RELATÓRIO DE ESTÁGIO SUPERVISIONADO
Por: francidalvac • 13/5/2015 • Resenha • 13.101 Palavras (53 Páginas) • 261 Visualizações
As personagens femininas em Macunaíma:
Sexualidade e Gênero no modernismo pós-1922
André Luiz Ferreira Cozzi - IFPA.[1]
Orientadora: Ana Paula Palheta Santana[2].
Resumo: O presente artigo investiga como gênero e sexualidade são apresentados no discurso modernista da década de 1920, a partir da análise das personagens femininas do livro Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, do escritor Mário de Andrade e tem como objetivo verificar, através do confronto entre a representação literária e o discurso intelectual, mudanças e permanências no campo das identidades sexuais e de gênero no contexto brasileiro. O recorte cronológico desta proposta é bastante explorado nos estudos sobre mulheres e questões de gênero[3]; assim, é possível mapear e descrever as diferentes maneiras como cientistas, intelectuais e literatos promoveram, nos mais diversos meios de comunicação e arte (jornais, revistas, pintura, escultura, música, poesia, novelas, peças teatrais), antigos e persistentes estereótipos sobre o feminino, contribuindo para a manutenção da condição social subjugada das mulheres, mesmo no contexto das conquistas do movimento feminista naquela época. No Brasil, o movimento modernista pós-1922 posiciona-se sobre muitas questões consideradas centrais no desenvolvimento da sociedade e no progresso do país. Porém, por mais inovador que pudesse parecer, o texto modernista ainda comportava antigos e persistentes padrões sobre sexualidade e gênero. Em Macunaíma, encontramos uma proposta rapsódica, em que o autor faz uma leitura e um embricamento da diversidade cultural da sociedade brasileira. Através dos mitos e folclores regionais, Mário de Andrade cria espaços de encontro dos diversos agentes que compunham a população nacional, sugerindo interpretações que propiciassem uma integração entre cidade e campo, litoral e interior, natureza e sociedade. Lança mão de vários recursos poéticos e científicos, consolidando uma representação sociológica da realidade. Pelo amplo aspecto de abordagem, Macunaíma pode ser tomado também como obra chave do modernismo na leitura sobre a ativa presença feminina na sociedade daquele início de século, mesmo isso não ocorrendo através de um discurso direto no texto. Procedendo uma aproximação entre Macunaíma e o discurso misógino daquele início de século verifiquei que o tratamento dispensado as personagens femininas da trama – sempre mediatizados pelo aspecto mítico e sua reapropriação pelos estudos de naturalistas, antropólogos e curiosos das mais diferentes áreas, passando sempre pelo filtro da arte até chegar à população – supunha uma idéia acerca das mulheres e sua natureza. Feita a comparação entre a trama com os atuais estudos sobre sexualidade e gênero, conclui haver uma ligação e uma apropriação dos estereótipos sobre o feminino por parte de Andrade ao construir sua argumentação poética, no sentido de promover uma aproximação e um reforço, com base nos estudos mitológicos, da idéia de serem as mulheres portadoras de uma natureza, que tanto as singularizava como determinava. Retomar estas produções com base nas atuais pesquisas sobre gênero pode contribuir significativamente para ampliação da compreensão das identidades sexuais e de gênero no início do século XX, sobre como estes valores eram propagados e naturalizados. Em Macunaíma, as lendas e mitos, bem como o destino reservado a algumas personagens femininas, evidenciam qual era o lócus do gênero feminino no projeto modernista: coadjuvantes do masculino, estando dispostas ao sacrifício em prol da perpetuação da civilização patriarcal, pois transgredir as interdições impostas pela cultura sempre resultam em punições fatais. Mário de Andrade percebe no controle da sexualidade a garantia da estabilidade dos sistemas políticos e de uma sociedade. Além disso, as constantes reedições do livro também deixam indagações para nosso próprio tempo: seriam os estereótipos sobre o feminino parte de seu sucesso editorial na atualidade? Até que ponto nossa sociedade conseguiu desnudar-se da misoginia? Este trabalho não pretende responder a estas perguntas, mas elas por certo demonstram a necessidade de sua produção.
Palavras Chaves: Macunaíma, mulheres, gênero, literatura, modernismo, folclore.
As personagens femininas em Macunaíma: Sexualidade e Gênero no modernismo pós-1922.
André Luiz Ferreira Cozzi – IFPA.
Orientadora: Msc. Ana Paula Palheta.
As mudanças políticas e econômicas ocorridas em fins do século XIX, bem como as grandes guerras do início do século XX, quando as democracias de massas abrem espaços sócio-políticos a outros segmentos sociais, promovem várias discussões e mudanças na percepção das identidades nacionais. A crise da síntese burguesa[4], desencadeada a partir da introdução de novas tecnologias na indústria e da maior concentração demográfica nas cidades, coloca em xeque todo um padrão de comportamento social. Tais circunstâncias demarcam a ruptura entre dois períodos: a tradição humanista vinda do renascimento, tão cara ao liberalismo burguês, entra em colapso por conta das discrepâncias de suas convicções – o respeito pela dignidade e valor do indivíduo contrastam com a prática da desumanização e despersonalização das classes trabalhadoras[5]. Esta rebelião das massas[6] fazem as perspectivas quanto ao futuro serem incertas e um tanto pessimistas – especialmente no contexto europeu.
Diante da crise de paradigmas, muitas são as propostas para reordenar a realidade. A busca por respostas conduz muitos pesquisadores sociais ao encontro da antropologia e do folclore, numa tentativa de reescrever a história dos povos, de maneira a incluir e reconhecer o papel dos vários agentes sociais na formação étnica de uma nação, permitindo a (re) criação de uma noção de pertencimento nacional. A formação de uma identidade comum envolvia aspectos complexos, por isso os textos sobre nacionalidade, para além de aspectos puramente políticos ou antropológicos, acabaram expondo outras particularidades sociais, como as questões de sexualidade e gênero, estando estes temas direta ou indiretamente diluídos em diversas produções intelectuais do início do século XX.
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