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O COTIDIANO DA CRIANÇA COM O CONHECIMENTO MATEMÁTICO

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Por:   •  13/11/2014  •  7.708 Palavras (31 Páginas)  •  583 Visualizações

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O COTIDIANO DA CRIANÇA COM O CONHECIMENTO MATEMÁTICO

INTRODUÇÃO

A Matemática é componente importante na construção da cidadania e desempenha papel decisivo, pois permite resolver problemas da vida cotidiana, tem muitas aplicações no mundo do trabalho e funciona como instrumento essencial para a construção de conhecimento em outras áreas curriculares.

O ensino da Matemática não deve estar fora do contexto histórico, social e científico, mas relacionado e percebido em situações do cotidiano, que são ampliadas, registradas, abstraídas, proporcionando o significado para ao aluno.

As atividades cotidianas, principalmente as práticas, desenvolvem o raciocínio, ajudam a tomar decisões, desenvolver auto-estima, autonomia, curiosidade, autocrítica, relações interpessoais, preparando-nos para o mundo. Os alunos constroem seu conhecimento matemático significativo a partir de sua vivência e experiência, manuseando materiais diversificados, usando todos os sentidos. É importante ele compreender e interpretar os saberes construídos na escola, relacionando-os e utilizando-os na sua vivência extra-escolar, caso contrário, será um saber inútil e obsoleto.

Nesse sentido, convém ressaltar a importância do papel do professor, como orientador e mediador entre o conhecimento e o aluno.

Sentindo as necessidades dos alunos em sala de aula e as dificuldades da maioria dos professores em tornar palpável e praticável a relação da Matemática com a realidade, que o presente trabalho de conclusão de curso, propõe-se a:

“Investigar como o professor articula o conhecimento matemático com o cotidiano da criança”.

O primeiro capítulo apresenta a fundamentação teórica que subsidiou todo o trabalho de pesquisa, o mesmo foi embasado em uma bibliografia que agrega autores que escreveram de forma particular e especial, à educação matemática por ser, ainda hoje, responsável por diversas dificuldades de aprendizagem no sistema escolar. Procurou-se apresentar uma reflexão sobre a matemática escolar e a importância de associá-la com a vida prática do aluno, além dos trabalhos desenvolvidos pela Etnomatemática.

No segundo capítulo, destacam-se os procedimentos metodológicos adotados na pesquisa, direcionando ao grupo objeto desse estudo, definição, relevância e abrangência dos dados coletados e a melhor forma de encaminhar a análise e reflexão.

No terceiro capítulo, voltado à análise dos dados, confrontam-se as entrevistas, a os planejamentos dos professores e a literatura acerca do tema.

No último capítulo, dedicado às considerações finais desse trabalho, são retomados os principais aspectos analisados.

Espera-se, assim, oferecer subsídios para todos os envolvidos no processo de educação, subsídios estes que contribuam para uma prática pedagógica que possibilite ao sujeito construir competências e habilidades matemáticas, motivado através da valorização de sua história e contextualização de seu cotidiano.

Capítulo 1 - Fundamentação Teórica

1.1 – Revisitando as diferentes infâncias ao longo dos tempos

Conhecer o desenvolvimento da criança e respeitá-la como pessoa é condição necessária para a construção e revelação da sociedade como um todo, nas suas contradições e complexidade.

Quando se propõe a trabalhar com crianças bem pequenas, deve-se ter como princípio, conhecer seus interesses e necessidades. Isso significa saber verdadeiramente quem são, saber um pouco da história de cada uma, conhecer a família, as características de sua faixa etária e a fase de desenvolvimento em que se encontra, além de considerar o tempo que permanecem na escola. Só assim podem-se compreender quais são as reais possibilidades dessas crianças, lembrando que, para elas, a classe inicial é a porta de entrada para uma vida social mais ampla, longe do ambiente familiar.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI)¹ destaca que

“a criança como todo ser humano, é um sujeito social e histórico e faz parte de uma organização familiar que está inserida em uma sociedade, com uma determinada cultura, em um determinado momento histórico.” (1998, p.21).

O RCNEI (1998) assume que a concepção de criança é uma noção historicamente construída e que vem mudando ao longo do tempo. Tal concepção reafirma a natureza singular das crianças, isto é, são seres que sentem e pensam de um jeito próprio.

Pesquisas mostram que a criança, desde bem pequena, é capaz de estabelecer relações com o ambiente em que vive, ou seja, com as pessoas, os objetos e os eventos. Quanto mais elaborado e rico for o sistema de relações, mais a criança terá oportunidade de aprender e crescer.

Mas, quem é a criança de hoje?

Quando observamos nossas crianças, podemos dizer que apesar da semelhança cronológica, existem diferentes infâncias:

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1 BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 1.

• a da criança pertencente a uma família com nível sócio-econômico alto, que brinca e estuda, mas tem uma rotina preenchida com inúmeras atividades (esportes, estudo de línguas estrangeiras, artes etc.);

• a da criança que participa da formação de renda da família e por isso trabalha e nem sempre pode estudar;

• a da criança que, nas grandes cidades, acompanha os adultos ou até mesmo outras crianças, e fica pedindo esmolas ou cometendo pequenas infrações;

• a da criança que ajuda o pai ou a mãe nas tarefas de diárias de casa ou do trabalho, aprendendo desde cedo uma profissão.

Todas são crianças, porém suas situações de socialização, condições de vida, tempo de escolarização, de brincadeiras e de trabalho são diferentes.

Os estudos da criança emergiram e se intensificaram em meio às transformações sociais, políticas e econômicas que estiveram envolvidas na construção dos tempos e espaços modernos.

Para resgatar a idéia de infância em nossa história, vamos recorrer às contribuições do conhecimento da Sociologia da Infância. Esta área de estudos e pesquisas surgiu no interior do campo da Sociologia, que se interessa especialmente pela investigação das culturas e das relações sociais das crianças.

