Resenha Livro
Trabalho Escolar: Resenha Livro. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: • 29/8/2014 • 2.197 Palavras (9 Páginas) • 450 Visualizações
RESENHA DA OBRA “CIDADANIA NO BRASIL – O LONGO CAMINHO”
O livro, Cidadania no Brasil- O Longo Caminho, escrito pelo professor José Murilo de Carvalho, trata da trajetória da construção da cidadania no Brasil a partir de sua independência, em 1822. Segundo o autor, “tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, políticos e sociais” , neste ordem. Esta distinção foi proposta inicialmente por T.A.Marshall. Os direitos civis garantem a vida em sociedade, os direitos políticos garantem a participação no governo da sociedade e os direitos sociais garantem a participação na riqueza coletiva da sociedade. Segundo Marshall, esta seqüência não é apenas cronológica, mas também lógica .
O capítulo em questão, Primeiros Passos (1822-1930), discorre sobre os 108 anos da história do Brasil desde sua independência até o final da Primeira República, em 1930. Segundo o autor, a construção da cidadania no Brasil não seguiu a mesma seqüência proposta por Marshall. Segundo ele, “entre nós o social precedeu os outros” . Neste capítulo ele argumenta o tema da seguinte maneira: primeiro, ele retrocede ao período do descobrimento até a independência (1500-1822), pois existem alguns elementos neste período que deixaram marcas distintas na construção da cidadania nacional, a saber: a dominação portuguesa, a exploração dos recursos naturais, o extermínio dos índios, o latifúndio e a monocultura escravagista; segundo, ele avalia a partir de 1822, onde, efetivamente, mesmo de forma lenta, inicia-se com os direitos políticos à frente a trajetória da
cidadania; e, por fim, ele descreve os grandes empecilhos que a herança colonial impôs aos direitos civis, base para o desenvolvimento lógico da cidadania, segundo Marshall.
Em seu período inicial (1500-1822), os colonizadores portugueses nos legaram um gigante territorial, mas também uma população analfabeta, uma sociedade escravocrata, uma economia monocultora e um Estado absolutista . Sem dúvida, segundo o autor, o fator mais negativo de todos para a construção da cidadania foi a escravidão . Ela constituiu-se em um ambiente extremamente desfavorável à formação de futuros cidadãos. Eles não tinham direitos básicos alguns, como: liberdade, justiça, integridade física, educação, e até a própria vida. Por outro lado, existia uma ausência sentida de um poder público que garantisse e amparasse os direitos dos próprios cidadãos comuns, sendo estes entregues, em sua maioria, aos grandes proprietários e chefes locais. O analfabetismo grassava em 85% da população. Quem quisesse seguir um curso superior teria que viajar para Portugal. Resumindo, neste período não havia sociedade política e nem “cidadãos”. Os direitos civis beneficiavam poucos. Os direitos políticos inexistiam e ainda não se falava em direitos sociais. Este era o triste quadro do Brasil Colonial.
A partir de 1822, com a proclamação da Independência do Brasil, os direitos políticos saíram na frente, contrariando a teoria de Marshall. Segundo o autor, “a Independência foi uma negociação entre a elite nacional, a coroa portuguesa e a Inglaterra, tendo como mediador o príncipe D.Pedro” ,
portanto, uma jogada política. A escolha pela monarquia deveu-se as elites que entendiam que somente a figura de um rei poderia manter a ordem social e a união das províncias. O povo não passou de um mero expectador. A Constituição outorgada em 1824 compôs o quadro político onde os três poderes tradicionais foram estabelecidos, acrescidos do Poder Moderador, privativo do imperador. Criava-se assim a monarquia constitucional. O voto e as eleições foram avanços importantes, embora tacanhos, na cidadania nacional, já que as eleições eram indiretas e em dois turnos, onde mulheres, escravos e aqueles com renda inferior a 100 mil réis eram impedidos de votar. As eleições eram na sua grande maioria uma luta política baseada em interesses locais dos coronéis dominantes. Eram intensas e violentas, corruptas e desleais. O povo servia aos interesses do chefe político local. Para garantir o voto, esses contavam com os cabalistas, os “fósforos” e o capanga eleitoral. Todos eles a serviço de angariar votos para eleger seu chefe local. O voto, com isso, tornou-se um ato, ora de obediência forçada, ora um instrumento de troca de favores, ora de lealdade e gratidão ao benfeitor. A compra de votos era uma prática comum e corriqueira e o pagamento feito de várias formas, como: dinheiro, roupas, animais, alimento, etc. O que imperava nas eleições era a corrupção durante e depois delas, pois se o número de votantes não fosse alcançado para determinado pleito, a eleição seria validada assim mesmo pelo “bico de pena”, ou seja, apenas com a caneta .
