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Homem E Sociedade

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Por:   •  16/3/2015  •  3.231 Palavras (13 Páginas)  •  963 Visualizações

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A pré história da antropologia

A gênese da reflexão antropológica é contemporânea à descoberta do Novo Mundo. O Renascimento explora espaços até então desconhecidos e começa a elaborar discursos sobre os habitantes que povoam aqueles espaços. A grande questão que é então colocada, e que nasce desse primeiro confronto visual com a alteridade, é a seguinte: aqueles que acabaram de ser descobertos pertencem à humanidade? O critério essencial para saber se convém atribuir-lhes um estatuto humano é, nessa época, religioso: o selvagem tem uma alma? O pecado original também lhes diz respeito? Essas questões são capitais para os missionários, já que das respostas irá depender o fato de saber se é possível trazer-lhes a revelação. Notamos que no século XIV, a questão é colocada, não é de forma alguma solucionada. Ela será definitivamente resolvida apenas dois séculos mais tarde.

Nessa época é que começam a se esboçar as duas ideologias concorrentes, das quais uma consiste no simétrico invertido da outra: a recusa do estranho apreendido a partir de uma falta, e cujo corolário é a boa consciência que se tem sobre si e sua sociedade, e a fascinação pelo estranho, cujo corolário é a má consciência que se tem sobre si e sua sociedade.

Ora, os próprios termos dessa dupla posição estão colocados desde a metade do século XIV no debate, que se torna uma controvérsia publica, e que durará vários meses, opondo o dominicano Las Casas e o Jurista Sepúlveda.

A figura do mau selvagem e do bom civilizado

A extrema diversidade das sociedades humanas raramente apareceu aos homens como um fato, e sim como uma aberração exigindo justificação. A antiguidade grega designava sob o nome de bárbaro tudo o que não participava da helenidade, o Renascimento e os séculos XVII e XVIII falavam de naturais ou de selvagens, opondo assim a animalidade à humanidade. O termo primitivos é que triunfará no século XIX, enquanto optamos preferencialmente na época atual pelo de subdesenvolvidos.

Essa atitude, que consiste em expulsar da cultura, isto é, para a natureza, todos aqueles que não participam da faixa de humanidade à qual pertencemos e com a qual nos identificamos, é, como lembra Lévi-Strauss, a mais comum a toda a humanidade, e, em especial, a mais característica dos “selvagens”.

Entre os critérios utilizados a partir do século XIV pelos europeus para julgar se convém conferir aos índios um estatuto humano, citaremos:

• aparência física: eles estão nus ou “vestidos de peles de animais”;

• os comportamentos alimentares: eles “comem carne crua”, e é todo o imaginário do canibalismo que irá aqui se elaborar;

• a inteligência tal como pode ser aprendida a partir da linguagem: eles falam “ uma língua ininteligível”.

Assim, não acreditando em Deus, não tendo alma, não tendo acesso à linguagem, sendo assustadoramente feio e alimentando-se como um animal, o selvagem é apreendido nos modos de um bestiário. E esse discurso sobre a alteridade, que recorre constantemente à metáfora zoológica, abre o grande leque das ausências: sem mora, sem religião, sem lei, sem escrita, sem Estado, sem consciência, sem razão, sem objetivo, sem arte, sem passado, sem futuro. Cornelius de Pauw acrescentará até, no século XVIII: “sem barba”, “sem sobrancelhas”, “sem pelos”, “sem espirito”, “sem ardor para com sua femea”.

Dois textos irão deter nossa atenção, por nos parecerem muito reveladores desse pensamento que faz do selvagem o inverso do civilizado. São as Pesquisas sobre os americanos ou relatos interessantes para servir à história da espécie humana, de Cornelius de Pauw, publicado em 1774, e a famosa Introdução à filosofia da história, de Hegel.

1) De Pauw nos propõe suas reflexões sobre os índios da América do Norte. Sua convicção é a de que sobre estes últimos a influência da natureza é total, ou mais precisamente negativa. Se essa raça inferior não tem história e está para sempre condenada, por seu estado “degenerado”, a permanecer fora do movimento da História, a razão dever atribuída ao clima de uma extrema umidade:

“Deve existir, na organização dos americanos, uma causa qualquer que embrutece sua sensibilidade e seus espirito. A qualidade do clima, a grosseria de seus humores, o vício radical do sangue, a constituição de seu temperamento excessivamente fleumático podem ter diminuído o tom e o saracoteio dos nervos desses homens embrutecidos.”

2) Hegel expressa suas ideias em 1830, em sua Introdução à filosofia da história, nos expõe o horror que ele ressente frente ao estado da natureza, que é o desses povos que jamais ascenderão à história e à consciência de si. Na leitura dessa Introdução, a América do Sul parece mais estupida do que a do Norte. A Ásia aparentemente não está muito melhor. Mas é a África, e, em especial, a África profunda do interior, onde a civilização nessa época ainda não penetrou, que representa para o filosofo a forma mais nitidamente inferior entre todas nessa infra-humanidade.

“É o país do outro, fechado sobre si mesmo, o país da infância, que, além do dia e da história consciente, está envolto na cor negra da noite.”

A figura do bom selvagem e do mau civilizado

A figura de uma natureza má na qual vegeta um selvagem embrutecido é eminentemente suscetível de ser transformar em seu oposto: a da boa natureza dispensando suas benfeitorias à uma selvagem feliz. Os termos da atribuição permanecem, como veremos rigorosamente idênticos, da mesma forma que o par constituído pelo sujeito do discurso (o civilizado) e seu objeto (o natural). Mas efetua-se dessa vez a inversão daquilo que apreendido como um vazio que se torna um cheio (ou plenitude), daquilo que era apreendido como um menos que se torna um mais. O caráter privativo dessas sociedades sem escrita, sem tecnologia, sem economia, sem religião organizada, sem clero, sem sacerdotes, sem polícia, sem leis, sem Estado – acrescentar-se-á, no século XX, sem complexo de Édipo – não constitui uma desvantagem. O selvagem não é quem pensamos.

Evidentemente, essa representação concorrente (mas que consiste apenas em inverter a atribuição de significações e valores dentro de uma estrutura idêntica) permanece ainda bastante rígida na época na qual o Ocidente descobre povos ainda desconhecidos. A figura do bom selvagem só encontrará sua formulação mas sistemática e mais radical dois séculos após o Renascimento: no Rousseauísmo do século XVIII e, em seguida no Romantismo.

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