A referência para esta discussão é o texto de Nascimento (2003)¹ onde destaca que até o início dos anos 80, os estudiosos apontavam que a família e a escola eram encarregadas em socializar a criança.

Diz ainda que Durkheim (1858-1917) definiu a infância como um período em que a criança se desenvolve e se forma, sendo, portanto, a fase ideal para a socialização e educação. Para ele, socializar a criança seria transmitir valores, crenças e normas da sociedade, principalmente por meio da família ou pela escola.

Nessa concepção, Corsaro (1997, apud Nascimento, 2003, p.27) destaca as correntes deterministas e construtivistas como modelos de processo de socialização da criança.

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¹ USP, PUC-SP, UNDIME, FDE/SEE-SP. Programa PEC – Formação Universitária Municípios. Módulos 2, Tema 2, Unidade 2.1, p. 26 São Paulo, 2003.

O modelo determinista caracterizava a criança como uma ameaça à sociedade até que fosse socializada. A criança era alvo passivo das influências dos adultos. Eram eles quem falava das necessidades infantis, das suas carências e das suas características.

Foram com os estudos, as pesquisas e as discussões realizadas nessa área que começaram a surgir, também, novas interpretações acerca das múltiplas relações que se estabelece entre as crianças e o mundo social. Reconheceu-se a criança como um sujeito ativo na sociedade, alguém que é capaz de expressar-se e de ser ouvido, já que possui e produz suas culturas.

Os estudiosos defendiam a participação da criança na sociedade não como indivíduos isolados, mas na interação com os outros.

Dessa forma, Nascimento (2003) coloca que:

“A socialização não é uma questão de adaptação e internalização de valores, crenças e normas, mas um processo de apropriação, reinvenção e reprodução da cultura, realizado por meio da “atividade comum – na qual as crianças negociam, partilham e criam culturas com adultos e outras crianças” (p.28)

As influências das principais teorias da Psicologia do Desenvolvimento, por sua vez, originaram a corrente construtivista, com uma visão de criança ativa, mas solitária. Um dos objetivos centrais da Psicologia do Desenvolvimento é descrever as funções psicológicas das crianças em diferentes idades, para entender como tais funções mudam ao longo do tempo.

O processo de valorização da infância e os estudos do desenvolvimento das crianças mudaram os rumos da educação tradicional. A criança era caracterizada como presente, ativa e lúdica.

Ao longo do tempo, inúmeras propostas pedagógicas influenciaram a organização do atendimento às crianças pequenas. Muitos princípios de uma e outra proposta foram incorporados nas práticas da educação pré-escolar.

Nesta perspectiva, destaca-se a obra de Nicolau (1997)¹ que aborda os precursores da Educação Infantil: Rousseau, Pestalozzi, Froebel, Decroly,

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¹ NICOLAU, M. L. M. A Educação pré-escolar: fundamentos e didática. São Paulo: Ática, 1997.

Montessori, Freinet, entre outros, explicitando algumas de suas idéias e contribuições para a ação pedagógica de seu tempo e de suas influências que chegaram até nós.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), segundo Nicolau (1997), iniciou uma nova forma de entender as crianças, que até sua época eram vistas como adultos em miniatura. Para ele a criança precisava receber um tratamento diferente, específico, possuindo ela, também, características próprias, interesses, idéias e até vestimentas diferentes dos adultos.

O verdadeiro objetivo da educação, para Rosseau, era o de ensinar a criança a aprender e a viver em liberdade, a valorização do indivíduo. Redimensionou a educação infantil, afirmando que não se deveria moldar o espírito das crianças de acordo com um modelo estabelecido, vendo na educação a expressão livre da criança no seu contato com a natureza, mostrando que ela é capaz de agir por si mesma. Propôs à criança o brinquedo e os esportes. Através da agricultura a criança aprenderia a utilizar os instrumentos como a pá, bem como a contar, a pensar, a comparar e a medir. Sugeriu atividades relacionadas com a vida para aprender e desenvolver a geometria, a aritmética, o canto e a linguagem. Dessa forma, estes princípios educacionais ainda hoje permanecem sendo enfatizados na Educação.

Nicolau (1997), em seus escritos diz que Johann Henrich Pestalozzi (1746-1827), foi o teórico que incorporou o afeto à pedagogia. Os sentimentos tinham o poder de despertar o processo de aprendizagem autônoma na criança.

Para Pestalozzi:

“o desenvolvimento era orgânico, e a criança se desenvolvia por leis definidas; os poderes infantis brotavam de dentro para fora; os poderes inatos, uma vez despertados, lutavam para se desenvolver até a maturidade; a mente era ativa.”

Friedrich Froebel (1782-1852), que viveu na Prússia, foi figura de destaque no cenário educacional dos tempos modernos.

Foi um dos primeiros educadores a considerar o início da infância como uma fase de importância na formação das pessoas. Fundador dos jardins-de-infância. Para ele a criança era como uma planta em sua fase de formação necessita de cuidados constantes para crescer saudável.

Segundo a autora, as brincadeiras para Froebel, eram o primeiro recurso no caminho à aprendizagem. Por meio dos brinquedos, acreditava que seria possível aos alunos exteriorizar seu interior e interiorizar as novidades vindas de fora.

Quanto mais ativa é a mente da criança, mais ela é receptiva a novos conhecimentos. O educador acreditava que a criança trazia consigo uma metodologia natural que levasse a aprender de acordo com seus interesses e por meio de atividade prática.

Em suas atividades criadoras, as crianças usavam materiais específicos como: blocos de construção, papel, papelão, argila e serragem. As técnicas criadas por Froebel são utilizadas até hoje na Educação Infantil.

O educador Ovide Decroly (1871-1932), segundo Nicolau (1997), destacou-se pela importância que prestou às condições do desenvolvimento infantil. Baseava-se na idéia de que as crianças apreendem o mundo com base em uma visão do todo, que posteriormente pode se organizar em partes.

