OS JESUÍTAS E A CONTRA-REFORMA: CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DA LEITURA NO BRASIL-COLÔNIA
Dissertações: OS JESUÍTAS E A CONTRA-REFORMA: CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA DA LEITURA NO BRASIL-COLÔNIA. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: ederrocha00 • 9/4/2013 • 4.574 Palavras (19 Páginas) • 1.298 Visualizações
OS JESUÍTAS E A CONTRA-REFORMA: CONTRIBUIÇÕES PARA A HISTÓRIA
DA LEITURA NO BRASIL-COLÔNIA
Marcos Roberto de Faria – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(doutorando) e Universidade Federal de Alfenas (docente).
1. Introdução
“Toda leitura coincide com o tempo da enunciação do discurso”
(HANSEN)
De acordo com Michel de Certeau (1982), em história, tudo começa com o
gesto de separar, de reunir, de transformar em “documentos” certos objetos
distribuídos de outra maneira (CERTEAU, 1982, p. 81). Para ele, por conseguinte,
quando se é historiador, que fazer senão desafiar o acaso, propor razões,
compreender? Mas compreender não é fugir para a ideologia, nem dar um
pseudônimo ao que permanece oculto. É encontrar na própria informação histórica o
que a tornará pensável (CERTEAU, 1982, p. 123).
Hansen (1999), destaca, contudo, que “a história literária não é mais uma
evidência”. Nesse sentido, o autor faz alguns alertas fundamentais. Segundo ele, no
século XVII luso-brasileiro, “não funciona necessariamente a oposição de
alfabeto/analfabeto, que costumamos generalizar para todas as épocas como uma
história natural da constituição do sentido” (HANSEN, 1999, p. 169). Assim, no caso
de Portugal e sua colônia, fatores como a opção católica pela transmissão oral da
traditio canônica, a difusão dos padrões cortesãos da agudeza e da discrição, a
interpretação providencialista dos eventos históricos e das coisas da natureza etc.
“deveriam bastar para nos impedir de generalizar a concepção de alfabetismo pela
qual as representações são sempre apropriáveis segundo o modelo do texto escrito
ou do livro” (HANSEN, 1999, p. 170). Da mesma maneira, “os discursos que hoje
lemos como literatura, segundo critérios de autoria, autonomia estética,
originalidade, unidade e coesão estilística, não eram literários nem necessariamente
legíveis. É o caso da oratória sacra e da poesia satírica, produzidas para fins
utilitários e polêmicos e inicialmente dirigidos à audição” (HANSEN, 1999, p. 170 –
grifos do autor). Nesse sentido, para o autor, “toda leitura coincide com o tempo da
enunciação do discurso” (HANSEN, 1999, p. 174).
Bem, com a Contra-Reforma, a Igreja católica redireciona sua prática,
sobretudo a partir do Concílio de Trento1. Nessa ambiência, de acordo com Certeau,
1 O Concílio de Trento constituiu-se em uma das expressões mais fortes da Contra-Reforma. Por conseguinte, seus decretos
foram seguidos fielmente pela Igreja e, mais especificamente, pela Companhia de Jesus. O papado empenhou-se na
realização de suas resoluções, emprestando-lhes força e vida. Tanto que Pio IV criou, em 2 de agosto de 1564, uma
Congregação Cardinalícia para interpretação autêntica dos seus decretos. “Seu sobrinho, Carlos Borromeu, como arcebispo
de Milão, por sua atividade, tornou-se o protótipo de um pastor tridentino. Pio V, sucessor de Pio IV, enviou, para
observação, as edições oficiais dos decretos conciliares a todos os bispos; elas chegaram até à América e ao Congo...
Executando uma resolução do Concílio, mandou ele publicar o ‘Catecismo romano’, um manual de doutrina da fé, baseado
nas definições tridentinas” (JEDIN, 1961, p. 140). É relevante destacar, ademais, que os decretos do Concílio foram aceitos
1
a religião é progressivamente dirigida, durante o decorrer do século XVII, para o
terreno da prática. Entre os jesuítas, a religião visa a introduzir o cristão nas leis da
moralidade pública. Segundo Certeau, “o lugar decisivo, doravante são os costumes
mais do que a fé”. Assim, de acordo com o autor, as grandes campanhas escolares
e missionárias da Igreja, durante o século XVII, são bem conhecidas: visam
especialmente as “regiões” geográficas, sociais, culturais, deixadas sem cultivo até
então. “Uma unidade nacional é então promovida e delimitada pela aquisição,
inicialmente catequética, do conhecimento. O ‘resto’ será rejeitado para o folklore ou
eliminado” (CERTEAU, 1982, pp. 135-6). Por conseguinte, a descoberta do Novo
Mundo, o fracionamento da cristandade, as clivagens sociais que acompanham o
nascimento de uma nova política engendram um outro funcionamento da escrita e
da palavra. Torna-se o instrumento de um duplo trabalho que se refere, por um lado,
à relação com o homem “selvagem”, por outro, à relação com a tradição religiosa.
“Serve para classificar os problemas que o sol nascente do ‘Novo Mundo’ e o
crepúsculo da cristandade ‘medieval’ abrem à intelligentsia” (CERTEAU, 1982, p.
213). Assim, para o autor,
O selvagem se torna a palavra insensata que encanta o discurso ocidental, mas que, por
causa
...