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Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando?

Por:   •  13/3/2021  •  Trabalho acadêmico  •  1.348 Palavras (6 Páginas)  •  201 Visualizações

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De um lado, um processo de alargamento da democracia, que se expressa na criação de espaços públicos e na crescente participação da sociedade civil nos processos de discussão e de tomada de decisão relacionados com as questões e políticas públicas. O marco formal desse processo é a Constituição de 1988, que consagrou o princípio de participação da sociedade civil. Esse projeto emerge da luta contra o regime militar empreendida por setores da sociedade civil, entre os quais os movimentos sociais desempenharam um papel fundamental. Essa identidade de propósitos, no que toca à participação da sociedade civil, é evidentemente aparente. O reconhecimento dos dilemas colocados por essa confluência perversa impõe, do meu ponto de vista, inflexões necessárias no modo como temos analisado o processo de construção democrática no Brasil, as relações entre Estado e sociedade civil e a problemática da constituição de espaços públicos e sua dinâmica de funcionamento. Uma dessas inflexões é a necessidade de conferir um maior peso explicativo à noção de projeto político, no nível teórico, e em consequência, investir, no nível empírico, na investigação e análise dos distintos projetos políticos em disputa, e especialmente no esforço de desvendar a crescente opacidade construída por referências comuns, através da explicitação dos deslocamentos de sentido que sofrem. Estamos usando o termo projetos políticos num sentido próximo da visão gramsciana, para designar os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos. A virtude específica dessa abordagem, sobre a qual já trabalhamos largamente está no vínculo indissolúvel que estabelece entre a cultura e a política. Nesse sentido, nossa hipótese central sobre a noção de projetos políticos é que eles não se reduzem a estratégias de atuação política no sentido estrito, mas expressam e veiculam e produzem significados que integram matrizes culturais mais amplas. É possível entender melhor o cenário e a natureza dessa interlocução se lembrarmos que os anos noventa no Brasil são caracterizados por uma inflexão nas relações entre o Estado e os setores da sociedade civil comprometidos com o projeto participativo democratizante, onde estes últimos substituem o confronto aberto da década anterior por uma aposta na possibilidade de uma atuação conjunta com o Estado. Nesse sentido, a coincidência na exigência de uma sociedade civil ativa e propositiva, que estes dois projetos antagônicos apresentam, é, de fato, emblemática de uma série de outras «coincidências» no nível do discurso, referências comuns que, examinadas com cuidado, escondem distinções e divergências fundamentais. As noções de sociedade civil, participação e cidadania mantém entre si uma estreita relação e foram selecionadas porque são, da nossa perspectiva, elementos centrais desse deslocamento de sentidos que constitui o mecanismo privilegiado na disputa política que se trava hoje ao redor do desenho democrático da sociedade brasileira.

Por outro lado, com o crescente abandono de vínculos orgânicos com os movimentos sociais que as caracterizava em períodos anteriores, a autonomização política das ONG cria uma situação peculiar onde essas organizações são responsáveis perante as agências internacionais que as financiam e o Estado que as contrata como prestadoras de serviços, mas não perante a sociedade civil, da qual se intitulam representantes, nem tampouco perante os setores sociais de cujos interesses são portadoras, ou perante qualquer outra instância de caráter propriamente público. Por um lado, a ressignificação da participação acompanha a mesma direção seguida pela reconfiguração da sociedade civil, com a emergência da chamada «participação solidária» e a ênfase no trabalho voluntário e na «responsabilidade social», tanto de indivíduos como de empresas. Por outro lado, em grande parte dos espaços abertos à participação de setores da sociedade civil na discussão e formulação das políticas públicas com respeito a essas questões, estes se defrontam com situações onde o que se espera deles é muito mais assumir funções e responsabilidades restritas à implementação e execução de políticas públicas, provendo serviços antes considerados como deveres do Estado, do que compartilhar o poder de decisão quanto à formulação dessas políticas. Estes significados vêm se contrapor ao conteúdo propriamente político da participação tal como concebida no interior do projeto participativo, marcada pelo objetivo da «partilha efetiva do poder» entre Estado e sociedade civil, por meio do exercício da deliberação no interior dos novos espaços públicos. A então chamada nova cidadania, ou cidadania ampliada começou a ser formulada pelos movimentos sociais que, a partir do final dos anos setenta e ao longo dos anos oitenta, se organizaram no Brasil em torno de demandas de acesso aos equipamentos urbanos como moradia, água, luz, transporte, educação, saúde, etc. e de questões como gênero, raça, etnia, etc. Inspirada na sua origem pela luta pelos direitos humanos como parte da resistência contra a ditadura, essa concepção buscava implementar um projeto de construção democrática, de transformação social, que impõe um laço constitutivo entre cultura e política. Incorporando características de sociedades contemporâneas, tais como o papel das subjetividades, o surgimento de sujeitos sociais de um novo tipo e de direitos também de novo tipo, bem como a ampliação do espaço da política, esse projeto reconhece e enfatiza o caráter intrínseco da transformação cultural com respeito à construção da democracia. Nesse sentido, a própria determinação do significado de "direito" e a afirmação de algum valor ou ideal como um direito são, em si mesmas, objetos de luta política. Além disso, essa redefinição inclui não somente o direito à igualdade, como também o direito à diferença, que especifica, aprofunda e amplia o direito à igualdade.

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