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O Que é Mais Valia

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Por:   •  12/10/2014  •  1.434 Palavras (6 Páginas)  •  409 Visualizações

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A ACUMULAÇÃO PRIMITIVA E MAIS VALIA

Visitei uma aldeia de pescadores onde as águas eram tão piscosas que uns pirralhos em poucos

minutos lutavam para não serem pescados pelas corvinas que lhes mordiam os anzóis... Se o mar é

generoso e uma criança pode dele arrancar o sustento diário de toda uma família, que razão levará o seu

pai a se matar de trabalhar?

Se perguntássemos ao pescador-mirim onde se encontrava esse último, certamente responderia

“jogando sinuca”, no único e alquebrado boteco da localidade. Seguramente estaria dizendo verdade. O

pai poderia trabalhar um par de horas numa roça de que dispunha perto da praia (ou mandar a mulher

fazer este serviço...) e à tardinha dedicar-se a recolher armadilhas e anzóis que deixara de véspera e,

conjuntamente com o que pescassem seus filhos, dispor de mais do que o necessário para alimentar a

família. Se algum “gringo” o chamasse de preguiçoso ele arregalaria uns olhos mais brancos que os da

Simone e, se estivesse de bom humor, soltaria uma gargalhada. O excedente poderia ser vendido para

eventuais turistas e o dinheirinho resultante, utilizado na compra de artigos não fabricados localmente

como o querosene, a cachaça, o sabão ou a pólvora.

Suponhamos que, atraído por águas tão generosas, uma empresa resolvesse levar seus grandes

barcos para o local e pescar em escala industrial. Dependendo da capacidade destes de surrupiar e enlatar

todos os cardumes da área, a pesca no litoral poderia tornar-se mais difícil do que vender bicicletas para o

Saci Pererê.

Com a escassez de peixes, os pescadores teriam que dedicar cada vez mais tempo para pescar a

mesma quantidade que antes. A rapina poderia chegar a tal ponto que os pescadores das margens, mesmo

trabalhando de sol a sol e de lua a lua, nada pescariam exceto torcicolos nas noites de ventania. Em

síntese, a pesca deixaria de ser viável para o pequeno pescador, e a menos que ele pudesse compensar

essa queda na produção de peixes com produtos da roça, as coisas ficariam pretas.

No interior de Minas, os caboclos costumam dizer que “desgraça pouca é bobagem...”. Seguindo o

refrão, suponhamos que, além dos barcos terem exterminado os peixes do litoral, as pequenas roças onde

os pescadores produziam feijão, mandioca, banana, milho, batata doce e criavam animais de pequeno

porte fossem tomadas por grileiros no peito e na marra. Se isto acontecesse, estes pescadores e

agricultores perderiam suas condições objetivas de produção. Isto é, não teriam mais terra para cultivar,

nem peixes para pescar, embora conservassem a capacidade de trabalho para fazer qualquer uma das

coisas, ou as duas combinadamente.

Sem as condições objetivas de produção, isto é, sem os meios de produção, a capacidade de

trabalho nada vale uma vez que não pode isoladamente resultar em produtos. Nesse caso, o valor de uso

da força de trabalho para o seu possuidor é nulo. Para ele a força de trabalho terá apenas valor de troca,

pois os proprietários dos meios de produção ou os capitalistas também têm um problema sério embora

muito menos dramático: sem o trabalhador, os meios de produção são tão inúteis como um pára-quedas

rasgado. Os empresários então são obrigados a comprar a força de trabalho dos trabalhadores, assim como

estes não têm outro remédio senão vendê-la aos primeiros.

Esse processo de expropriação dos meios de produção dos trabalhadores que supostamente ocorreu

nesta aldeia de pescadores apenas ilustraria nos tempos atuais a condição prévia para a existência e

desenvolvimento da produção capitalista: a expropriação dos meios de produção dos produtores diretos,

isto é, dos trabalhadores, quando não resta outra alternativa aos que sobreviveram senão vender a sua

força de trabalho a seus expropriadores. No capítulo XXIV do O Capital, Marx faz uma contundente

exposição de como esse processo, chamado de “acumulação primitiva” aconteceu na formação do

capitalismo europeu a partir do século XVII. Diz ele: “Esta acumulação primitiva desempenha na

Economia Política o mesmo papel que o pecado original na Teologia”.

Mas, voltemos aos nossos pescadores que ficaram a ver navios. Sem condições de obter a

subsistência poderiam tentar arranjar um emprego nos grandes barcos como simples operários da pesca.

Nesse momento aconteceria inevitavelmente uma negociação em torno de quanto um estaria

disposto a pagar, e quanto o outro desejaria receber em troca de sua força de trabalho. Mas quanto vale a

mercadoria força de trabalho que o trabalhador pretende vender ao capitalista?

Depois de informado de que terá de trabalhar oito horas diárias no barco, o pescador poderia pensar

com seus anzóis: “Antes, em oito horas, eu pescava dez peixes de bom tamanho. Como cada peixe podia

ser vendido por 10 reais, é só multiplicar por dez: o meu salário deve ser 100 reais por dia”.

Enquanto isso o dono do barco estaria ruminando bem-intencionado:

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