Distrito 9: Exercício de alteridade na compreensão da segregação racial
Por: lmcc83 • 14/4/2016 • Resenha • 1.908 Palavras (8 Páginas) • 423 Visualizações
Distrito 9: Resenha de Antropologia
Distrito 9: Exercício de alteridade na compreensão da segregação racial
CRAPANZANO, Vicente. Estilos de interpretação e a retórica de categorias sociais. In.: REZENDE, Claudia Barcellos; MAGGIE, Yvone (orgs.). Raça como retórica: a construção da diferença. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, p. 441-459.
DISTRITO 9. Roteiro Blomkamp e Terri Tatchell. Produção Peter Jackson e Carolynne Cunningham. África do Sul/Canadá/Estados Unidos/Nova Zelândia: TriStar Pictures, 2009, Cor.
FREYRE, Gilberto. Sobrados & Mocambos: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. 7 ed. Rio de Janeiro: Jo´se Olympio, Instituto Nacional do Livro/Fundação pró-memória, 1985, 2 tomos.
FRY, Peter. Feijoada e soul food 25 anos depois. ESTERCI, Neide; FRY, Peter; GOLDENBERG, Mirian (Orgs.). Fazendo antropologia do Brasil. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p. 35-54.
HANDERSON, Joseph. Diaspora: sentidos sociais e mobilidades haitianas. In.: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 21, n. 43, p. 51-78, jan./jun., 2015.
SCHWARCZ, Lilia K. Moritz. Usos e abusos da mestiçagem e da raça no Brasil: uma história das teorias raciais em finais do século XIX, in.: Afro-Ásia, n. 18, 1996, 1996.
O longa metragem distrito 9, com roteiro de Blomkamp e Terri Tatchell, e produção de Peter Jackson e Carolynne Cunningham, foi lançado em 2009, classificado como gênero ficção científica, abordando a temática de segregação racial e xenofobismo (o que é percebido durante as entrevistas com a população, em uma espécie de documentário, “se eles fossem de outro país eu até entenderia, mas eles nem são deste planeta” – disse um entrevistado). A narrativa inicia com imagens que constroem, entre entrevistas e reportagens de TV, informações sobre a chegada dos aliens em Joanesburgo, África do Sul, em 1982 (data que aparece em umas das imagens de contato com a nave-mãe no inicio do longa, mas cuja temporalidade é marcada por aproximadamente duas décadas, ou mais de 20 anos, no decurso de toda narrativa quando se refere a chegada da nave-mãe), para em seguida apresentar a ação do governo, depois de três meses de inércia da nave, invadi-la à força pelo casco. A empreitada do governo culminou com o achado de milhares de aliens subnutridos e doentes, que em um primeiro momento tiveram todos os cuidados, mas que em seguida foram contidos em um espaço físico que recebeu o nome distrito 9, o qual era cercado militarmente com um enorme grau de vigilância armada.
Os aliens são popularmente conhecidos por camarões com a justificativa da semelhança entre eles, embora em algumas falas esse termo seja problematizado como pejorativo e desqualificador. À todo momento é marcado no filme o lugar de cada individuo (aqui nos referindo tanto aos humanos quanto aos aliens) por meio de placas informam a exclusividade de acesso aos espaços, o que é somente para humanos e o que é somente para aliens. Capranzano (2001), ao abordar sobre os “Estilos de interpretação e a retórica das categorias sociais”, nos permite lançar um olhar de compreensão sobre a equivalência construída na associação semântica de camarões iguais a aliens fixando-os em uma classificação hierárquica de inferioridade. Capranzano ao problematizar os sistemas de classificação apresenta duas dimensões, uma chamada de semântica ou semântica-referencial e a outra, de pragmática, desse modo debate acerca desta segunda dimensão em seu texto, acrescentando que “todo sistema classificatório não apenas divide o mundo em unidades semânticas que já têm, elas mesmas efeito pragmático, mas também “declara” a maneira como essas unidades devem ser manipuladas e avaliadas, em outras palavras, esses sistemas determinam o jogo permissível de suas unidades semânticas, gramaticais e pragmáticas, determinam a maneira como as unidades de classificação [no nosso caso, aliens/camarões] podem ser manipuladas” (p. 444). Assim, no decurso das narrativas, os aliens são apresentados como violentos, perigosos, comedores de lixo, burros, ladrões (“levam tudo da gente” – disse uma pessoa), tendo como seu divertimento o que para nós (segundo um dos entrevistados) é vandalismo, ressaltando a “diversidade” de compreensão que não se “encaixa” na boa conduta humana, o que, utilizando o pensamento de Capranzano, ressaltamos que no plano pragmático (jogo retórico), “o poder se introduz na classificação” (p. 446).
Nessa perspectiva, os discursos de eugenização materializados na retirada dos aliens do distrito 9 (que é na cidade) para outro espaço à 200km (distrito 10), os quais são fomentados pelas falas da população e de alguns entrevistados, para a “maior segurança” do humanos, correspondem a um dos pontos de crítica estabelecidos no filme, o que de certo modo, nos lembra um pouco as análises de Gilberto Freyre em sobrados & mocambos, quanto ao equilíbrio dos antagonismos e as relações entre dominantes e dominados na organização da estrutura social, onde a periferia era lugar de negros e pardos, os quais eram vigiados, controlados e contidos.
As relações econômicas constituídas dentro no distrito 9 eram estabelecidas em uma espécie de troca, onde os humanos que viviam neste espaço (os quais são caracterizados como criminosos e bandidos) exerciam o comando de poder em relação aos aliens, estes para conseguirem comida, especialmente comida de gato (que era a moeda de troca), ofereciam os armamentos alienígenas que eram o “desejo” dos homens, principalmente o desejo de encontrar uma maneira de utilizá-lo.
As disputas entre aliens e humanos podem ser organizadas em dois grandes grupos para entendermos os discursos apresentados e manipulados. O primeiro está relacionado à compreensão de pertencimento, quando é ressaltada a busca pelo retorno a “casa”, em relação aos aliens, e a afirmação dos humanos que eles não sabem o que é propriedade, “precisamos ensinar que esse lugar é nosso” – disse um personagem. O segundo relaciona a utilização tecnológica, especialmente ao armamento alienígena, visualizado, principalmente, com a cooperação entre governo e uma multinacional referência na produção de armamento – a MNU, que em uma frente é justificada pela “pressão” da população para a retirada e eliminação dos alienígenas e por outra, por uma empreitada de aquisição quantitativa de armamentos e de “cobaias” para os testes de utilização efetiva das armas, as quais possuíam operação vinculada ao DNA alien.
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