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Apropriação Cultural Numa Leitura Materialista

Por:   •  10/8/2016  •  Ensaio  •  1.389 Palavras (6 Páginas)  •  211 Visualizações

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A chamada “apropriação cultural” numa leitura materialista

João Augusto dos Reis Neto

        Antes de começar a minha reflexão, preciso destacar dois pontos básicos para que se possa fazer uma leitura mais fluida e menos inquisitiva acerca do meu posicionamento. O primeiro ponto a ser destacado é a necessidade de se instaurar um debate mais claro, mais amplo, mais democrático e acima de tudo mais respeitoso acerca do tema aqui proposto. É impossível imaginarmos um debate centrado numa leitura unilateral da realidade que frequentemente já predispõe uma conclusão deste. Isso significa, na prática, que não se pode discutir uma questão como essa na perspectiva autorreferente de uma ideia, ou considerando já uma posição ideológica posta.        
        O segundo ponto é que a leitura materialista que faço nesta reflexão, tomando por base a perspectiva marxista, não pretende resolver ou dar uma solução mágica para este campo de indagações, e até mesmo para esta questão. Tenho consciência de que este é um passo inicial para construir uma leitura mas completa e mais sólida da questão acerca da chamada “apropriação cultural”.          
        Posto isto, é preciso que começamos a pensar sobre a ideia da chamada apropriação cultural. Essa ideia é relativamente antiga, mas ultimamente tem sido falado, trazida à discussão por estarmos em um momento histórico onde há uma supervalorização do pensamento pós-moderno que supervalorizam algumas questões do particular sem considerar o processo histórico que estrutura e dá sentido à realidade concreta. Há ainda uma fúria instalada numa (pequena) parcela de militâncias, incluindo a do movimento negro, que nada contribuem de fato para uma discussão séria acerca desta questão. Essas ideias, comumente são embasadas em opiniões particulares e casos pontuais, ignorando as verdades históricas do processo que constitui a sociedade. Então, o que significa a “apropriação cultural”?         
        Podemos considerar, de modo bastante genérico, que apropriação cultural, nesse sentido, é quando um grupo ou uma sociedade “se apropria” de um elemento cultural, seja material ou imaterial, de um outro povo. Ou seja, o incorpora na sua por um movimento orgânico de diálogo cultural e desse modo, não lhe legando o respeito devido, de acordo com a minha leitura.

        Por exemplo os dreads indianos e demais povos indo-africanos, ou os turbantes africanos, usado muito além da África subsaariana (diferente do que supõe muitas pessoas que escrevem sobre o assunto – leia-se blogueiros e blogueiras que usam apenas internet para gritar suas ideias que usualmente são esvaziadas de conceitos teóricos.) Nesse pacote de “elementos apropriados” está também a música, a comida, a religião, etc.        
        À primeira vista faz sentido pensar que grupos dominantes, em sua maioria brancos e ocidentais, se apropriam de elementos e signos culturais de culturas que eles mesmos, em algum momento histórico subjugaram.  Porém, é bom irmos com bastante calma. O que está por trás de fato, desse “movimento de apropriação cultural” que estamos ouvindo falar por aí? Eu, humildemente, sugiro uma resposta, é o próprio sistema capitalista, através do consumo.        
        Quando uma “tradição ou um produto cultural” se torna desejável por uma parte da sociedade que outrora não a via presente na malha social, não quer dizer pura e simplesmente que aquelas pessoas agora desejam aquilo porque querem se apropriar dele através de um processo de dominação e jugo. Quer dizer que este produto cultural se transformou em um bem a ser consumido. Simples assim. Nesse sentido, o capitalismo, em diversos momentos da história, utilizou e utiliza a suposta diferença entre “raças” para construir nada mais nada a menos que um eficiente instrumento de dominação, supraracial, visando o lucro. Vejamos o exemplo da música caipira.         
        Ela nasce com o homem do campo (e aqui refiro-me mesmo aos homens, pois às mulheres eram legadas outras tarefas, dentro desta estrutura social), o sertanejo, o homem que vive nos campos, nas veredas, nos sertões. Ela conta o cotidiano deste homem através da viola caipira, que vivem necessariamente neste meio. Então, depois de um tempo existindo e resistindo como cultura
sui generis (própria do lugar) ela é levada para a cidade. Levada não por puro e simples movimento orgânico, mas sim por um interesse, comercial. Lá é comercializada, vendida para quem pode pagar. Depois, por um processo clássico do capitalismo ocidental, é massificado. É jogado para as grandes massas, fazendo-a ser consumida por todo e qualquer indivíduo que participa deste coletivo social, ainda que o mesmo não aprecie a estética musical da música caipira.         
        O sujeito, que por último foi atingido
quando comprou um disco de moda de violas, não incorporou este em sua cultura urbana como forma de apropriação, na verdade, ele nem se questionou sobre isto. Apenas ouviu, porque alguém disse para ouvir, comprou porque era desejável, neste tempo e espaço histórico, possuir um disco de modas de viola caipira. Pronto, foi isso. É claro que este exemplo, é uma simplificação de algo que é mais complexo, porém é bastante didático e elucida claramente a lógica capitalista.        Não podemos simplesmente dizer que há um processo de apropriação cultural, quando a indústria cultural, como dito por Theodor Adorno (1985) filha do capitalismo em sua fase de consolidação no século XX, torna a cultura como um produto a ser comercializado. Ou seja, alguém detém o meio de produção, explora a força de trabalho da classe operária e vende para outros milhares, que incluem essencialmente os que foram explorados no processo de produção do bem ou serviço cultural. Esse alguém é o próprio capital que se materializa na defesa da propriedade privada e se expressa na exploração da classe trabalhadora. Esse alguém é aquele que detém o capital, a burguesia.
        A verdadeira apropriação na leitura materialista histórica, a qual compartilho, é a apropriação de todas as culturas pelo CAPITALISMO, ou seja, o capital massifica, homogeniza, descaracteriza e apaga identidades, para que deste modo, todos sejam consumidores em potencial. Ora, nesse sentido, então nos parece claro que há um processo que destoa da suposta apropriação cultural. Há um movimento programado para a utilização das supostas diferença entre “raças” para legitimar o consumo. Quanto aos elementos culturais ele transforma eles, quando é conveniente aos interesses da burguesia, em produtos a serem comercializados, afim de gerar riqueza, como o caso dos turbantes na indústria da moda.        
        Ainda tomando o exemplo do turbante, tão colocado em holofotes, podemos perceber que o que influencia o uso, são as campanhas midiáticas, a serviço do capital, que ditam padrões de consumo e comportamento. Nesse sentido não podemos recortar um elemento, principalmente num contexto multicultural como o do Brasil, e dizer que qualquer utilização não vinda de uma identificação étnica é apropriação. O que é apropriação é o que o capital fez transformando o turbante num produto a ser consumido, o colocando inclusive como uma “tendência”.        
        Por fim, ouso destacar ainda que “apropriação cultural” é uma ideia pós-moderna. Sim, pós-moderna, inclusive porque não atinge o cerne da questão da luta de classes, a qual estrutura a sociedade contemporânea, não a percebe em sua totalidade. É uma discussão que compartimentaliza, individualiza, e subjetiva as assimetrias causadas pela dominação e exploração da classe trabalhadora. Tal concepção não invalida a discussão em torno desta temática, porém é relevante destacar isso, pois nenhum marxista, que compreenda bem as ideias proposta por Karl Marx, não irá chama à discussão a defesa de uma exclusividade cultural, ou mesmo ditar padrões de relacionamento, como muitos defensores dessa ideia de “apropriação cultural” faz.

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