).
Além desses desafios, específicos dos países mais pobres, a abertura econômica promovida pela globalização aumentou a competição entre as empresas, valorizando o fator educacional, as habilidades técnicas dos trabalhadores e a experiência profissional. Ou seja, o fator capital humano, adquiriu maior importância com a globalização. Ao mesmo tempo, prejudicou o trabalhador de mais idade, ao enfrentar maiores dificuldades para adaptar-se às novas tecnologias e aprender novos ofícios.
Em função desse diagnóstico, “a combinação de abertura com uma força de trabalho bem treinada e educada, produz especialmente bons resultados para a redução da pobreza e o bem-estar humano. Portanto, um bom sistema educacional que providencie oportunidades para todos é crítico para o sucesso neste mundo globalizado” (idem, p. 14).
Também a partir dessa avaliação, o Banco Mundial propõe uma agenda para ação que permita que os países mais pobres se beneficiem da globalização nas seguintes áreas-chave:s 1) participação do mercado global em expansão, favorecido por uma redução das barreiras comerciais e uma nova rodada de negociações comerciais; 2) melhorar o clima de investimento nos países em desenvolvimento; 3) aperfeiçoar os serviços de educação e saúde; 4) providenciar proteção social adequada a um mercado de trabalho dinâmico em uma economia aberta; 5) maior volume de ajuda externa; 6) perdão das dívidas, especialmente para os países africanos; 7) preocupação com o meio ambiente: aquecimento global e emissão de gases.
As propostas do Banco Mundial são importantes e relevantes. Não há dúvida de que contribuiriam para elevar a renda e os padrões de vida mundiais, principalmente nos países mais pobres, ou seja, para um terço da população mundial. A questão, entretanto, é como colocar em prática essa agenda para a ação. A componente fundamental é política e não econômica.
Resumindo, a análise comparativa da evolução econômica mundial ao longo do século vinte e nas duas últimas décadas mostra resultados interessantes. O século XX foi um século de crescimento econômico. Esse crescimento, embora não tenha solucionado o problema da pobreza no mundo, que continua a desafiar o mundo moderno, favoreceu os pobres. O crescimento econômico, por outro lado, não teve uma distribuição eqüitativa entre os países e, em muitos casos, a distância entre países ricos e pobres aumentou.
Esta conclusão geral que deriva da evidência empírica observado no século XX assume características diferentes com o advento do fenômeno da globalização, nos anos 80. O balanço das evidências empíricas sobre como a globalização afetou o mundo nas últimas duas décadas torna-se mais claro quando se distinguem três grupos de países: países ricos, países em desenvolvimento inseridos na globalização e países em desenvolvimento não integrados no processo de globalização. Tanto o primeiro – países ricos – quanto o segundo grupo se beneficiou com a maior integração econômica, tanto em termos de crescimento quanto de redução da pobreza. O crescimento econômico do segundo grupo foi inclusive superior ao primeiro. Entretanto, no último grupo, que corresponde a países pobres não integrados na globalização, as suas taxas de crescimento econômico foram as menores, o que provocou um aumento da distância entre eles e o resto do mundo. Ao considerar que nesses países reside um terço da população mundial o desafio econômico é significativo e urgente. A distribuição de renda, com base no índice de Gini, não parece ter melhorado com a globalização em nenhum desses grupos de países.
As soluções para modificar as sombras desse quadro mundial passam pela política. Decisões como perdão da dívida, ajuda e financiamento externo, redução de barreiras não tarifárias, e muitas outras, implicam decisões políticas. Tal como aponta o relatório do Banco Mundial, “a redução do custo das comunicações, informação e transporte que contribuiu para a globalização não deverá ser revertida, mas a redução do comércio e as barreiras ao investimento podem ser revertidas pelo protecionismo e nacionalismo, como aconteceu nos anos 30. Protecionismo e nacionalismo poderão provocar uma reação profundamente prejudicial para as oportunidades criadas pela globalização” (World Bank, 2002, p.22).
Embora a face mais visível da globalização seja econômica, o processo como um todo não deve estar subordinado aos interesses exclusivamente econômicos, mas, antes de tudo, aos valores humanos. A globalização deve estar a serviço da humanidade e não a humanidade a serviço da globalização. Os interesses econômicos devem estar subordinados à ética e não os valores éticos à globalização.
É por essa razão que as Nações Unidas dedicaram o Relatório Mundial de 1999 ao tema: Globalização com uma face humana. O primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano, de 1990, afirmava: “A verdadeira riqueza de uma nação é o seu povo. E o objetivo do desenvolvimento é a criação de um ambiente que permita às pessoas desfrutarem de uma vida longa, saudável e criativa. Esta simples verdade é muitas vezes esquecida quando se persegue a riqueza material e financeira” (apud PNUD, 1999, p.4).