Alguns de seus pensamentos estão bem vivos nas salas de aula e coincidem com propostas pedagógicas difundidas atualmente. È o caso da idéia de globalização de conhecimentos. Para ele o interesse é fundamental no pensamento. A necessidade gera o interesse e só este leva ao conhecimento. Decroly organizou os centros de interesses, procurando fornecer ao aluno conhecimentos sobre si mesmo, bem como sobre o meio social e natural em que vive. Nicolau (1997) destaca que nos centros de interesse, a criança passava por três momentos: o da observação, a associação e a expressão.

A educadora italiana Maria Montessori (1870-1952), iniciou na Itália o movimento da educação nova, onde a criança era a protagonista da sua aprendizagem.

Cotrim (1989)¹ destaca que o objetivo de Montessori era permitir que a criança desenvolvesse a criatividade, a autonomia, e a educação por si mesma. Neste contexto criou a Casa das Crianças, visando uma educação completa e o desenvolvimento de seu método de trabalho educativo.

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¹ COTRIM, G. Educação para uma escola democrática: História e filosofia da educação Saraiva, São Paulo, 1989.

Maria Montessori defendia que o caminho do intelecto passa pelas mãos, porque é por meio do movimento e do toque que a criança explora e decodifica o mundo ao seu redor.

Cotrim (1989) lembra as palavras de Montessori:

“A criança ama tocar os objetos para depois poder reconhecê-los”.

Muitos dos materiais pedagógicos desenvolvidos pela educadora são utilizados hoje na Educação Infantil. Formam um rico conjunto de objetos (caixas, cartões, cubos, bastões, prismas...), destacando-se a observação das propriedades destes quanto a tamanho, forma, cor, textura, peso, cheiro, barulho.

Célestin Freinet (1986-1966) é caracterizado por Nicolau (1993), como o responsável pela revolução na sala de aula. Segundo a autora, o educador Introduziu modificações nas salas de aula, como os cantinhos pedagógicos e as

“aulas-passeio”. Sendo professor primário, levava os alunos a observar a natureza e todo o mundo exterior e, depois da “aula-passeio”, a uma análise dela.

Freinet introduziu o texto livre infantil, dando assim a oportunidade para a criança construir, expressar-se e pensar mediante vivências.

Suas idéias são utilizadas hoje nas escolas como a organização dos espaços, exposição dos trabalhos feitos pela criança, entre outros, visando à busca da autonomia e a formação da democracia.

Para as crianças pequenas era dado destaque ao desenho, o qual substituía o texto livre oral. Os melhores desenhos ou textos eram escolhidos por todos e então colocados no “Livro de Vida”.

As contribuições teóricas dos estudos da criança e as demandas sociais da contemporaneidade apresentaram profundas modificações no conceito de infância. A criança merecia ser tratada com respeito moral. A infância deveria estar contextualizada do ponto de vista social e cultural.

No contexto atual significa considerar que o desenvolvimento infantil é um processo que depende de cada criança, de suas experiências anteriores, do ambiente em que vive e de suas relações com o ambiente. Todos esses fatores estão interligados e o papel do adulto é o de ajudar a criança a atingir o seu desenvolvimento integral.

1.2- Aprendizagem e Desenvolvimento num contexto pedagógico

Toda a aprendizagem da criança pequena decorre das condições do meio em que ela se encontra e das relações que estabelece com as pessoas de seu convívio, sua família, as outras pessoas que lhe estão próximas, os objetos, a cultura presente.

“Para se desenvolver, portanto, “a criança precisa aprender com os outros, através dos vínculos que estabelece” (RCNEI, 1998, p. 21)”.

O termo desenvolvimento para José & Coelho (1999)¹, é muito amplo e complexo. Elas afirmam que de acordo com a Psicologia do Desenvolvimento, para determinar o processo de desenvolvimento é necessário saber que é um processo continuo que procede das atividades gerais para as específicas, cada parte do corpo se desenvolve com velocidade própria e acontece de maneira unificada.

Os processos complementares da maturação e da aprendizagem propiciam o desenvolvimento global.

Para José & Coelho (1999) “a maturação conduz ao desenvolvimento do potencial do organismo e não depende de estimulo ambiental.”

Já a aprendizagem “é o resultado da estimulação do ambiente sobre o individuo já maturo, que se expressa, sob forma de uma função da experiência”. (p. 11)

Desde muito cedo , as crianças devem ser estimuladas a explorar o que está a sua volta, despertando a sua preocupação, criticidade, reflexão, análise e síntese de tudo que vê, troca e experimenta, manipula, etc.

Esse processo, o de construção de aprendizagens significativas, requer da criança uma intensa atividade interna, pois consiste em estabelecer relações entre o que já sabe e aquilo que é novo.

Como afirma José e Coelho (1999) “a aprendizagem para ser significativa, é necessário que envolva raciocínio, analise, imaginação e o relacionamento entre idéias, coisas e acontecimentos”.

Para compreender o processo de ensino e aprendizagem como construção de conhecimento, é necessário analisar as principais contribuições dos estudos sobre o desenvolvimento e a aprendizagem num contexto pedagógico.

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¹ JOSÉ & COELHO. Problemas de Aprendizagem. Ática, São Paulo, 1999.

Nicolau (2003)¹ apresenta em seu texto a teoria de Jean Piaget (1896-1980), suíço que estudou o desenvolvimento cognitivo da criança. Seu objetivo foi estudar os processos de pensamento presentes desde o nascimento até a fase adulta.

Para Piaget, (apud Nicolau, 2003, p.11) a criança é o responsável pela formação dos seus conhecimentos. Ela que irá construir seu desenvolvimento, ativamente, a partir de sua maturidade, pela interação com o meio físico, social e sua atividade interna.

Dividiu o processo de desenvolvimento em períodos ao concluir que as estruturas mentais e o seu modo de funcionamento são semelhantes às crianças de mesma faixa etária.

