TrabalhosGratuitos.com - Trabalhos, Monografias, Artigos, Exames, Resumos de livros, Dissertações
Pesquisar

Teoria Do Medalhão

Artigo: Teoria Do Medalhão. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicos

Por:   •  31/7/2013  •  2.329 Palavras (10 Páginas)  •  286 Visualizações

Página 1 de 10

Teoria do Medalhão

de Machado de Assis

Diálogo

— Estás com sono?

— Não, senhor.

— Nem eu; conversemos um pouco. Abre a janela. Que horas são?

— Onze.

— Saiu o último conviva do nosso modesto jantar. Com que, meu peralta,

chegaste aos teus vinte e um anos. Há vinte e um anos, no dia 5 de agosto de 1854,

vinhas tu à luz, um pirralho de nada, e estás homem, longos bigodes, alguns

namoros...

— Papai...

— Não te ponhas com denguices, e falemos como dois amigos sérios. Fecha

aquela porta; vou dizer-te coisas importantes. Senta-te e conversemos. Vinte e um

anos, algumas apólices, um diploma, podes entrar no parlamento, na magistratura,

na imprensa, na lavoura, na indústria, no comércio, nas letras ou nas artes. Há

infinitas carreiras diante de ti. Vinte e um anos, meu rapaz, formam apenas a

primeira sílaba do nosso destino. Os mesmos Pitt e Napoleão, apesar de precoces,

não foram tudo aos vinte e um anos. Mas qualquer que seja a profissão da tua

escolha, o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos notável, que te

levantes acima da obscuridade comum. A vida, Janjão, é uma enorme loteria; os

prêmios são poucos, os malogrados inúmeros, e com os suspiros de uma geração é

que se amassam as esperanças de outra. Isto é a vida; não há planger, nem

imprecar, mas aceitar as coisas integralmente, com seus ônus e percalços, glórias e

desdouros, e ir por diante.

— Sim, senhor.

— Entretanto, assim como é de boa economia guardar um pão para a velhice,

assim também é de boa prática social acautelar um ofício para a hipótese de que os

outros falhem, ou não indenizem suficientemente o esforço da nossa ambição. É isto

o que te aconselho hoje, dia da tua maioridade.

— Creia que lhe agradeço; mas que ofício, não me dirá?

— Nenhum me parece mais útil e cabido que o de medalhão. Ser medalhão

foi o sonho da minha mocidade; faltaram-me, porém, as instruções de um pai, e

acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que

deposito em ti. Ouve-me bem, meu querido filho, ouve-me e entende. És moço, tens

naturalmente o ardor, a exuberância, os improvisos da idade; não os rejeites, mas

modera-os de modo que aos quarenta e cinco anos possas entrar francamente no

regime do aprumo e do compasso. O sábio que disse: "a gravidade é um mistério do

corpo", definiu a compostura do medalhão. Não confundas essa gravidade com

aquela outra que, embora resida no aspecto, é um puro reflexo ou emanação do

espírito; essa é do corpo, tão-somente do corpo, um sinal da natureza ou um jeito da

vida. Quanto à idade de quarenta e cinco anos...

— É verdade, por que quarenta e cinco anos?

— Não é, como podes supor, um limite arbitrário, filho do puro capricho; é a

data normal do fenômeno. Geralmente, o verdadeiro medalhão começa a www.nead.unama.br

3

manifestar-se entre os quarenta e cinco e cinqüenta anos, conquanto alguns

exemplos se dêem entre os cinqüenta e cinco e os sessenta; mas estes são raros.

Há-os também de quarenta anos, e outros mais precoces, de trinta e cinco e de

trinta; não são, todavia, vulgares. Não falo dos de vinte e cinco anos: esse madrugar

é privilégio do gênio.

— Entendo.

— Venhamos ao principal. Uma vez entrado na carreira, deves pôr todo o

cuidado nas idéias que houveres de nutrir para uso alheio e próprio. O melhor será

não as ter absolutamente; coisa que entenderás bem, imaginando, por exemplo, um

ator defraudado do uso de um braço. Ele pode, por um milagre de artifício,

dissimular o defeito aos olhos da platéia; mas era muito melhor dispor dos dois. O

mesmo se dá com as idéias; pode-se, com violência, abafá-las, escondê-las até à

morte; mas nem essa habilidade é comum, nem tão constante esforço conviria ao

exercício da vida.

— Mas quem lhe diz que eu...

— Tu, meu filho, se me não engano, pareces dotado da perfeita inópia

mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. Não me refiro tanto à fidelidade com

que repetes numa sala as opiniões ouvidas numa esquina, e vice-versa, porque

esse fato, posto indique certa carência de idéias, ainda assim pode não passar de

uma traição da memória. Não; refiro-me ao gesto correto e perfilado com que usas

expender francamente as tuas simpatias ou antipatias acerca do corte de um colete,

das dimensões de um chapéu, do ranger

...

Baixar como (para membros premium)  txt (14.2 Kb)  
Continuar por mais 9 páginas »
Disponível apenas no TrabalhosGratuitos.com