Origens Da Habitação Social No Brasil - INTRODUÇÃO
Artigos Científicos: Origens Da Habitação Social No Brasil - INTRODUÇÃO. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: damasaju • 1/9/2014 • 1.604 Palavras (7 Páginas) • 413 Visualizações
Apresentação do autor
Nova Friburgo, RJ, novembro de 1994
Depois de passar por duas barreiras televisivas montadas pelo exército em torno do Rio de Janeiro para evitar a fuga dos traficantes das favelas cariocas, chegamos, debaixo de um sol tórrido de quase verão, ao nosso destino.
Ali, na tranqüilidade de um sitio na serra, logo apareceu o homem que buscávamos. Surpreso por verificar que realmente tínhamos lá chegado - superando o ceticismo de um velho arquiteto esquecido - ele perguntou interessado: como é que vocês me descobriram aqui?
De fato era uma descoberta nesse momento. Frente a Carlos Frederico Ferreira, de 88 anos, o arquiteto do Realengo, primeiro grande conjunto habitacional construído no Brasil. que havia coordenado o setor de arquitetura do IAPI até 1964 e depois desaparecido, como tantos outros, da historia da arquitetura brasileira, ficou claro que aquilo não teria mais fim. Era necessário concluir, mesma que preliminarmente, esta pesquisa sobre as origens da habitação social no Brasil e finalizar o doutorado que deu origem a este livro. Para, em seguida, Investigar e registrar sistematicamente (antes que desapareça totalmente) a enorme e desconhecida produção de habitação social e arquitetura realizada antes do BNH, tarefa apenas iniciada neste livro e que passamos a realizara partir de 1995 {Bonduki et Sampaio, 1995).
De fato, alguns meses depois, Carlos Frederico teve um derrame e deixou-nos para sempre; os arquivos do INSS, onde foram "guardados" os documentos relativos à produção habitacional dos IAPs, estão tão destroçados quanto à previdência pública; os conjuntos residenciais então construídos como "serviços públicos" privatizados e individualizados depois do golpe de 1964, se descaracterizaram. A imagem de uma faceta importantíssima da era Vargas e de suas propostas para o modo de vida dos trabalhadores desaparece, sem que seja conhecida e, pior, num momento em que a política vigente no pais a condenou a morte.
Chegar até Carlos Frederico e trazê-lo de volta à historia da arquitetura brasileira como um dos pioneiros que refletiram, formularam e implementaram uma ação pública sobre o problema da moradia, no âmbito de um estudo mais amplo que resgata as origens da habitação social no Brasil, é simbólico dos objetivos deste trabalho: identificar as origens da transformação da habitação numa questão social, a partir de uma reflexão abrangente e interdisciplinar, e analisar as principais intervenções do Estado na moradia no período pré-BNH. Nesta investigação - resultado de mais de uma década de pesquisa e observação, intermediada por inúmeros e longos momentos em que me vi envolvido em ações concretas para implementar programas habitacionais alternativos à política do BNH já moribundo a partir de meados dos anos 80 - pude aliar minha faceta de pesquisador com a de formulador de políticas públicas.
Busquei então construir um fio condutor que alinhavasse os tão diferenciados aspectos que, ao Iongo de tantos anos, de forma descontinua mas sempre apaixonada, havia pesquisado em arquivos, bibliotecas, documentos velhos, jornais, ouvido de velhos moradores, técnicos e burocratas e observado num fragmentado território de uma cidade que se desconstruiu num período tão curto.
A trajetória desta investigação foi turbulenta e enriquecida pela oscilação entre a pesquisa e a ação profissional e política. Ao iniciar o estudo, no começo dos anos 80, minha preocupação, fortemente influenciada pelo trabalho ainda fresco sobre as periferias (Bonduki et Rolnik 1979), era bastante delimitada: tentar identificar os fatores que geraram o chamado padrão periférico de crescimento urbano em São Paulo, modelo que viabilizou a solução habitacional baseada no trinômio Ioteamento periférico-casa própria-autoconstrução. A questão inicial era descobrir como, quando e porque se processou a brutal transformação das condições de moradia da classe trabalhadora que, até meados do século, se abrigava em casas de aluguel produzidas de forma mercantil por investidores privados. Geralmente situadas na zona urbanizada do município, e que passou a viver na periferia, construindo da própria suas casas e um novo modo de vida, que tão bem eu conhecia.
Logo nos primeiros contatos com os arquivos e os documentos de época, ganhou destaque a importância da Lei do Inquilinato. O congelamento dos aluguéis, determinando em 1942 por este regulamento de Getulio Vargas, teria desestimulado a produção de moradia para locação pelo setor privado e com isto levado os trabalhadores a buscar os loteamentos de periferia, até então pouco ocupados.
A explicação parecia boa e foi possível estruturar um raciocínio talvez simplista, mas coerente com uma análise mais geral do processo de acumulação de capital na economia brasileira: o objetivo dos governos desenvolvimentistas era estimular a criação de uma solução habitacional de baixo custo na periferia, visto ser ela conveniente para o modelo de capitalismo que se implantou no país a partir de 1930, por manter baixos os custos de reprodução da força de trabalho e viabilizar o investimento na industrialização do país.
Mas quanto mais se aprofundava a pesquisa, tentando identificar os fatores que levaram Vargas e os governos seguintes a manter um injustificável congelamento de aluguéis, mais surgiam questões e dúvidas que não poderiam deixar de ser abordadas, principalmente quando a minha própria trajetória me conduzia para a implementação de novos programas habitacionais.
Teriam o Estado Novo ou os governos seguintes buscado estruturar uma pioneira política habitacional no país? Seria possível tratar da Lei do Inquilinato, que afinal foi estabelecida aparentemente para garantir melhores condições habitacionais aos trabalhadores, sem aprofundar a pesquisa e reflexão sobre as primeiras iniciativas tomadas pelo governo no sentido de construir e financiar a construção de moradias para os trabalhadores assalariados através dos Institutos de Aposentadoria e Pensões {IAPs} e da Fundação da Casa Popular? A produção habitacional destes órgãos podia ser relacionada com a massiva intervenção que a social democracia européia realizou no período entre guerras em países como a Alemanha, Áustria e Holanda, fortemente influenciada pelo movimento moderno, que se articulava em torno de um projeto social e de construção de um novo modo de
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