Os períodos de desenvolvimento propostos por Piaget são:

• Sensório-motor (0 a 2 anos) é caracterizado pela construção de esquemas de ação que possibilitam a criança assimilar objetos e pessoas. Além disso, apresenta um processo de adaptação destes esquemas aos objetos e pessoas com as quais interage. O bebê percebe o mundo de modo centralizado nele mesmo.

• Período pré-operacional ou intuitivo (2 a 7 anos) é caracterizado segundo Nicolau (2003), por a criança poder representar, substituir objetos ou acontecimentos por seus equivalentes simbólicos, por simulação. É o período onde se desenvolve o pensamento simbólico, intuitivo, que se manifesta pela utilização crescente da linguagem. A criança experimenta nessa fase a fantasia das brincadeiras, o jogo simbólico “faz-de-conta”.

• Período operacional concreto (7anos a 11/12 anos), a criança manifesta algumas das operações fundamentais do raciocínio, como classificação, seriação etc. e interioriza as ações que realiza. Seu pensamento opera tendo como referência objetos concretos. As brincadeiras individualistas dão lugar aos jogos coletivos que exigem esforço e concentração do grupo.

• Período operacional formal ou hipotético-dedutivo (a partir dos 12 anos), caracterizado pela manifestação do pensamento formal abstrato: a criança

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¹ USP, PUC-SP, UNDIME, FDE/SEE-SP. Programa PEC – Formação Universitária Municípios. Módulos 2, Tema 2, Unidade 2.2, p. 11 São Paulo, 2003.

consegue raciocinar fora da presença dos objetos concretos. Passa a pensar por hipóteses.

Outra vertente que apresenta os estudos sobre o desenvolvimento e a aprendizagem da criança é a teoria sócio-histórica de Lev S. Vygotsky (1896-1934).

Oliveira (1994)¹ aborda que o ponto central da teoria formulada por Vygotsky é que por meio da interação sócio-cultural surge a maturação, formando novas e mais complexas funções mentais. Ou seja,

“no processo de desenvolvimento, a criança começa usando as mesmas formas de comportamento que outras pessoas inicialmente usavam em relação a ela” (p.43).

Para Vygotsky, segundo a autora, a construção do conhecimento origina-se das interações da criança com as pessoas de seu meio, desenvolvendo a fala interior, o pensamento reflexivo e o comportamento voluntário.

“O sujeito não é apenas ativo, mas interativo”.

Para explicitar o valor da experiência social no desenvolvimento cognitivo, Oliveira (1994) afirma que Vygotsky criou o conceito de “Zona de desenvolvimento proximal”.

Esta metodologia aborda as relações entre desenvolvimento e aprendizagem em dois níveis: um real, já adquirido ou formado, que determina o que a criança já é capaz de fazer por si própria, e um potencial, ou seja, a capacidade de aprender com outra pessoa.

A aprendizagem interage com o desenvolvimento, produzindo abertura na zona de desenvolvimento proximal (distância entre aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de um adulto).

Atualmente, o conhecimento sobre o ato de aprender, permite o entendimento de que o homem realiza inúmeras aprendizagens. Não é mais algo dado como pronto e acabado, mas da interação entre o sujeito e a realidade que o cerca.

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¹ SÃO PAULO. A pré-escola e a criança, hoje. Fundação para o Desenvolvimento da Educação - FDE, Série Idéias, 1994.

1.3 – Brincar: a expressão da infância

Um marco inicial dos novos tempos foi a definição, pela Lei de Diretrizes e Bases – LDB (1996) da Educação Infantil como primeira etapa da Educação Básica.

O documento destaca que a Educação Infantil deve propiciar à criança o desenvolvimento físico, cognitivo e psicológico. Ela deve ser estimulada a adquirir autonomia na solução de problemas e para isso é preciso dar espaço e liberdade para explorar o mundo ao seu redor.

Para Kramer (2006)¹, trabalhar na educação infantil e no âmbito das políticas sociais voltadas à infância é um desafio, devido ao modelo de conhecimento teórico complexo sobre a infância e da dificuldade em lidar com público infantil. De fato, esse nível de educação sempre se diferenciou dos demais pela especificidade dada pelas características do desenvolvimento infantil e pela organização menos formal do trabalho educativo, voltadas para a realização de atividades lúdicas, jogos e brincadeiras.

Para ela, o conhecimento da infância não existiu sempre da mesma maneira, apresenta variadas definições construídas social e historicamente. A afirmação de que infância, entendida como um período da vida pelo qual as crianças passam, é uma idéia, um sentimento, uma fase da vida que foi criada para as crianças.

Nesse discurso, Moss (2002)² faz uma reconceitualização de infância numa perspectiva americana e européia, onde os distintos conceitos são construídos de modo particular e dentro de um contexto sócio, político e cultural próprios.

A conceitualização anglo-americana da primeira infância é moldada numa perspectiva das políticas do neoliberalismo e da psicologia do desenvolvimento.

Ela é ordenada e controlada nos fundamentos legais e sobre um projeto de Modernidade conhecido no mundo todo. Apresenta uma construção dominante de criança pequena.

Para Moss (2002, p. 239):

“Existe um número de construções associadas à criança que é recorrente nesse discurso dominante: a criança como reprodutora de cultura e conhecimento, a criança inocente nos

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¹ BRASIL. Ministério da Educação. Ensino Fundamental de nove anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos. Estação Gráfica, Brasília, 2006.

² MACHADO M. L. A. (organizadora) Encontros e Desencontros em Educação Infantil. Cortez, São Paulo, 2002.

“anos dourados da sua vida, a criança como científica, o “desenvolvimento infantil” biologicamente determinado por estágios universais; e a criança como ser humano imaturo que está se tornando adulto”.

As crianças foram e continuam sendo submetidas a determinadas caracterizações, com a finalidade de garantir a delimitação da infância e, assim sendo, também garantir a delimitação das demais fases da vida. A fabricação da infância insere-se nas tramas que os sujeitos criam e que nelas mutuamente se envolvem.

