Resenha Crítica – filme “Miss Ever’s Boys”

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

VALÉRIA MENDES SOARES – BIOMEDICINA

BIOÉTICA

Resenha crítica – filme “Miss Ever’s Boys”

        No filme, baseado em um fato real chamado “Caso Tukesgee”, é possível verificar diversas discussões éticas relativas a questões raciais, sociais, culturais, econômicas, dentre outras.

        A trama acontece na cidade de Tukesgee, no sul dos Estados Unidos, onde o governo decide criar um programa de tratamento de sífilis para os doentes do único hospital negro da localidade, onde a doença tinha assumido proporções de epidemia. O programa contava com recursos federais e com a ajuda da enfermeira Eunice Evers (Alfre Woodard), do Dr. Brodus (José Morton) e do Dr. Douglas (Craig Sheffer) e visava o tratamento gratuito para negros com sífilis da região, que acreditaram que participando do programa poderiam conseguir a cura para a enfermidade que os afligia. Algum tempo após o início, o governo cancelou a verba e o programa tornou-se um estudo para verificar se os negros (que eram considerados de ‘raça inferior’) reagiam à sífilis da mesma maneira que os brancos. Para isso, os pacientes deveriam ser acompanhados e não deveriam receber o tratamento. A equipe médica aceita o novo programa com a promessa de que, no prazo de seis meses a um ano, o estudo estaria concluído e assim obteriam novamente os recursos financeiros para continuar o tratamento dos pacientes. Mas essa promessa não foi cumprida e, ao longo de 40 anos, sem serem informados, muitos homens negros tomavam placebo acreditando estar sendo tratados.

        A equipe de saúde fere os princípios da bioética ao aceitar a pesquisa: há quebra do princípio de beneficência quando há aceitação da interrupção do tratamento dos pacientes e administração de placebo, o que proporciona grande risco aos indivíduos, inclusive de morte. Há também a quebra do princípio da não maleficência quando são realizados procedimentos extremamente dolorosos, como uma punção liquorica realizada sem anestesia, em que há intenso sofrimento do paciente. Outros princípios que foram feridos são os da autonomia, em que o paciente não teve sua opinião respeitada, já que nem mesmo sabia o que estava realmente se passando, e da justiça: todos os indivíduos têm direito à saúde e de tratamento digno, independente de preconceitos, o que não aconteceu neste caso em que homens negros foram enganados e submetidos a um falso tratamento. Houve ferimento à dignidade e ao sigilo dos pacientes, já que tiveram seus nomes divulgados nas unidades de saúde da região para que não recebessem nenhum tipo de tratamento, expondo-os à situação constrangedora.

        Podemos observar também elementos culturais, como a diferença de linguagem entre classes. A comunidade negra não entendeu as explicações realizadas pelo médico em linguagem científica; quando a enfermeira explicou a mesma coisa utilizando termos populares, os indivíduos conseguiram entender. O profissional da saúde deve saber como se comunicar sem parecer superior a quem ouve.

        Tal filme nos faz lembrar da importância de se ter um comitê de ética em experimentação com humanos. Nos remete também à reflexão de qual é o preço a ser pago para o avanço da ciência.