Resumo: Falsos documentários de horror

A CÂMERA DIEGÉTICA: clareza narrativa e legibilidade

documental em falsos documentários de horror 1

THE DIEGETIC CAMERA: narrative clarity and documental

verisimilitude in found footage horror films

Rodrigo Carreiro 2

Resumo: Falsos documentários de horror têm sido realizados, nas últimas duas

décadas, em todo o mundo. A produção massiva desse tipo de filme levou a crítica

norte-americana a criar uma alcunha específica para nomeá-los: found footage

genre. Para filmar um enredo de ficção e dar a ele a textura estilística de um

documentário, um cineasta precisa lidar com uma série de restrições criativas, a

fim de impor a sons e imagens o efeito de real presente em um documentário

verdadeiro, sem perder a clareza narrativa de uma ficção tradicional. A partir da

análise de um corpus formado por 180 filmes, este ensaio procura descrever e

examinar alguns padrões recorrentes de estilo e narrativa, que têm sido usados por

diretores de cinema para conjugar, através de um equilíbrio delicado, a

legibilidade narrativa e a verossimilhança documental.

Palavras-Chave: Gênero fílmico. Horror. Documentário. Estilística. Found footage.

Abstract: False horror documentaries have been made worldwide in the last two

decades. The mass production of this type of movies led U.S. critics to create a

nickname for them: found footage genre. To shoot a fictional storyline and give it

the texture of a documentary, a filmmaker has to deal with a number of creative

restrictions in order to impose to sounds and images an effect of reality present in a

real documentary, without losing the narrative clarity of a traditional fiction film.

Throughout the analysis of a corpus consisting by 180 films, this essay aims to

describe and examine some recurring patterns of style and narrative, which have

been used by filmmakers to combine, through a delicate balance, narrative clarity

and documental verisimilitude.

Keywords: Film genre. Horror film. Documentary. Stylistics. Found footage genre.

1. Introdução

A produção de filmes de horror codificados como documentários, que se tornou

massiva nas últimas duas décadas, tem concretizado um fenômeno cinematográfico digno de

interesse, sobretudo no que se refere a questões de estilo e construção narrativa. Esse tipo de

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Estudos de Cinema, Fotografia e Audiovisual do XXII Encontro

Anual da Compós, na Universidade Federal da Bahia, Salvador, de 04 a 07 de junho de 2013.

2 Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Doutor em Comunicação pela UFPE. E-mail: [e-mail].

Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação

XXII Encontro Anual da Compós, Universidade Federal da Bahia, 04 a 07 de junho de 2013

www.compos.org.br 2

filme, híbrido de ficção e documentário, nasceu com o longa-metragem italiano Canibal

Holocausto (Cannibal Holocaust, Ruggero Deodato, 1980) e foi explorado de forma esparsa

ao longo da mesma década (BORDWELL, 2012). Quase vinte anos se passaram antes que o

formato se tornasse realmente popular entre cineastas de todo o mundo, o que ocorreu após a

boa recepção de crítica e público ao filme estadunidense A Bruxa de Blair (The Blair Witch

Project, Eduardo Sánchez e Daniel Myrick, 1999). Se pouco mais de meia dúzia de longas-

metragens exploraram o formato no hiato entre esses dois filmes, a produção de falsos

documentários de horror explodiu em quantidade após o sucesso de A Bruxa de Blair3, a

ponto de parte da crítica jornalística dos Estados Unidos criar uma alcunha para nomear esse

tipo de produção: found footage genre4.

De modo geral, os filmes chamados dessa forma possuem enredos ficcionais que

utilizam deliberadamente procedimentos estilísticos e/ou narrativos normalmente associados

ao documentário, muitas vezes com a intenção de enganar o espectador quanto ao caráter

ontológico de suas imagens e sons. Pode-se afirmar, parafraseando Fernão Pessoa Ramos

(2008, p. 27), que em filmes de found footage a utilização deliberada do estilo documental

confunde a fruição do espectador sobre a intenção do cineasta – e é na interação entre esses

dois pilares (estilo e intenção) que se dá a percepção de um filme pelo espectador, no que se

refere ao seu discurso ontológico.

Não é possível afirmar, com exatidão estatística, quantos filmes de horror codificados

como documentários foram produzidos desde a consolidação do formato, mas estamos

falando de um número que seguramente supera as duas centenas. Durante nossa pesquisa,

cruzando dados obtidos em bancos de dados de registro