As Vozes do Amanhã
Por: Alex De Oliveira Vilanova • 11/11/2021 • Ensaio • 7.887 Palavras (32 Páginas) • 99 Visualizações
O SONHO
N aquela manhã ele acordou um tanto quanto perturbado. Teve mais uma vez um sonho recorrente, sonho o qual, quando acordado, o deixava suspenso, como num transe, retirava total, a o foco de suas ações e
remetia toda sua energia destinada aos pensamentos àquele sonho estranho. Ao deitar- se, rememorar aquela utopia que criara não o deixava dormir. Quando dormindo, parecia estar acordado, era o momento em que aparentava gastar mais energia do seu dia, superior até mesmo àquela gasta quando despertado, e este foi um dia em que mais uma vez acordou exausto, pois, embora tivesse tido várias horas de sono ininterrupto, sentiu-se como se não tivesse pregado os olhos sequer por um segundo durante a noite toda.
Estava com o corpo todo suado, não tanto pelo calor, já que é outubro e da primavera em diante em sua terra são raros os dias primaveris ou de veraneio que requisitam qualquer acobertamento, mas, embora moderado o calor, este era parcamente aliviado por um pequeno ventilador de plástico, num tom amarelado que o tempo impõe sobre tal material, posicionado defronte a sua cama, realizando um movimento horizontal de vai e vem análogo ao de um espectador ao assistir a uma partida de tênis. Este ventilador lhe ajudava tanto a refrescar-se um pouco como também afugentava as feras noturnas de chupar-lhe o sangue e causar um longo dia de coceiras. O que quero dizer com isso é que o motivo de seu suor não poderia ser outro senão o fato de que se mexera durante toda noite, conseguindo ficar imóvel apenas após acordar, naqueles raros minutos que só apenas quem acorda antes mesmo de precisar estar acordado pode sentir, percorrendo por um misto de vazio, descanso e reflexão.
Lá estava ele em sua cama de solteiro, com lençol azul-claro, num tom um tanto quanto desbotado por ocasião de diversas lavagens que já passou, com fronha de mesma tonalidade que revestia seu travesseiro, este duma textura um tanto quanto morta, como se não tivesse uma forma fixa, o qual pende mais para uma aparência fluida. Ao lado de sua cama se encontra um pequeno criado-mudo retangular com altura aproximada de sua cama, numa tonalidade de marrom cuja aparência do verniz entregava ter sido este aplicado muito antes do nascimento do seu atual dono, e duas gavetas nas quais ele guarda livros escolares, lugar do qual dificilmente saem. Este móvel está estrategicamente posicionado sob uma tomada, a qual alimenta seu celular sobre a pequena mesa, dividindo-se a mesma fonte de energia com o ventilador por meios de um benjamim.
Nosso sonhador pegou seu celular, o qual está frio ao tato, em decorrência de uma noite toda de abandono de toques físicos, e conferiu as horas. Ainda lhe sobra meia hora até que seu alarme seja acionado.
Olhou um instante para sua esquerda, encarou por alguns momentos um quadro que lhe dava a visão de um pequeno guarda-roupas com apenas duas portas, o qual não
VOZES DO AMANHÃ
fosse sua aparência medonha e estado de conservação poderia muito bem estar numa
loja de antiguidades. À direita do roupeiro está o interruptor da luz e, após este, a porta, cujo umbral destoa de sua cor, sendo aquela da coloração do compensado que a constitui, sem nenhum tratamento, ao passo que umbral parece ter sido pintado algum dia.
Dirigiu-se à porta, mas não saiu por ela, apenas acendeu a luz, uma lâmpada incandescente a qual deu às paredes brancas do quarto um tom de amarelo próximo à luz solar, e, imediatamente após, retornou para sua cama, deitou-se novamente e ficou olhando para o teto com o mesmo olhar de quando acordara, um olhar como o de quem aprecia uma paisagem por longos momentos, como quem, da praia, aprecia o mar, sem se importar em distinguir onde este acaba e o céu se inicia, um olhar puro daqueles que apenas tem os olhos abertos, mas nada enxergam, se, por acaso, algo é visto, nada é observado. As imagens que iluminavam sua mente, se é que havia alguma imagem, não era decorrente da luz que entra em seus olhos, mas sim pensamentos que radiavam do âmago de sua mente.
Seus pensamentos não tinham outro foco senão este: Seu sonho. Pensava nele durante o dia, fazendo que, quando estava acordado, não o deixasse pensar noutra coisa senão aquele seu sonho estranho, o qual, embora fosse muito estranho, muito alheio a toda a realidade que conhecia até então, era, por outro lado, muito realista, não parecia bem verdade um sonho, parecia mais que após pegar no sono fosse transportado para outra realidade, não sabia se se tratava de uma realidade paralela ou a mesma realidade em um tempo futuro, a única certeza era a de que não estava revivendo seu passado pois jamais vivenciara tais fatos.
Perto da hora de dormir, relembrar daquele sonho era o que dominava sua mente, sonho este que há cerca de um mês o perseguia, fazia-o perder totalmente seu sono, conseguia dormir somente após estar completamente dominado pelo cansaço e exaustão causados por esses pensamentos, os quais não importa o quão distante ele tentasse focar suas ideias em algo diferente, sempre retornava para a lembrança daquela visão única, não tão única assim nestes últimos dias, mas desde a primeira vez não era correspondente com nada que jamais imaginara em outros sonhos ou visualizara em qualquer outro lugar, seja na “vida real”, seja em alguma obra que a mais criativa ficção pudesse produzir, jamais viu filme livro ou série ou qualquer outra coisa que sua vista pudesse alcançar que se igualasse a tais pensamentos, que lhe seguiam desde a hora de seu despertar até se pôr a dormir, o que o pôs numa espiral, preso neste ciclo como se estivesse preso numa gaiola de porquinho-da-índia, na qual ele é o roedor e sua rodinha é seu sonho: Quando acordado apenas pensava naquelas cenas além da compreensão, então, tendo em vista que geralmente se sonha com aquilo que está na mente antes de dormir, o resultado não poderia ser outro: pensar no sonho lhe fazia vivenciar a mesma fantasia durante o sono, e estes sonhos lhe faziam passar outro dia com sua atenção totalmente voltada a ele.
Sentia no fundo de sua alma que aquele seu sonho poderia ser trazido à realidade, por mais que isto dissonasse de toda realidade que conhecia até então, parecia-lhe loucura enquanto acordado, todo seu espírito racional apontava para que aquilo não passava de uma fantasia de um sonhador, todavia, durante seu sonho ele via no sinistro que beirava o inimaginável algo totalmente real, algo que ele sabia que estava vivenciando e não apenas sonhando.
Você que se aventurou em ler isso provavelmente está se perguntando “mas que diacho de sonho é esse?” Mas calma, tudo tem seu tempo não sejamos afobados como
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