Uma segunda conceitualização de infância vem da Itália, cidade de Reggio Emília. As crianças são vistas como cidadãos com direitos, fazem parte de um grupo social e são co-construtoras do conhecimento, identidade e cultura. Nesse discurso, não há preocupação apenas com o adulto que vai se tornar, mas com a infância que a criança está vivendo.

Nesse sentido, Kramer (2006) define:

“A criança cria e produz cultura. È colecionadora e dá sentido ao mundo produzindo Historia. Ver a realidade, a partir do ponto de vista da criança revela um olhar sensível e critico do real. O potencial da brincadeira é entendido como experiência de cultura”. (p. 16).

Infância e brincar são termos muito próximos nos seus sentidos mais amplos. As crianças sempre brincaram. Desde épocas mais antigas, as crianças procuraram conhecer o mundo por meio de adivinhas, faz-de-conta, jogos com bolas, rodas, cordas e bonecos

Friedmann (1992)¹ retrata a brincadeira, basicamente, em um sistema que integra a vida social das crianças. Faz parte do patrimônio lúdico-cultural, traduzindo valores, costumes, forma de pensar e ensinamento.

A autora em sua obra resgata a evolução do brincar, tendo inicio na antiguidade, tida como uma atividade tanto das crianças quanto dos adultos. A brincadeira era um acontecimento social do quais todos participavam. Só mais tarde deixou de ser uma atividade coletiva, tornado-se individual.

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¹ FRIEDMANN. A. O direito de Brincar. Scritta, São Paulo, 1992.

Em seus estudos, realizou uma análise da brincadeira espontânea das crianças no decorrer do século XX, e constatou uma significativa transformação do brincar.

Destaca que as causas dessa transformação foram:

• Diminuição dos espaços lúdicos devido ao crescimento das cidades e a falta de segurança;

• Diminuição do espaço de tempo para as brincadeiras, tanto nas instituições escolares quanto no contexto familiar;

• Consumo de brinquedos, sendo mais atraente para as crianças do que as interações sociais.

Friedmann (1992) afirma que “é necessário resgatar o espaço da brincadeira na vida das crianças”.

Ainda destaca que recentemente alguns estudiosos denunciam o desaparecimento da infância. Para ela, o projeto de modernidade existente hoje não é real para a maioria das crianças. Não é garantido a elas o direito de brincar, de não trabalhar.

A autora destaca:

“A criança não pode adquirir voz no contexto que, por um lado infantilizam jovens e adultos e empurra para frente o momento da maturidade e, por outro, as adultiza, jogando para trás a curta etapa da primeira infância.”

Brincar é uma maneira de expressar a infância, onde a criança aprende a viver, testar suas experiências e criar cultura. Por meio da brincadeira, a criança se constitui como individuo histórico – social. As praticas da brincadeira propiciam as crianças o direito de se comunicarem e interagirem.

Neste contexto, o RCNEI (1998) destaca a importância da brincadeira no desenvolvimento da auto-estima das crianças, além de transformar os conhecimentos que já possui em conceitos gerais.

“E no ato de brincar que a criança estabeleceu os diferentes vínculos entre as características do papel assumido, suas competências e as revelações com outros papéis, tomando consciência disto e generalizando para outras situações” (p.27-28).

A brincadeira é uma linguagem infantil, uma ação no plano da imaginação, que remete ao âmbito da linguagem simbólica. Além de satisfazer uma necessidade natural, por meio das brincadeiras as crianças transformam os conhecimentos que já possuíam anteriormente em conhecimentos gerais com os quais brinca. A brincadeira é para a criança um espaço de investigação e construção de conhecimentos sobre si mesma e sobre o mundo. Brincar é uma forma de a criança exercitar sua imaginação.

1.4 – Cuidar e Educar: um novo olhar

A instituição de Educação Infantil trata simultaneamente dois processos complementares e indissociáveis no tratamento da criança pequena: educar e cuidar. As crianças desta faixa etária têm necessidades de atenção, segurança, carinho, alimentação que são indispensáveis à sobrevivência delas. Simultaneamente, têm contato com o mundo através das experiências com as pessoas, objetos e com o ambiente que as cercam, inseridas num contexto de várias aprendizagens.

A questão é: como lidar com esses dois conceitos de forma integrada?

Antigamente, a escola de educação infantil tinha uma conotação assistencial, onde as crianças ali passavam o dia todo para que seus pais pudessem trabalhar. As monitoras passavam os dias olhando as crianças brincarem e era o professor quem ficava com o desenvolvimento intelectual planejado (quando havia planejamento). Nesse período, os papéis, dentro da instituição infantil eram bem claros: um cuidava e o outro educava.

Para o leigo em educação infantil pode soar estranho, ouvir que a instituição infantil é um direito da criança, como um espaço que ela sente prazer em freqüentar. Quem pensa assim vê esse ambiente como tendo mero caráter assistencialista, no qual apenas o cuidar é focalizado; considera a instituição infantil freqüentada apenas por crianças que foram deixadas lá pela família.

Tal visão deve ser superada porque se revela preconceituosa e sem fundamentação diante da realidade em que se encontra e que, cada vez mais se procura trilhar, que é a de garantir espaço para que a criança possa ter os seus direitos respeitados e, entre eles, o de viver a infância.

A relação cuidar-educar assume no Referencial Curricular uma relação inseparável. O cuidado que sempre fez parte da prática cotidiana dos profissionais de creches e pré-escola deixa de ser visto como uma decorrência informal ou uma atividade suplementar e menos importante para assumir relevância indispensável à natureza das necessidades de um atendimento de qualidade para crianças pequenas,

De acordo com o RCNEI (1998), cuidar significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado envolve uma dimensão afetiva e relacional. Dessa maneira, ele abrange os cuidados com os aspectos biológicos do corpo, a dimensão afetiva, a identificação das necessidades sentidas pelas crianças no ambiente escolar, a qualidade da alimentação, os cuidados com a saúde, assim como o cuidado no oferecimento de acesso a diversos conhecimentos.