A questão fundamental envolvida na globalização diz respeito, portanto, aos valores que presidem o processo. Quando os interesses econômicos são privilegiados em detrimento dos valores humanos, éticos, surge a face perversa da globalização. É nessa direção que aponta o Relatório das Nações Unidas quando afirma que “a crescente interdependência da vida das pessoas apela para valores e compromissos compartilhados em prol do desenvolvimento humano de todos os povos” (PNUD, 1999, p.4).
Antes, porém, de analisar os valores, é importante tratar da globalização em termos de política internacional.
IV. Globalização política
Se a integração nas comunicações impulsionada pelo avanço tecnológico é um fato incontestado e a globalização econômica alcançou dois terços da população mundial nos últimos vinte anos, a globalização política está distante de ser uma realidade concreta e prática na vida dos países.
Com a queda do Muro de Berlim e o fim da Guerra Fria, a livre iniciativa e o sistema de mercado se espalharam pelos países da antiga Cortina de Ferro e pelo Extremo Oriente. A onda de liberalização econômica, entretanto, não teve o mesmo impacto na arena política. As fronteiras e a soberania nacional não se alteraram e o Estado-nação continua a prevalecer no âmbito das relações internacionais.
A questão de como a globalização está afetando e afetará a soberania nacional e a delimitação das fronteiras políticas dos países é polêmica. De um lado, há analistas que prevêem uma diminuição e enfraquecimento do Estado-nação, enquanto que, do outro lado, há aqueles que olham com desconfiança e ceticismo para a globalização política.
Este tema já estava presente nas primeiras décadas do século XX. E. H. Carr (1939), analisando as relações internacionais no período entre guerras, descrevia a interdependência mundial com base na explicação oferecida por duas correntes de pensamento opostas: utópica e realista.
O ponto de vista utópico descrevia um mundo ideal. O paradigma utópico privilegiava o direito internacional, o cumprimento das obrigações internacionais e via a paz como fruto da harmonia e do interesse mútuos dos países. A razão humana aplicada às relações internacionais conduziria à paz entre os países.
Do outro lado, o pondo de vista realista estava baseado na idéia de poder. O ideal utópico, que ignorava a política de balanço do poder entre Estados, não corresponderia a uma percepção correta da realidade internacional. A partir de uma visão pessimista da natureza humana, o realismo analisa a política como confronto de interesses em função do poder. O conceito-chave é o de Estado-nação, que representa o elemento básico das relações internacionais e, na luta pelo poder, a moralidade deve estar subordinada aos interesses políticos.
Para o ponto de vista neo-realista atual, a globalização política não passa de uma utopia. As fronteiras políticas e o poder do Estado-nação dominam e devem continuar a dominar o cenário mundial. O debate utópico-realista não teve continuidade ao longo das últimas décadas, mas a chama das divergências em torno da globalização política continua acesa. David e Held e Anthony McGrew (2001), por exemplo, resumem o debate acadêmico a favor e contra a globalização como a confronto entre duas visões: de um lado, a perspectiva dos céticos e, do outro, a dos assim denominados pelos autores como globalistas.
Os céticos olham com desconfiança para a globalização enfatizando o predomínio do Estado nacional e do poder: “freqüentemente associado a essa postura cética está um sólido apego a uma ontologia essencialmente marxista ou realista”. (Held e McGrew, 2002, p. 16). A ordem internacional - sob a égide cética -, ao estar associada à atuação das nações econômica e militarmente mais poderosas, dependeria das políticas e preferências das grandes potências.
Os globalistas, por sua vez, salientam que, no novo cenário internacional, o conceito de soberania, autonomia e legitimidade do Estado está perdendo força. O Estado-nação está declinando em áreas do multilateralismo entre países: “três aspectos tendem a ser identificados na literatura globalista: a transformação dos padrões dominantes da organização sócio-econômica, a do principio territorial e a do poder. Ao fazer desaparecer as limitações do espaço e do tempo nos padrões de interação social, a globalização cria a possibilidade de novas formas de organização social transnacional” (Held e McGrew, 2002, p. 21).
O debate deverá continuar nas próximas décadas. A realidade mundial, entretanto, seguirá o seu curso, obrigando a repensar os conceitos teóricos e a reformular as teorias das relações internacionais, como de fato está ocorrendo desde o tristemente famoso 11 de setembro de 2001.
O cenário atual, independentemente do que venha a ocorrer em um futuro mais ou menos próximo, é de um mundo construído com base em Estados-nações. Tal como comentava Fernando Henrique Cardoso, por ocasião da sua visita à Rússia em janeiro de 2002, “a economia está globalizada, mas a política não” (O Estado de S.Paulo, 16/1/2002, p.A3).