Em 1881,
segundo Carvalho, com a aprovação da nova lei que introduziu o voto direto e facultativo, elevou para 200 mil réis a exigência de renda e proibiu o voto dos analfabetos, houve um retrocesso nos direitos políticos e sociais já que 80% da população masculina e votante era analfabeta. Houve com isso um corte drástico no número de eleitores. Em sua opinião, este retrocesso foi duradouro, mesmo com a proclamação da República em 1889. Além dos analfabetos, os mendigos, as mulheres e os membros de ordens religiosas eram impedidos de votar. Ela exemplifica apontando que na primeira eleição presidencial da Primeira República, em 1894, votaram apenas 2,2% da população . Neste período, a representação política ficava a cargo das oligarquias estaduais formadas pelas elites locais, conhecida como “república dos coronéis” . O coronelismo era a aliança desses chefes locais com os presidentes de estado e desses com o presidente da República onde as fraudes e práticas corruptas eram comuns. Os coronéis perpetuavam-se no poder a qualquer custo. Um fato digno de registro, segundo o autor, é que mesmo com um cenário tão fraudulento na política, não houve no Brasil movimentos populares expressivos exigindo uma mudança de rumos.
Segundo o autor, os críticos da participação popular do direito ao voto cometeram quatro equívocos, a saber: primeiro, era achar que a população brasileira, saída da colonização pudesse exercer o voto de maneira idônea e sabia. O processo democrático deveria ser lento e gradual. Segundo, o despreparo para a democracia era geral, isto é, da
parte do povo e dos governantes. Terceiro, desconsideraram que as práticas eleitorais em países modelos eram tão corruptas como no Brasil. E, por fim, acharam que o aprendizado do exercício dos direitos políticos pudesse ser feita sem educação primária.
Na questão dos direitos civis, a herança colonial legou, segundo Carvalho, três graves empecilhos: a escravidão, o latifúndio e o Estado interventor . Apesar das leis que antecederam a abolição da escravatura (proibição do tráfico de escravos e Lei do “Ventre Livre”), o Brasil estava longe de obter em sua consciência coletiva valores de liberdade individual, base para os direitos civis. Após a abolição ocorreu um fato curioso que comprova esta tese: os ex-escravos passaram a possuir escravos. Segundo um escravo que fugiu para os EUA, no Brasil “as pessoas de cor, tão logo tivessem algum poder, tiranizavam seus companheiros, da mesma forma que um homem branco” . No Brasil, o argumento para a liberdade individual, mola mestra dos direitos civis, fundamentava-se na integração social e política. Para eles, a escravidão atrapalhava o desenvolvimento das classes e prejudicava o Estado. Notem que a liberdade individual como direito inalienável do ser humano não ocupava as consciências no Brasil, que insistia na supremacia de todo sobre as partes, de Estado sobre o cidadão, da hierarquia sobre a igualdade. Tudo isso se refletiu no tratamento dado aos ex-escravos após a abolição. Não lhes foi facultado emprego, terras, educação, dignidade e esperança. Passada a euforia da libertação, muitos retornaram as
suas antigas fazendas para trabalhar por baixo salário, outros se dirigiram às cidades, ingressando em trabalhos clandestinos, quando não introduzidos na marginalidade. Até hoje o Brasil colhe as conseqüências dramáticas na questão dos direitos civis aos negros. É a parcela da população menos educada, com empregos menos qualificados e os piores índices de ascensão social.
Já no que diz respeito à grande propriedade, ou latifúndio, foi outro grande obstáculo aos direitos civis. Os coronéis e o coronelismo, articulados com os governantes, negavam os direitos civis à população. Em suas propriedades imperava a lei do coronel, criada e executada por ele. Seus trabalhadores não eram cidadãos, mas súditos. Era, ao mesmo tempo, o legislador, juiz e executor da lei, impossibilitando o exercício dos direitos civis a quer que fosse. “A justiça privada controlada por agentes privados é a negação da justiça” , escreve Carvalho. Tudo o que diz respeito aos direitos civis, como o de ir e vir, o direito de propriedade, a inviolabilidade do lar, a proteção da honra e da integridade física, o direito de manifestação, ficavam todos dependentes do coronel. “Para os amigos, pão; para os inimigos, pau” , era a sua máxima.
