O Senhor das Moscas

1. Por que o filme se chama “O Senhor das Moscas”?

Escrito no pós-guerra, novo período de desencantamento com a humanidade, o filme faz uma série de analogias, a começar pelo título, que se refere a Belzebu (Baal-Zeboub), deus filisteu transformado em príncipe dos demônios pelos hebreus e cristãos, cujo significado etimológico do nome é justamente Senhor das Moscas. Basicamente, o filme trata da descoberta do mal que existe no coração do homem que, independente da idade e do meio onde este vive, surge como algo natural. Mostra como crianças (entre 6 e 12 anos), após um acidente aéreo, sobrevivem em uma ilha perdida, sem a presença de adultos (autoridade), abastecida de comida e bebida à vontade (clara analogia ao Éden), e como essa situação vai se desenvolvendo à selvageria assim que surge a figura dos porcos, um dos alimentos que a ilha oferece e, que bem adiante no livro, se tornará o senhor das moscas (alusão ao Belzebú e à tentação do Éden). O livro quer mostrar como os meninos, apesar de terem recebido fina educação inglesa, regridem à pura selvageria, criando ritos e sacrifícios, desrespeitam as "leis" por eles mesmos acordadas e chegam até a matar uns aos outros após viverem algum tempo nesta ilha. Tudo em função do medo do desconhecido, da forma como os líderes do grupo exploram o medo do mundo externo e fazem com que os seguidores os obedeçam.

1. É possível afirmar que o personagem Ralph é similar ao modelo de Locke enquanto Jack traduz o modelo hobbesiano? Justifique sua resposta.

Sim, é possível. A representação Lockeana  através do personagem Ralph, dar-se pela roupagem democrática e racional de seus esforços durante o processo civilizatório do grupo de crianças. Ralph vislumbra um sistema baseado na lei e na ordem (demostrados a partir do símbolo da concha,  objeto que representa a voz democrática,  acessível à todos), característica  associada à democracia liberal do pensamento Lockeano. Em contra partida, Jack representa o fruto (consequência) da ausência da coerção e da força na liderança de Ralph. Segundo Hobbes, se a sociedade carece de um poder central temível o suficiente para incentivar o respeito as suas normas, os membros pouco a pouco, um após o outro, vão abandonar a sociedade e seu estatuto, entregando-se, irremediavelmente, ao estado de natureza, numa sombria guerra de todos contra todos. Apesar de ambos serem contratualistas, Hobbes e Locke possuem divergências nítidas sobre alguns assuntos. Enquanto a teoria Lockeana é respaldada por uma influência representativa (parlamentarismo) datada do pós revolução gloriosa ( 1688-1689), a teoria Hobbesiana sofre profunda influência do absolutismo monárquico (pré- revolução gloriosa). Portanto, por essa óptica, podemos compreender a defesa da construção de um estado forte e temível por parte de Hobbes, ou seja, o leviatã, que impõe através do medo, a obediência de todos. A ausência desse  Leviatã  faz com que o homem (Jack) acabe sendo movido por seus instintos mais sombrios, buscando apenas vantagens pessoais. É o Estado em que não há quem dite normas, contrário ao estado regido por um soberano e garantido por um contrato.

1. É comum encontrar afirmações de que a estória do Senhor das moscas traduz o momento no qual o livro é escrito, 1954, o auge da guerra fria. Discuta essa afirmação, tendo como base a noção de poder para as relações internacionais.

A produção cinematográfica, Senhor das moscas parte de um contexto similar ao fato histórico ocorrido no mundo, nos anos de 1957, quando eclodiu no ar a chamada guerra fria, responsável por separar o mundo entre dois polos de poder comandados por duas potências (EUA e URSS). O mundo quase inteiro foi dividido, durante todo o período da guerra fria, que esteve sob influencia de um dos lados, no qual cada um buscava alcançar maior influência e consequentemente causar deterioração do outro. Uma guerra travada por ideologias, cujos personagens almejavam o poder e a soberania, a qual vem apresentar-se nesta produção fazendo um paralelo a esse fato histórico, enquanto a abordagem desta dramaturgia centraliza-se em torno da queda de um avião numa ilha, com um grupo de crianças inglesas, que desamparados e sem rumo irá vivenciar um cenário de contrastes. Pois vitimas de uma nova realidade, onde não haverá regras, e nem autoridade aquele momento abrirá espaço para disputa entre dois grandes personagens de personalidades diferente, cenário esse similar ao da guerra fria. O momento de desestabilização e temor cria-se a necessidade de organização para sobreviverem ao desconhecido naquela ilha. Ralph é um personagem aparentemente responsável, e talvez por ser o mais velho e compreensivo, é escolhido como líder pelo grupo em uma votação, ele é aceito pelo grupo, pois oferecia ao grupo o respeito, unidade e estabeleceu regras para que houvesse ordem, pois ele acreditava que seria uma forma de manter o grupo junto até o resgate chegar à ilha, ele tem uma grande aceitação pelo grupo, havia uma forte confiança dos demais para com ele. Naquele momento havia um equilíbrio, existia uma ordem, e se instituiu ali uma nova sociedade. Porém Jack em dado momento se contrapõe as regras de Ralph, e acredita que a prioridade não é se limitar a ficar a espera de um resgate fazendo sinais. E sim a busca pela comida para a sobrevivência do grupo, e adaptação ao meio, pois talvez o resgate nunca chegasse até eles. Isolados e quase sem expectativas, o novo ambiente cria em Jack um novo personagem cruel e agressivo. Então surgem as ideologias que predominará em ambos os lados, e causará a separação no grupo. Essa divisão trará fortes consequências, além da disputa pelo poder, haverá uma forte ideologia agressiva, com influência, e ameaças que tornará o grupo de Jack mais forte e dominante, capaz de impor medo sobre os demais e os colocar uns contra os outros. Tornando o grupo de Ralph vulnerável e frágil O quadro é de constantes atritos, desrespeito, violência e opressão para com o grupo de Ralph que acaba sendo eliminado e ficando apenas ele como sobrevivente do seu grupo. Através deste filme, é possível é perceber como se da à relação de poder no sistema internacional, assim como no filme os estados estão em permanente busca pelo poder, e soberania para com outros estados, usando suas estratégias, criando meios de influência para se manterem vivos nesse sistema, e ter domínio um sobre o outro, como bem ressaltou Nye:” O poder é a capacidade de influenciar os outros para chegar aos resultados que se quer independente dos próprios recursos serem tangíveis. ”É possível notar que não grande diferença nesses fatos aqui apresentados, a própria guerra fria nos mostrou isso, podemos perceber, que não só no filme, mas trazendo para o cenário internacional a existência de situações semelhantes como essas são constantes, e não refletem apenas em confrontos violentos, mas se apresenta de diversas formas como em ideologias, alinhamento, e formas de influências e etc. A dramaturgia nos mostrou que não há limites para se alcançar o poder, e que tudo isso se deve a luta pelo poder, e pela soberania de um estado para com o outro.