LER E COMPRENDER
Monografias: LER E COMPRENDER. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: bem1211 • 24/4/2014 • 3.081 Palavras (13 Páginas) • 207 Visualizações
De Jamel Handem - Bissau
I. FIM DA TRANSIÇÃO POLÍTICA
OS NOVOS DESAFIOS PARA A CONSTRUÇÃO DA PAZ E DA ESTABILIDADE
1. Problemas socio-políticos.
A Guiné-Bissau em 1998/99 esteve paralisada durante 11 meses por um conflito político-militar que provocou imensos danos materiais e humanos sobretudo a nível dos bairros periféricos da capital Bissau que se situavam mais próximos das linhas de frente que dividiam as duas forças beligerantes.
Assim, o saque e a destruição, o roubo de materiais e meios de trabalho, a destruição da maioria das casas de habitação, Sedes de ONG’s, de Empresas e de Instituições públicas e outras, a fuga da maioria dos quadros e população tiveram um impacto negativo e prolongado na reabilitação e normalização da vida política, social e económica do país.
As expectativas criadas com os progressos alcançados com o acordo de paz, a nomeação de um Governo de Unidade Nacional e a realização das eleições gerais em 1999/2000, transformaram-se rapidamente na decepção para a maioria dos guineenses que assistiam atónitos as violações dos direitos humanos, as perseguições e prisões arbitrárias de jornalistas, de órgãos de comunicação social, de políticos, de Juízes do Supremo Tribunal da Justiça, de cidadãos comuns e o desrespeito pela Constituição da República e o princípio de separação de poderes.
Os guineenses assistiram ainda perplexos a morte pelas mãos dos seus antigos companheiros do General Ansumane Mané, Chefe da Junta Militar que derrubou o General Nino Vieira. A partir deste momento todos compreenderam que a almejada paz, justiça, reconciliação nacional e bem-estar estavam longe de chegar a Guiné-Bissau.
Assim, o espectro de um novo conflito passou a ser o quotidiano dos guineenses que nunca mais tiveram uma noite de sono “descansado”, como se diz em bom crioulo.
Daí que o golpe de Estado de “14 de Setembro de 2003” que derrubou o Ex-Presidente Koumba Yalá não tenha surpreendido ninguém. Esse momento era esperado por todos uma vez que a imagem do país estava muito manchada com a instabilidade governativa que caracterizou esse período, acentuando ainda mais as frustrações e as divisões internas tanto no seio da classe politica, como no seio dos militares.
As movimentações não se fizeram esperar tanto a nível interno como externo pressionando os militares golpistas a aceitarem um período de transição de curto/médio prazo para a normalização da vida democrática e constitucional.
Foi criada a “Carta de Transição Política”, instrumento que substituiu transitoriamente a “CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA”, introduzindo ou redistribuindo os poderes do Estado por alguns órgãos provisórios entretanto criados (Comité Militar e Conselho Nacional de Transição). Assim, o Poder passou a ser partilhado entre os políticos, militares e algumas organizações da sociedade civil desejosos de um maior protagonismo político. Um Presidente e um Governo de Transição foram nomeados, tendo a frente dois civis. Mais tarde o Poder Judicial, nomeadamente os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça foram eleitos pelos seus pares em conformidade com critérios eleitorais próprios que se baseiam na independência e democracia interna desse Órgão do Poder do Estado.
O processo parecia correr na maior das normalidades, tendo sido realizado as eleições legislativas no prazo determinado pela Carta de Transição Política, apesar de alguma polémica sobre a transparência do processo eleitoral e dos lamentáveis incidentes ocorridos no próprio acto eleitoral.
O novo Governo entrou em exercício sem que tenha sido dado relevância aos incidentes ocorridos. Porém, poucos meses depois o país foi abalado por uma nova insubordinação militar que ceifou a vida do Presidente do Comité Militar e de um dos seus fiéis companheiros, pondo em causa todo o processo de transição política em curso e as suas instituições.
A insurreição militar de “6 de Outubro de 2004”, como ficou conhecida esta nova intervenção militar, veio acordar nos guineenses os “velhos fantasmas” de uma sociedade por si só desgastada (ou arruinada) pelos sucessivos erros políticos e de governação, arrogância, abusos de toda a ordem, marginalização dos cidadãos, cultura de “matchundadi”, “usurpação”, compadrios, procura do poder pelo poder, impunidade, irresponsabilidade, ausência de justiça e de transparência a todos os níveis.
A sociedade guineense de hoje querendo ou não, vive insegura, amargurada, impotente e refém de uma classe castrense dividida, imprevisível, violenta e pronta a digladiar-se.
A Guiné-Bissau tornou-se num país marginal dum mundo em globalização, desacreditado no plano interno e externo, onde o medo e o terror caminham de braços dados num “bailado” quase quotidiano e onde os seus filhos choram e desesperam por um “milagre divino” que lhes restitua a paz, a segurança e a dignidade perdidas algures num bairro, numa casa, numa rua ou num quartel qualquer de Bissau.
A população vive entrincheirada no seu próprio medo de um amanhecer qualquer de tiros e de mortes, de fugas sem destino e de saber que nunca compreenderá porquê que de repente tanto ódio foi forjado e libertado neste pequeno país conhecido pelo seu acolhedor e pacifico povo.
O guineense hoje é um(a) homem/mulher desconfiado(a), desgostoso(a), fechado(a) nas suas origens étnicas, familiares e religiosas, é um cidadão perdido da sua identidade e dos valores morais e éticos universais. É uma “pessoa” que perdeu a razão de ser e um “animal” ferido na sua essência, no seu íntimo e vulnerável a “tudo” para sobreviver.
De forma directa ou indirecta todos os guineenses têm que reconhecer que foram actores ou cúmplices daquilo em que se transformaram. A independência foi gerida de forma “fraudulenta” e “irresponsável”, foram perseguidos e tornados em “personas non gratas” todos aqueles que tentaram chamar a “razão” e ninguém quer “ver, ouvir ou escutar”. O país tem caminhado de forma repetitiva e teimosamente de erro em erros, recusando enxergar a(s) verdade(s) e acabando por cavar o próprio abismo em que se encontra.
Perante estes factos temos que admitir que o Estado sucumbiu, perdeu-se a soberania, o cidadão comum deixou-se “empolar” pela vida fácil, pela preguiça e vive “desnorteado”.
Eis os extremos a que a Guiné-Bissau chega no final de uma Transição Política, que de normalidade, só conservou as
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