Trilha Sonora e sonoridades organologia - A primeira viagem
Por: Pedro Cosme • 29/5/2018 • Artigo • 872 Palavras (4 Páginas) • 272 Visualizações
Não é difícil de imaginar um osso de um animal esquecido ou morto em algum lugar distante, em um tempo distante. Um osso pré-histórico, vazado, furado pelo tempo e pelos fenômenos do tempo. O vento que ali sopra produziu um som diferente, com características, com seu timbre e sua extensão. Também não é difícil de imaginar um homem (ou um primata) de cro-magnon ou de nerdenthal percutindo com um outro osso, talvez de seus próprios e próximos antepassados, sobre um outro osso. Pode ter sido um tíbia ou um fêmur sobre um crânio. Antes disso tudo, alguém deu um grito e descobriu a voz. Esses foram, sem dúvidas, os primeiros instrumentos musicais da terra. Depois, muito tempo depois, alguém nesse mundo pós - jurássico matou um animal, talvez um felino, e esticou sua pele sobre um tronco e suas tripas em uma vareta arqueada. Dedilhou e percutiu mais uma vez. Daí em diante, a humanidade relacionou, transformou e criou seus instrumentos musicais. Em todos os momentos da sociedade, em todas as suas manifestações os instrumentos de música exerceram uma simbologia e responderam por determinados hábitos. Na antigüidade politeísta, os deudes poderiam ser enfurecidos e louvados, acalentados e despertados pelos sons dos instrumentos.
No Egito antigo, o faraó Tutankhamon foi mumificado junto a um trompete. Na Grécia clássica, Apolo tocava uma cítara e Dionísio tambores; representaram respectivamente, o equilíbrio e o desequilíbrio da pólis aristocrática. Na sociedade cristã, sabe-se que Davi cantava com uma cítara ou um saltério. Na primeira Idade Média, Santo Agostinho compara, um de seus sermões, Cristo esticado na cruz a uma pele esticada em um tambor. Depois vem São Jerônimo, que desejava que nenhuma menina educada jamais viesse a saber o que era um alaúde; depois um abade francês, Aeldred de Rivaulx, que chamava o órgão e seus mecanismos de produção de som, de estrondos do trovão com um terrível soprar de foles. No século XII, São Clemente de Alexandria dizia que não eram necessários os instrumentos musicais: " usamos um só instrumento, isto é, a palavra da paz com que cultuamos Deus; não precisamos mais do antigo saltério, trompete e tambor com trompete ". Quatorze séculos depois, Monteverdi representou em sua ópera Orfeu a fanfarra do Duque de Mântua, D. Francesco Gonzaga, uma representação sonora, timbrística e instrumental da pompa e da hierarquia barroca. A Aristocracia era o próprio som dos instrumentos de sopro, como a trompa e o trompete. Já no século XVIII, o papa Benedito XIV lançou a Encíclica Annus Qui, onde promulgava a proibição de alguns instrumentos musicais, como violino, tambor, orgão, timbales e flauta.
Na América, depois que Hernan Cortez conquistou o México e mandou para um outro mundo Montezuma e seus astecas, trouxe o frei de Haro, que mandou queimar todos os instrumentos indígenas. Na colônia portuguesa, ou no paraíso tropical lusitano, nossos patrícios fizeram o mesmo e se isolaram ( ou articularam ) com as formas de fazer música dos índios brasileiros e dos escravos africanos. Ainda no Brasil, em fins do séuclo XVIII e nos inícios do século XIX, qualquer indivíduo que fosse visto tocando um violão ou como disse gonzaga, " dançando o vil batuque e o quente lundu ", poderia ser preso. No final do século XIX e até a década de vinte do nosso século, o violão e outros instrumentos, eram ícones da malandragem, dos desclassificados e o piano, por sua vez, a representação da burguesia pré-industrial. Diga-se de passagem, que o violão só foi admitido como instrumento musical, como qualquer outro, a partir de 1940, um pouco mais ou menos, quando passou a ser usado em conservatórios. O fim bíblico dos tempos está anunciado com sete anjos tocando sete trombetas.
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