É de suma importância que as instituições de educação infantil incorporem de maneira integrada as funções de cuidar e educar, não mais diferenciando, nem hierarquizando os profissionais e instituições que atuam com crianças pequenas ou àqueles que trabalham com as de mais idade. As novas funções da educação infantil devem estar associadas a padrões de qualidade. Essa qualidade advém de concepções de desenvolvimento que consideram as crianças nos seus contextos sociais, ambientais, culturais e, mais concretamente, nas interações e práticas sociais que lhes fornecem elementos relacionados às mais diversas linguagens e ao contato com os mais variados conhecimentos para a construção da autonomia.

O RCNEI (1998) coloca que educar significa:

“propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais amplos da realidade social e cultural”. (v.1, p. 23)

Nesse processo, a educação infantil poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis.

O processo educativo é realizado de várias formas: na família, na rua, nos grupos sociais e, também, na instituição. Educar, nessa primeira etapa da vida, não pode ser confundido com cuidar, ainda que crianças (especialmente as de zero a 3 anos) necessitem de cuidados elementares para garantia da própria sobrevivência. O que deve permear a

Para educar, faz-se necessário que o educador crie situações significativas de aprendizagem, se quiser alcançar o desenvolvimento de habilidades cognitivas, psicomotoras e socioafetivas, mas e, sobretudo, fundamental que a formação da criança seja vista como um ato inacabado, sempre sujeito a novas inserções, a novos recuos, a novas tentativas.

1.5 - A Educação Matemática escolar relacionada ao cotidiano do educando

1.5.1 – Contextualizando a Matemática

Ao refletir sobre o mundo atual, é possível observar a presença da Matemática nas atividades humanas das diversas culturas. Em sociedades como a nossa, permeadas por tecnologias e por um crescente acúmulo e troca de informações de vários tipos, é consenso reconhecer que as competências matemáticas tornaram-se um imperativo.

Qualquer pessoa, para estar sintonizada ao mundo moderno, faz uso da Matemática. Ela passa a ser um instrumento usado diariamente. Vivemos cercados por números, operações, tabelas, gráficos, calculadoras, computadores, caixas registradoras com leitora ótica e caixas eletrônicos. Qualquer pessoa, de uma forma ou de outra, precisa lidar com essas informações e tecnologias para tornar sua vida muito mais fácil.

Na vida, no dia-a-dia da criança, a Matemática faz parte da atividade de um sujeito ativo e participativo que compra, vende, confere o troco, mede, se diverte com jogos matemáticos (dominó, baralhos, amarelinha, memória, quebra-cabeças, etc.), usa calculadora, computador, videogame, jogos em rede. Não há como negar: a criança constrói e desenvolve noções matemáticas contextualizadas e significativas desde seu nascimento.

A Matemática é antes de tudo um modo de pensar, e quanto mais cedo este for trabalhado com as crianças mais cedo elas possuirão base para um aprendizado significativo. Então aprender a Matemática na escola representa dar continuidade no processo de construção do conhecimento lógico-matemático adquirido desde cedo.

“... O trabalho com noções na Educação Infantil atende, por um lado, às necessidades das próprias crianças de construírem que incidam nos mais variados domínios do pensamento; por outro, correspondente a uma necessidade social de instrumentalizá-las melhor para viver, participar e compreender um mundo que exige diferentes conhecimentos e habilidades.” (RCNEI – Conhecimento de Mundo – p.207).

As atividades cotidianas, principalmente as práticas, desenvolvem o raciocínio, ajudam a tomar decisões, desenvolver auto-estima, autonomia, curiosidade, autocrítica, relações interpessoais, preparando-nos para o mundo, e estão diretamente relacionadas com as atividades matemáticas.

Os alunos constroem seu conhecimento matemático significativo a partir de sua vivência e experiência, manuseando materiais diversificados, usando todos os sentidos. É importante ao aluno compreender e interpretar os saberes construídos na escola, relacionando-os e utilizando-os na sua vivência extra-escolar, pois, do contrário, será um saber inútil e obsoleto.

Portanto, é preciso contextualizar o ensino da Matemática, fazendo com que a criança entenda o significado do que faz, e oportunizar meios para que perceba, na prática, a aplicação do que aprende na escola.

1.5.2 – Histórico da Matemática

A palavra matemática é origem grega e corresponde a “conhecer, aprender”. A palavra mathema significa “o que é ensino”, todas as formas de conhecimento. Sabe-se que diferentes países (China, Índia, Grécia e Egito...) antes do surgimento da numeração moderna utilizavam-se de diversos métodos para prática calculatória. Ao longo da historia o ser humano construiu seus conceitos matemáticos através da utilização de objetos concretos (pedras, semente...), para contar seus pertences, limitar território e construir objetos.

Por volta do final do terceiro milênio a.C é que os egípcios e sumérios aprenderam a calcular superfícies e volumes, com base no comprimento, a dividir ações entre trabalhadores. Os primeiros sistemas de escritas surgiram para atender as necessidades de calcular a riqueza material das sociedades, suprindo assim uma necessidade social.

Acredita-se que na Arábia surge a matemática como disciplina, que veio interagir a aritmética e a trigonometria. Desde então esta passou a fazer parte da vida do ser humano e vem se aprimorando.

Conforme as necessidades de cada geração, os conceitos matemáticos foram sendo construídos gradativamente até chegar ao presente avanço da tecnologia.

