O papel da música para o ator contemporâneo
Por: Mayara Alice Barbosa • 17/11/2015 • Resenha • 1.297 Palavras (6 Páginas) • 293 Visualizações
“A sonoplastia é uma reconstituição artificial de ruídos, sejam eles naturais ou não.” É assim que Patrice Pavis define o termo sonoplastia em seu Dicionário de Teatro. Mais adiante, comenta que “[a sonoplastia] raramente é produzida em cena pelo ator, é executada nos bastidores […].
Tais afirmações nos levam a pensar o papel da sonoplastia, em específico do uso da música, na cena. A música por muito tempo foi usada no teatro como acompanhamento de cena para criar “climas” e, juntamente ao figurino e ao cenário, era tratada como um adereço complementar, muitas vezes inserida depois que a peça estava pronta e prestes a estrear. Um dos primeiros encenadores a pensar sobre os sons da cena como algo maior do que seu recorrente uso decorativo, juntamente com Appia, foi Stanislávski ao inserir em suas peças sons diversos a fim de ressaltar uma ação em andamento (Roubine, 1998).
Sons de animais, meios de transporte ou que remetessem à ações da natureza (trovões, ventos) eram usados nas peças naturalistas de Stanislávski, criando ao mesmo tempo climas e imagens sonoras. Appia utilizada da música igualmente para dilatar os ambientes que criava em suas cenografias e iluminações inovadoras.
Essa nova visão foi igualmente repetida, refutada e até mesmo potencializada por diversos encenadores na Europa ocidental: Brecht usava a música com o intuito de quebrar a ilusão teatral, criando contrastes entre cena e som, evidenciando o distanciamento característico de suas obras. Em contraponto, Artaud via no aparato musical uma forma de enfatizar o ritual da cena, transportar o espectador para dentro do acontecimento teatral, fazendo com que a catarse se desse da maneira mais intensa o possível. Oposto à ambos os anteriores, inclusive à definição de Pavis, Grotowski demonstrava seu desgosto com o uso de sons provenientes de qualquer outro lugar que não fosse o palco, criando uma sonoplastia que se reduzia ás melodias possíveis de serem executadas por seus atores em cena (canto, percussão, execução de instrumentos).
Se encararmos o som e o ritmo como algo inerente à linguagem humana, uma vez que a fala é algo dotado de sons ritmados, e se considerarmos o teatro como uma atividade igualmente inerente ao ser humano, tendo em vista que o jogo teatral de improviso e imaginação é uma atividade realizada desde a mais tenra idade (Spolin, 2010), podemos pensar que o ato de conceber a sonoplastia de uma encenação juntamente como processo de criação cênica é algo mais que natural.
Quando falamos de som, logo somos levados a pensar em audição, porém mais do que isso: em tratando-se de teatro, se falamos de som, falamos de escuta. Barthes caracteriza três tipos de escuta: a primeira tem relação com a capacidade de detectar um ruído no ambiente, não diferente dos animais; a segunda escuta já é a habilidade humana de escutar signos no ruído e a terceira refere-se à escutar e ser escutado, refere-se à relacionar-se com o outro, criando laços e diálogos multiplos (Barthes, 1990)
Concluímos, então, que escutar não equivale a ouvir. A habilidade da escuta leva ao encontro com o outro: quem escuta, escuta algo, escuta alguém e esse alguém fala de algo (Barthes, 1990). Escutar demanda atenção ao que se escuta, enquanto ouvir trata da função
biológica de receber as vibrações sonoras provenientes do ambiente. Ao ouvir reconhecemos o meio ambiente no qual estamos inseridos; quando escutamos, criamos signos e significantes para o que é ouvido, estabelecendo relaçoes diretas e indiretas com o que é compreendido.
Assim, o processo de criação sonoplástica está intimamente ligado à criação cênica por tratar de estabelecer relações entre os atores em cena, e entre eles e os demais aparatos cênicos, relações tais que tornam a encenação consisa e concreta no sentido em que desenvolve as múltiplas atenções dos envolvidos na cena. O ator que encena lida com o conceito de ritmo a todo momento: seus passos no tablado, o andamento de sua dicção, sua movimentação no espaço cênico. Todas essas ações são dotadas de um ritmo e é a este ritmo, e áqueles provenientes de seus colegas de cena, que o ator deve escutar.
Assim, no contexto contemporâneo, a música em cena assume as mais diversas formas e funções dentro de um teatro com um quê de performance. É importante ressaltar que tratamos aqui como contemporâneo não apenas aquilo que se situa no mesmo tempo-espaço que vivenciamos atualmente, mas especificamente em ações cênicas que buscam inovar no quesito de criação dramatúrgica. Também tratamos performance aqui no sentido da união das linguagens artísticas em um único processo de criação, afinal performance busca essa união de linguagens, descartando o conceito de justa-posição por tanto tempo utilizado no teatro, estabelecendo relações intimas entre elas através da criação uníssona.
O figurino e a cenografia estão diretamente ligadas ao texto, o qual depende da movimentação dançada, que está ligada à música e esta complementa as criações plásticas. Assim, tanto quanto as demais linguagens artísticas, a música se apresenta ao ator-performer contemporâneo como um membro ativo da cena,
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