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Por:   •  15/9/2014  •  Tese  •  5.843 Palavras (24 Páginas)  •  197 Visualizações

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Abaixo a malícia: só quem confia vence

Entrevista com ALAIN PEYREFITTE

por OLAVO DE CARVALHO - Versão completa

NB - Esta entrevista saiu na revista República de julho de 1998, mas um tanto cortada para caber no espaço disponível. Por isto resolvi reproduzir aqui, por extenso, os ensinamentos que recebi, em Paris, de um dos homens mais inteligentes do mundo.

"Não existe mais que uma e uma só fórmula

para fazer de um homem um homem autêntico:

a fórmula que prescreve a ausência de toda fórmula.

Nossos ancestrais tinham uma bela palavra,

que resumia tudo: a confiança."

Franz ROSENZWEIG

[Introdução]

A proverbial afeição dos franceses às revoluções e golpes de estado não impediu que, desse povo tão mal acomodado na ordem democrática nascessem, talvez em compensação, algumas das inteligências mais aptas a captar a essência da democracia e a diagnosticar os perigos que a ameaçam. O que não é de estranhar é que tais homens fossem tão pouco profetas em sua própria terra.

Dentre esses pregadores no deserto, o mais conhecido é Alexis de Tocqueville, o primeiro a observar, no seio da própria democracia americana nascente, a contradição até hoje irresolvida - e cada vez mais aguçada - entre igualdade e liberdade. Logo abaixo dele vem Frédéric Bastiat, pioneiro no diagnóstico da natureza voraz e tirânica do Estado moderno. Menos falado, porém altamente respeitado de quem o conhece, é Bertrand de Jouvenel, inteligência implacavelmente realista que destruiu o mito das liberdades crescentes, pondo em seu lugar a demonstração do crescimento ilimitado do poder, da distância cada vez maior entre governantes e governados.

Esses três pensadores têm em comum o pessimismo histórico, a apreensão de democratas sinceros que vêem a liberdade extinguir-se e, olhando em torno, não descobrem meios de defendê-la contra a marcha avassaladora do poder.

Mas este que vou lhes apresentar agora, se compartilha com eles o temor ante os perigos, destaca-se, surpreendentemente, pelo otimismo com que enxerga o futuro. Alain Peyrefitte não é, no entanto, nenhum sonhador. Basta ver os seus olhos para reparar que, por baixo do sorriso simpático, se esconde um observador temível, a quem só um tolo procuraria enganar.

O otimismo de Peyrefitte, além de bem contrabalançado por uma dose de ceticismo, é de um tipo diferente do habitual. Não se baseia somente na esperança, mas na simples constatação de um fato: a liberdade de decisão humana, que nenhum determinismo logrou jamais revogar, seja para instaurar em lugar dela a necessidade do mal, seja a fatalidade do bem crescente. Peyrefitte é otimista pela simples razão de que o pessimismo é uma ilusão deprimente baseada na presunção de já conhecermos o futuro. O futuro a Deus pertence, e Deus seria um verdadeiro idiota se criasse seres capazes de decisão sem deixar na mão deles ao menos uma parcela da responsabilidade por esse futuro. Peyrefitte é otimista porque entende que, ora mais, ora menos, é sempre possível agir. E quem vai provar que não?

Mas estou precipitando as conclusões. Devo dizer, primeiro, quem é Alain Peyrefitte. Membro da Academia Francesa, diplomata de carreira, estadista, historiador, cientista político, jornalista, foi colaborador, amigo e homem de confiança do general Charles de Gaulle por três décadas, deputado em todas as legislaturas da V República e várias vezes ministro: da Educação, da Justiça, do Interior, do Planejamento, da Cultura, da Pesquisa Científica. Preside hoje o conselho editorial do Figaro, ainda o mais poderoso diário francês. Seu pensamento social e político já foi objeto de muitas teses, artigos e congressos, inclusive no Institut de France, dos quais nenhuma notícia chegou a estas plagas.

O primeiro sinal de termos percebido a existência desse espírito extraordinário foi dado no ano passado pela Casa Jorge Editorial, que publicou O Império Imóvel ou O Choque dos Mundos, em tradução de Cylene Bittencourt. Mas, por fascinante que seja, esse relato da expedição de lorde McCartney à China em 1792, se tudo nos revela sobre o mal crônico de um Império paralisado pela suspeita de todos contra todos, não nos diz muito sobre sua própria ligação com as concepções mais gerais de seu autor sobre a natureza e o funcionamento da sociedade humana, das quais é a exemplificação fundada no estudo meticuloso de um caso particular. Por isso ou pela proverbial letargia que a acometeu desde há quatro décadas, a imprensa cultural nem sequer registrou a edição dessa obra-prima da ciência histórica, onde o rigor do método, em vez de ostentar-se na língua de chumbo do pedantismo universitário, se oculta elegantemente sob um estilo narrativo animado, pulsante e cinematográfico.

Coincidência ou não, o próprio autor não começou por expor suas concepções, mas por exemplificá-las num caso concreto, o do seu próprio país. Le Mal Français, publicado em 1976, tornou clássico o retrato da uma nação roída pela suspicácia, sempre em busca de um governo forte que a proteja de si mesma e de um líder golpista ou revolucionário que a proteja do governo forte. Les Chevaux du Lac Lagoda, em 1981, demonstrava as raízes ideológicas e culturais da criminalidade juvenil, que aqueles mesmos que as plantaram buscavam ocultar sob um discurso convencional contra o sistema econômico (já vimos esse filme, não vimos?). Nesses e em outros trabalhos, ora partindo do exemplo francês, ora do chinês (que conheceu de perto como chefe, em 1971, da primeira missão oficial do Ocidente ali admitida durante os anos da Revolução Cultural), Peyrefitte foi traçando o perfil histórico, sociológico, político e administrativo da "sociedade de desconfiança", o Leviatã paralisado pela malícia e por dúvidas paranóicas a respeito de si mesmo.

Foi só em 1995 que a teoria subjacente a essas análises apareceu com todas as letras, primeiro numa explosiva série de conferências no Collège de France, Du "Miracle" en Économie, e logo em seguida na obra magna, La Societé de Confiance, publicada pelas Éditions Odile Jacob e imediatamente celebrada como acontecimento de primeira grandeza por Pierre Chaunu, Alain Touraine, Jacques Le Goff, Raymond Boudon e muitos outros. (Alertado pelo

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