A mesma opinião manifestou George Kennan, experiente diplomata americano ao ser indagado pela revista Veja (10/12/97) sobre o que significava globalização: “Para mim nada. No sentido comercial e financeiro hoje há comunicações mais eficientes entre países do que em outros tempos. No campo político, ainda estamos longe disso. Graças a Deus! É uma boa política temer qualquer tipo de arranjo que se pretenda global. Sou a favor dos arranjos regionais, porque são os que realmente funcionam. Portanto, não vejo nada de novo que justifique o uso e abuso de palavras pomposas para descrever a presente situação internacional”.
Um último comentário de Joseph Nye, diretor da Kennedy School of Government, de Harvard, escrevendo a respeito do poderio americano no novo século, confirma os pontos de vista citados anteriormente: “A revolução na informação, a mudança tecnológica e a globalização não deverão substituir o Estado-nação, porém deverão contribuir para complicar os atores e questões no mundo político” (The Economist, 23/3/2002, p. 25).
Conclui-se, portanto, que a globalização política, em termos práticos, ainda não passa de um projeto não realizado. O Estado-nação continua a ser o elemento-chave do relacionamento internacional.
V. Globalização e Ética
A análise da globalização conduz-nos, finalmente, ao tema crucial da globalização: os valores que presidem o relacionamento internacional neste início de século e de milênio. O atentado ao World Trade Center surpreendeu o mundo. Após a fase inicial de estupor e revolta diante da tragédia, o desastre começou a ser esclarecido. Ao compasso das investigações sobre a ação terrorista, surgiram as tentativas de explicação e a ética nas relações internacionais tornou-se o tema do momento.
Inicialmente ganhou força a tese do choque das civilizações enunciado por Samuel Huntington (1997). O futuro das relações internacionais estaria associado ao fator cultural. As culturas que impregnam as diversas civilizações entrariam em conflito em uma conjuntura de integração mundial. A globalização, de acordo com Huntington, contribuiu para esse cenário e tem a sua parte de responsabilidade: “a globalização incentiva e permite que gente como Bin Laden trame seus ataques ao centro de Manhattan, enquanto está em uma gruta do Afeganistão pobre”. (O Estado de S.Paulo, 28/10/2001, p. A23). O ataque terrorista, na opinião de Huntington, restituiu ao Ocidente sua identidade comum.
A interpretação dos ataques aos Estados Unidos levantou a questão de quais são os valores que presidem as diversas civilizações como elementos subjacentes à explicação dos acontecimentos e da história. É preciso esclarecer, entretanto, que o responsável pela tragédia não foi o mundo islâmico, mas apenas um grupo radical que não representa adequadamente o Islã. Como apontou Henry Kissinger, “a América e seus aliados precisam tomar cuidado para não apresentar esta nova política como choque de civilizações entre o Ocidente e o Islã. A batalha é contra uma minoria radical que macula os aspectos humanos manifestados pelo islamismo em seus períodos grandiosos”. (Folha de S.Paulo, 20/11/2001, Especial, p.6)
O episódio das Torres Gêmeas, entretanto, alertou o mundo quanto à importância dos valores que presidem as culturas e civilizações. Ou seja, a ética nas comunicações, na economia, na política e na cultura é o elemento-chave para o futuro do mundo. Este é o fator fundamental que deve ser analisado na globalização.
Antes de avançar nesse estudo é necessário indagar: há uma única ética correta, aplicável a uma determinada situação, ou a ética é passível de interpretação diversa em função de fatores circunstanciais? Mais: há valores universais, que se aplicam a todos os povos de todos os tempos, ou os valores éticos são relativos?
O mundo presente vive mergulhado no relativismo ético. Sob a égide do relativismo, a ética torna-se subjetiva sendo impossível chegar a qualquer conclusão objetiva e permanente. Esse é o grande dilema e limitação do mundo moderno: a ética esqueceu as suas origens como estudo filosófico, na Grécia clássica, sob a poderosa luz da inteligência de Sócrates.
Nas relações internacionais, por exemplo, o dualismo ético foi formulado por Max Weber ao distinguir entre uma ética da convicção e uma ética da responsabilidade: “toda a atividade orientada segundo a ética pode ser subordinada a duas máximas inteiramente diversas e irredutivelmente opostas. Pode orientar-se segunda a ética da responsabilidade ou segundo a ética da convicção” (Weber, 1968, p. 113). O partidário da ética da convicção deve velar pela doutrina pura. Seus atos “visam apenas àquele fim: estimular perpetuamente a chama da própria convicção” (idem, p. 114). A ética da responsabilidade, por sua vez, tem como guia as previsíveis conseqüências dos atos: “o partidário da ética da responsabilidade, ao contrário, contará com as fraquezas comuns do homem [...] e entenderá que não pode lançar a ombros alheios as conseqüências previsíveis da sua própria ação” (idem, pp. 113-14).