Para AMBROSIO¹ (2002):

“Conhecer, historicamente, pontos altos da matemática de ontem poderá, na melhor das hipóteses, e de fato faz isso, orientar no aprendizado e no desenvolvimento da matemática de hoje. Mas o conhecer teorias e práticas que ontem foram criadas e que serviram para resolver os problemas de ontem pouco ajuda nos problemas de hoje.” (p.30)

É importante buscar na história da matemática, fundamentos para internalizá-los, pois as teorias dificilmente mudam, mas as práticas podem ser aperfeiçoadas constantemente.

1.5.3 – Educação Matemática: um processo histórico

A educação matemática também é resultado de um processo historicamente construído e em contínua e crescente evolução, pois todo o conhecimento acerca da matemática é resultado de um longo processo acumulativo que jamais será finalizado. É resultado de influências diretas do contexto cultural e social e se desenvolveu de acordo com toda a história evolutiva à medida que surgiram as necessidades e interesses do ser humano. A matemática surgiu pela necessidade de resolver situações relacionadas à vida prática de nossos ancestrais. A matemática relacionada ao cotidiano, à prática, à vida e ressignificando a teoria é a evolução que precisa continuar acontecendo para dar sentido à disciplina. A matemática pura e abstrata que nós aprendemos já não serve mais como referência à educação matemática que a sociedade pretende.

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D’ AMBRÓSIO, U. Educação Matemática – Da teoria à prática. Papirus Editora, São Paulo, 2002.

“É muito difícil motivar com fatos e situações do mundo atual uma ciência que foi criada e desenvolvida em outros tempos em virtude dos problemas de então, de uma realidade de percepções, necessidades e urgências que nos são estranhas. Do ponto de vista de motivação contextualizada, a matemática que se ensina hoje nas escolas é morta. Poderia ser tratada como fato histórico”. (D’AMBROSIO, 2002, p.31).

A matemática que nos foi ensinada até pouco tempo era fundamentada em conceitos e teorias puramente abstratos, embasada quase unicamente em livros didáticos, e a estratégia usada pelos professores era a memorização por meio de longas listas de exercícios e “decoreba”. A reprovação e insatisfação diante dos resultados negativos obtidos na escola e, conseqüentemente, na vida, revelam que a matemática era fruto de um ensino centrado em estratégias e procedimentos mecânicos, sem significado para o aluno, fazendo com que a disciplina nele causasse certo medo, receio.

D’ Ambrósio (2002) destaca:

“Particularmente em matemática, parece que há uma fixação na idéia de haver necessidade de um conhecimento hierarquizado, em que cada degrau é galgado numa certa fase da vida, com atenção exclusiva durante horas de aula, como um canal de televisão que se sintoniza para as disciplinas e se desliga acabada a aula. Como se fossem duas realidades disjuntas, a da aula e a de fora da aula (p. 83).

Todos conhecem o medo da Matemática. Ele pode até ter diminuído, pois, com o mundo em mudança, o ensino naturalmente progride. Mas, mesmo hoje, a Matemática ensinada de maneira tradicional é a disciplina que apresenta o mais baixo desempenho dos alunos e é, ainda, a que mais reprova.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs)¹ destaca que parte dos problemas referente ao ensino da Matemática estão ligados ao processo de formação dos professores (tanto a inicial como a continuada) levando-os a uma prática de sala de aula baseada em livros didáticos que muitas vezes não apresentam boa qualidade.

A matemática da sala de aula e a do cotidiano necessita caminhar lado a lado

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¹ BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais: 1ª a 4ª séries do ensino fundamental, v.3. (Matemática) Brasília, DF: SEF/MEC, 1997.

para terem significação tanto para o professor quanto para o aluno.

Muitos de nós, professores do Ensino Fundamental, somos frutos do ensino matemático tradicional centrado no quadro-giz e ainda possuímos certas dificuldades e medos em compreender e dar significado a alguns currículos matemáticos nas nossas vivências como profissionais da educação.

Superaremos as dificuldades herdadas da matemática tradicional quando ousarmos encarar de frente nossos medos, inovarmos através de diversos materiais, práticas e contextos coerentes e construirmos, no dia-a-dia, conceitos matemáticos concretos, significativos e contextualizados para nós mesmos e para nossos alunos.

1.5.4 – Etnomatemática: a Matemática respeitando cada aluno.

O matemático e pesquisador brasileiro Ubiratan D´Ambrosio (1990)¹ defende um programa de pesquisa chamado Etnomatemática que vem ao encontro dos nossos estudos. O autor define Etnomatemática como a arte ou a técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais.

Em todos os tempos e culturas, o homem gera conhecimento pela necessidade de resolver situações e problemas relacionados ao seu contexto de vida natural, social e cultural. Dessa forma, cria e desenvolve instrumentos, técnicas, habilidades, estratégias, recursos para saber e fazer de acordo com suas necessidades de sobrevivência em ambientes diversos.

Isto é Etnomatemática. É, portanto, um programa de pesquisa sobre a história e a filosofia da Matemática, e tem importantes implicações pedagógicas. Para os sistemas escolares, essas implicações são as que mais interessam.

Portanto, implica outra filosofia de ensino de Matemática, que, para ser implementada, necessita de outros métodos, não contemplados no ensino tradicional.

O Programa Etnomatemática destaca-se, nesta última década, com suas propostas alternativas para a ação pedagógica. Tal programa contrapõe-se às orientações que desconsideram qualquer relacionamento mais íntimo da matemática com aspectos socioculturais e políticos.

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D’AMBROSIO, U. Etnomatemática. São Paulo: Ática, 1990.

Do ponto de vista educacional, procura entender os processos do pensamento, os modos de explicar, de entender e de atuar na realidade, dentro do contexto cultural do próprio indivíduo.

“A Etnomatemática procura partir da realidade e chegar à ação pedagógica de maneira natural, mediante um enfoque cognitivo com forte fundamentação cultural” (PCNs, 1997, p. 23).

Admitindo que a primeira fonte do conhecimento para qualquer ser humano é a realidade na qual está inserido, especialmente a família e sua comunidade, a escola também deve partir desta realidade. Isto indica que o professor sempre é um pouco pesquisador e investigador.