Na cidade, a criação de uma classe operária contribuiu muito pouco para a formação da cidadania no Brasil. A industrialização concentrou-se no eixo de duas cidades: Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1920 havia no Brasil, segundo o autor, apenas 275.512 operários industriais urbanos. Portanto, uma classe ainda pequena e de recente formação. O avanço
da cidadania com o movimento operário foi inegável, porém bastante tímido. O movimento lutava por direitos básicos, como o de organizar-se, de manifestar-se, de escolher o trabalho, de fazer greve, por uma legislação trabalhista que regulasse o horário de trabalho, o descanso semanal, as férias e aposentadoria. Contudo, não houve muitas conquistas. Dentre os três blocos que articulavam mudanças, a saber: os amarelos, anarquistas e socialistas, somente os amarelos obtiveram algum êxito, talvez devido a ser o setor menos agressivo e mais próximo do governo. A verdade é que poucos avanços civis foram conquistados, e estes poucos não puderam ser postos a serviço dos direitos políticos. Nas palavras do autor, “Predominaram, de um lado, a total rejeição do Estado proposta pelos anarquistas; de outro, a estreita cooperação defendida pelos amarelos. Em nenhum dos casos forjava a cidadania política” .
Com os direitos civis e políticos tão precários, o direito social nem se fala. A assistência social era quase que exclusivamente realizada por associações particulares: irmandades religiosas ou sociedades de auxílio mútuo. Houve sim por parte de governo um retrocesso: a Constituição de 1891 retirou do Estado a obrigação de fornecer educação primária. Não cabia ao Estado promover a assistência social. A única medida de alguma importância foi a criação e o reconhecimento dos sindicatos como representantes dos operários. Para nosso espanto, somente em 1926, quando a Constituição sofreu sua primeira reforma, é que o governo federal foi autorizado a legislar
sobre o trabalho. Tímidas também foram as medidas no campo da legislação social, sendo a maioria delas após a assinatura pelo Brasil, em 1919, do Tratado de Versalhes e do ingresso do Brasil na OIT (Organização Internacional do Trabalho). Criou-se a Caixa de Aposentadoria e Pensão para os ferroviários e, três anos depois, um instituto de previdência para os funcionários da União, o que é muito pouco.
Um biólogo francês e um político brasileiro observaram conjuntamente a mesma precariedade na cidadania brasileira. Ambos, em datas diferentes, chegaram a mesma conclusão: “O Brasil não tem povo”. Isso significa a inaptidão cívica existente no Brasil, ou seja, a indicação de que no Brasil não havia um povo politicamente organizado, opinião pública ativa, eleitorado amplo e esclarecido, capaz de impor ao governo uma direção definida. Contudo, houve alguns movimentos políticos e populares que indicaram um início de cidadania mais ativa, como: movimento abolicionista, tenentismo (1922), revolta dos cabanos (1832), balaiada (1838), cabanagem (1835), canudos, dentre outros menores. Na verdade, a maioria deles eram movimentos reativos e não propositivos. Reagia-se a medidas tomadas pelo governo, embora houvesse nestes rebeldes um esboço de cidadão, mesmo que em negativo.
Será que com esta precariedade na cidadania brasileira existia um sentimento nacional de “ser brasileiro”? A realidade é que, pelo menos antes da guerra do Paraguai (1865-1870), não houve um sentimento de pátria comum entre os habitantes. A fragmentação do Brasil Colônia, aliada a
ideia de província que a valorizava mais do que a nação contribuíram para retardar o amálgama que daria ao povo a ideia de pátria. Conforme o autor, “a ideia de pátria manteve-se ambígua até mesmo depois da independência. Ela poderia ser usada para denotar o Brasil ou as províncias [ ]. A identificação emotiva era com a província, o Brasil era uma construção política, um ato de vontade movido antes pela mente do que pelo coração” . Segundo Carvalho, o principal fator de produção de identidade brasileira foi a Guerra do Paraguai, e mesmo depois da guerra poucos acontecimentos tiveram impacto significativo na formação de uma identidade nacional. Nem a proclamação da República foi um marco nesta identidade, já que foi um movimento político onde a manifestação popular foi ínfima.
O que se pode concluir deste período (1822-1930), então, é que até 1930 não havia povo organizado politicamente, nem com sentimento nacional consolidado. A participação na política era limitada a pequenos grupos. A grande maioria da população tinha com o governo uma relação de distância, suspeita, quando não de aberto antagonismo. Quando o povo agia, em geral o fazia como reação ao que considerava arbitrário. Os direitos civis suprimidos em favor de um Estado agigantado e os direitos sociais em sua época ainda embrionária. Em suma, o Brasil, seja na Colônia, seja no Império, seja na República, era ainda uma realidade abstrata e seu povo mais espectadores do que promotores de mudanças. Mas, de certa forma, e guardando as devidas proporções, ainda não permanecemos assim?
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