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Poema Casmurro

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Por:   •  25/11/2013  •  Seminário  •  10.228 Palavras (41 Páginas)  •  250 Visualizações

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Dom Casmurro

Machado de Assis

CAPÍTULO PRIMEIRO / DO TÍTULO

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz

aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim,

falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser

que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que, como eu estava cansado, fechei os olhos

três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

-- Continue, disse eu acordando.

-- Já acabei, murmurou ele.

-- São muito bonitos.

Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No

dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os

vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal

pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça,

chamam-me assim, alguns em bilhetes: "Dom Casmurro, domingo vou jantar com você."--"Vou

para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Renania; vê se deixas essa caverna do

Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo."--"Meu caro Dom Casmurro, não cuide que

o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, doulhe

cama; só não lhe dou moça."

Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs

o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de

fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração - se não

tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não

lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há

livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.

CAPÍTULO II/ DO LIVRO

Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, porém, digamos os motivos que

me põem a pena na mão.

Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la construir de propósito, levado de um

desejo tão particular que me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia. há bastantes anos, lembrou-me

reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei na antiga Rua de Mata-cavalos, dando-lhe o

mesmo aspecto e economia daquela outra, que desapareceu. Construtor e pintor entenderam bem as

indicações que lhes fiz: é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as

mesmas alcovas e salas. Na principal destas, a pintura do tecto e das paredes é mais ou menos igual,

umas grinaldas de flores miúdas e grandes pássaros que as tomam nos blocos, de espaço a espaço.

Nos quatro cantos do tecto as figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de César,

Augusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de tais personagens.

Quando fomos para a casa de Mata-cavalos, já ela estava assim decorada; vinha do decênio anterior.

Naturalmente era gosto do tempo meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas americanas. O

mais é também análogo e parecido. Tenho chacarinha, flores, legume, uma casuarina, um poço e

lavadouro. Uso louça velha e mobília velha. Enfim, agora, como outrora, há aqui o mesmo contraste

da vida interior, que é pacata, com a exterior, que é ruidosa.

O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência. Pois,

senhor, não consegui recompor o que foi nem o que fui. Em tudo, se o rosto é igual, a fisionomia é

diferente. Se só me faltassem os outros, vá um homem consola-se mais ou menos das pessoas que

perde; mais falto eu mesmo, e esta lacuna é tudo. O que aqui está é, mal comparando, semelhante à

pintura que se põe na barba e nos cabelos, e que apenas conserva o hábito externo, como se diz nas

autópsias; o interno não agüenta tinta. Uma certidão que me desse vinte anos de idade poderia

enganar os estranhos, como todos os documentos falsos, mas não a mim. Os amigos que me restam

são de data recente; todos os antigos foram estudar a geologia dos campos-santos. Quanto às

amigas, algumas datam de quinze anos, outras de menos, e quase todas crêem na mocidade. Duas

ou três fariam crer nela aos outros, mas a língua que falam obriga muita vez a consultar os

dicionários, e tal freqüência é cansativa.

Entretanto, vida diferente não quer dizer vida pior, é outra cousa a certos respeitos, aquela vida

antiga aparece-me despida de muitos encantos que lhe achei; mas é também exato que perdeu muito

espinho que a fez molesta, e, de memória, conservo alguma recordação doce e feiticeira. Em

verdade, pouco

...

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