O professor necessita conhecer o mundo em que o aluno está inserido, a sua realidade e, a partir dela, desencadear a sua ação. É importante abordar o conteúdo matemático vinculando a teoria com a prática.

A matemática da sala de aula tem a tarefa de fazer com o que os alunos encontrem desafios e soluções para questões que enfrentam na vida diária. A matemática vista sob este ângulo será muito mais produtiva do que decoreba e listas de exercícios sem significado para os alunos.

Uma das causas do fracasso escolar na disciplina matemática é não fazer a relação entre o conhecimento formal e o conhecimento prático que o aluno já dispõe.

Schliemann (2001)¹ coloca que:

“A resolução de problemas na escola tem objetivos que diferem daqueles que nos movem para resolver problemas de matemática fora da sala de aula. Perde o significado também porque o que interessa à professora não é o esforço de resolução de problema por um aluno, mas a aplicação de uma fórmula, de um algoritmo, de uma operação, predeterminados pelo capítulo em que o problema se insere ou pela série escolar que a criança freqüenta. (p. 22)

A grande tarefa do professor atual é ser o mediador entre os conteúdos de matemática e as vivências do cotidiano, é ressignificar a educação matemática.

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SCHLIEMANN, A. D.: CARRAHER, D.W.: CARRAHER, T. Na vida dez, na escola zero. São Paulo: Cortez, 2001.

Para chegarmos a uma sociedade mais humana e igualitária que ofereça facilidades e oportunidades a todos, acredita-se que um dos caminhos seja o da educação, principalmente se esta, quando construída no espaço escolar, estiver embasada na vida do aluno.

A matemática formal da escola, associada com a prática, leva o aluno à reflexão e à construção de conhecimentos reais e significativos. Por meio da matematização do dia-a-dia, a criança constrói muitos conceitos matemáticos que, associados com os conteúdos da escola, facilitam a reflexão e despertam o interesse em relação à matemática escolar. Neste sentido, Piaget (1965, apud SCHLIEMANN, 2001, p.86)

“Considera a interação entre a experiência e reflexão tão importante que espera que a criança desenvolva a compreensão de vários modelos matemáticos independentemente da instrução escolar. PIAGET chega a tratar o sucesso da educação mais como resultado do que causa do desenvolvimento desta compreensão ao afirmar que, em lugar de receber os conceitos matemáticos da instrução escolar, a criança apenas escolhe os aspectos da experiência que seus níveis de desenvolvimento permitem integrar”.

A matemática informal que se aprende na vida, às vezes, é mais significativa e útil do que a matemática obsoleta e tradicional que a escola repassa para o aluno. Situações e soluções matemáticas corretas para a escola podem, às vezes, ser impróprias à vida ou inutilizáveis na vida da criança se ela não conseguir fazer a relação entre a matemática e seu significado.

O uso de situações do dia-a-dia em atividades matemáticas na escola é importante porque os alunos constroem conceitos matemáticos a partir de suas experiências da vida real e não de livros prontos, acabados, escritos por autores que nem sempre associam a matemática escolar com a vida real.

Isto porque [...] “Se queremos crianças mentalmente ativas durante a aula de matemática, devemos encorajá-las a relacionar fatos e estar alertas e curiosas durante todo o dia” (JOSEPH, 1986, apud KAMII, 1994, p. 125)¹.

Precisamos fazer da escola uma intermediadora entre os conteúdos matemáticos e o uso deles nas atividades do cotidiano. Deve-se salientar que estas atividades

devem vir acompanhadas de materiais concretos diversos, relacionados ao

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KAMII, C. Aritmética: novas perspectivas – implicações da teoria de Piaget: Papirus, 1994.

cotidiano da criança, como por exemplo, panfletos de propaganda, rótulos e embalagens, relógios, calculadoras, computador, jogos, cédulas e moedas do sistema monetário.

O aluno das séries iniciais do Ensino Fundamental precisa estar envolvido com materiais concretos. Nesta fase, ele internaliza os conhecimentos facilmente desde que tenha a ajuda de materiais concretos, pois ainda tem certa dificuldade de abstrair conceitos, tem dificuldades com proposições ou problemas verbais.

Considerações Finais

Este estudo procurou demonstrar como o professor articula o conhecimento matemático com o cotidiano da criança.

Viu-se a teoria sobre os estudos da criança, as diferentes concepções construídas ao longo da história, as questões relacionadas ao processo de desenvolvimento e aprendizagem, a brincadeira como forma de expressar a infância e a relação inseparável do cuidar e educar.

Tratou-se também da Educação Matemática escolar relacionada ao cotidiano do educando, seguindo o pressuposto de que as necessidades cotidianas fazem com que os alunos desenvolvam uma inteligência essencialmente prática, que permita reconhecer problemas, buscar e selecionar informações, tomar decisões e, portanto, desenvolver uma ampla capacidade para lidar com a atividade matemática. Quando essa capacidade é potencializada pela escola a aprendizagem apresenta melhor resultado.

É fundamental não subestimar a capacidade dos alunos reconhecendo que resolvem situações-problema, lançando mão de seus conhecimentos sobre o assunto e buscando estabelecer relações entre o já conhecido e o novo.

Viu-se também que os alunos trazem para a escola conhecimentos, idéias e intuições construídas através das experiências que vivenciaram em seu grupo sócio-cultural.

Verificou-se a possibilidade de contextualizar a matemática escolar relacionando os conteúdos com a vida da criança. Pode-se construir um “para” e “com” os alunos uma educação matemática emancipadora, significativa, despertando neles um olhar matemático positivo em relação ao mundo que os cerca.

O professor deve ser ele próprio, um pesquisador para tornar o processo de ensino e aprendizagem atrativo para seu público alvo, mesmo porque ele concorre com meios de comunicação muito mais atrativos do que a escola atual (computadores, jogos multimídia, internet, televisão, videogames, etc.).

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