Sob este ponto de vista, Weber afirma que os meios podem justificar os fins: “para alcançar fins ‘bons’, vemo-nos com freqüência, compelidos a recorrer, de uma parte, a meios desonestos ou, pelo menos, perigosos, e compelidos, de outra parte, a contar com a possibilidade e mesmo a eventualidade de conseqüências desagradáveis” (idem, p.114). A diferença entre essas duas éticas, tal como resume Dahrendorf, consiste em que “a primeira abraça valores absolutos; é a moralidade dos santos. A segunda reconhece a complexidade das relações meios-fins; é a ética dos políticos” (1997, p. 86).
É possível conviver com as duas éticas? Tanto para Weber, quanto para muitos políticos e teóricos das relações internacionais, sim. Para Dahrendorf, não, e explica: “a insistência na qualidade absoluta de determinados valores fundamentais foi, creio eu, a razão de ser da tese que apresentei em Homo Sociologicus. Nunca confie na autoridade, pois é possível usá-la de forma horrivelmente abusiva. É certo que há condições – e as vimos prevalecer em tantos países, durante este século – nas quais a ‘ética da convicção’ é a única moralidade válida” (1997, p. 87).
É somente a partir de uma ética da convicção que a análise dos valores nas relações internacionais e, portanto, na presente conjuntura de globalização por que atravessa o mundo, pode ser frutífera. E precisamente a ética que presidiu o pensamento de Sócrates, Platão e Aristóteles, na Grécia clássica.
A partir do momento em que há um reconhecimento de que a ética não é relativa, é possível analisar quais os valores que devem estar presentes nos diversos aspectos da globalização. Estudar os valores presentes na globalização é analisar as motivações humanas. Muitas respostas foram dadas a esta questão, porém a proposta de Aristóteles na sua obra Ética a Nicômaco, permanece atual e importante. Para Aristóteles as pessoas atuam procurando um bem, sendo que o bem mais importante é a felicidade.
É possível estabelecer uma ponte entre os valores da globalização e a obra de Aristóteles. Reconhecendo que há diversas opiniões sobre a felicidade,
Aristóteles afirma que alguns colocam a felicidade no prazer, ou na riqueza, ou em outras coisas. A maioria das pessoas coloca a felicidade na riqueza e no prazer, porém, de acordo com o filósofo, nesse objetivo não reside a felicidade. Espíritos mais refinados põem a felicidade na glória, porém também não é nas honras que reside a felicidade. A felicidade se encontra na virtude. É na virtude que reside o fim do homem.
Para quem coloca a felicidade na riqueza, a globalização econômica pode ser uma fonte de oportunidades. Para Aristóteles, a riqueza é um bem exterior necessário como um meio, pois é impossível fazer o bem quando faltam recursos, porém não deixa de ser um meio e não um fim da vida humana.
A glória da vida pública está associada ao poder político. Também não é o fim da vida humana, de acordo com Aristóteles. A virtude é o verdadeiro fim do homem. É por essa razão que Aristóteles dedica a sua ética ao estudo da virtude. Como definir e alcançar as virtudes, como meio para uma vida feliz. No processo de globalização, os fatores econômicos e políticos são importantes como meios para que as pessoas possam praticar as virtudes. A virtude que destaca nesse processo é a justiça. E a esta virtude é que o filósofo grego dedica o livro V da sua obra.
A justiça deveria presidir a evolução da globalização como um valor universalmente presente no processo. O reconhecimento do valor universal da justiça como virtude para todos e a ser praticada por todos seria um bom começo para o futuro dos âmbitos econômico e político. Entretanto, a prática da justiça pura e simples não conduziria a eliminar o fosso existente entre países ou a superar as limitações e dificuldades econômicas de países ou pessoas que carecem dos mínimos meios para a própria subsistência. É nesse ponto que entra um novo valor, não econômico, para amenizar e corrigir as distorções ou assimetrias promovidas pela globalização: a solidariedade.
A solidariedade não se impõe. É um valor humano que vem de dentro. Somente a solidariedade pode ajudar a mudar o que a simples justiça não pode alterar. Nas últimas décadas, pari passu com a globalização, tem aumentado o número de organizações de voluntários, ONGs, instituições religiosas e entidades diversas que têm contribuído para sarar as feridas abertas da desigualdade, porém ainda um sexto da população mundial vive em países muito pobres. Há muito a ser feito e somente a partir dos valores é possível corrigir aquilo que a política e a economia, no novo mundo a caminho de uma maior integração, não conseguem solucionar de um modo satisfatório.
São, portanto, os valores presentes nas civilizações os verdadeiros responsáveis pelo destino do futuro mundial nas próximas décadas e séculos. Se a justiça e a solidariedade prevalecerem sobre a riqueza e o poder, ainda há esperança para o nosso futuro comum.
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