TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORANEO
Casos: TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORANEO. Pesquise 862.000+ trabalhos acadêmicosPor: vitorc • 6/4/2014 • 8.722 Palavras (35 Páginas) • 490 Visualizações
2. TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORANEO
A cada ano, milhares de trabalhadores rurais vindos de regiões pobres do país são obrigados a trabalhar em fazendas e carvoarias. Submetidos a condições degradantes de serviço e impedidos de romper a relação com o empregador, eles permanecem presos até que terminem a tarefa para a qual foram aliciados, sob ameaças que vão de torturas psicológicas a espancamentos e assassinatos. No Brasil, essa forma de exploração é chamada de escravidão contemporânea, nova escravidão, ou, ainda,trabalho análogo ao escravo.
Sua natureza econômica difere da escravidão da Antiguidade clássica e da escravidão moderna, mas o tratamento desumano, a restrição à liberdade e o processo de “coisificação” são similares. O número de trabalhadores envolvidos é relativamente pequeno, porém não desprezível: de 1995 – quando o sistema de combate ao trabalho escravo contemporâneo foi criado pelo governo federal – até agora, cerca de 40 mil pessoas foram encontradas nessa situação, de acordo com dados da
Comissão Pastoral da Terra.
A incidência de escravidão contemporânea na cana, no gado, na produção de soja, milho, arroz, feijão, algodão, frutas, na extração de madeira, na fabricação de carvão vegetal está concentrada nas regiões de expansão agropecuária da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal. Contudo, há casos confirmados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o que demonstra que a origem desse fenômeno não está vinculada apenas à fronteira agrícola, mas a outro elemento que perpassa realidades sociais diferentes. Que elemento é este? O que garante que práticas que pareciam extintas, vinculadas a relações de trabalho que aparentemente foram destruídos pelo avanço do capital, continuem existindo?
Os relatórios de fiscalização do Ministério do Trabalho mostram que os empregadores envolvidos nesse tipo de exploração não são pequenos sitiantes isolados economicamente do restante da sociedade, mas na maioria das vezes, latifundiários, muitos deles produzindo com tecnologia de ponta. Afinal, não importa que a fazenda esteja escondida no meio da fronteira agrícola, ela estará conectada pelo comércio ao sistema global e dele dependente. Prova disso são as pesquisas de cadeias produtivas da ONG Repórter Brasil realizadas desde 2003: elas mostram como mercadorias produzidas em propriedades que utilizaram mão-de-obra escrava são vendidas para a indústria e o comércio dentro e fora do Brasil.
O capitalismo precisa de realidades não-capitalistas para se desenvolver. Em função de sua natureza, não admite limitações na aquisição de matéria-prima e na criação de mercados. Vale lembrar que ao longo de séculos, países e corporações têm ido à guerra por esse motivo. Em um curto espaço de tempo, de acordo com uma sinalização de demanda dos centros capitalistas nacionais e globais, os empreendimentos agropecuários são capazes de se expandir sobre áreas, na maioria das vezes, ocupadas por populações que vivem sob um modo de produção não-capitalista. Em questão de anos, surgem grandes fazendas de gado, lavouras de soja, algodão e cana-de-açúcar, além de carvoarias, produzindo matéria-prima e gêneros alimentícios, onde antes viviam indígenas, camponeses, comunidades quilombolas ou ribeirinhas. Nessa expansão, coexistem tecnologia de ponta, vendida e financiada pelos mesmos centros capitalistas nacionais e globais, e formas ilegais de trabalho. O que parece contraditório na verdade expressa um processo fundamental para o desenvolvimento desses empreendimentos, acelerando seus ganhos e garantindo a capacidade de concorrência.
A utilização de trabalho escravo contemporâneo não é resquício de práticas arcaicas que sobreviveram à introdução do capitalismo, mas sim um instrumento utilizado pelo próprio capital para facilitar a acumulação em seu processo de expansão. A superexploração do trabalho, da qual a escravidão é sua forma mais cruel, é deliberadamente utilizada em determinadas regiões e circunstâncias como parte integrante e instrumento do capital. Sem ela, empreendimentos mais atrasados não teriam a mesma capacidade de concorrer na economia globalizada.
Sem terra e sem emprego, os trabalhadores são empurrados para os braços do contratador de mão-de-obra do fazendeiro, o famigerado “gato”, mesmo não recebendo garantias de que as promessas dadas no momento do recrutamento serão cumpridas. Baseado em um contexto de fragilidade social e desemprego promovido pelo próprio capital, o capitalista pode utilizar a mão-de-obra necessária pagando o montante que desejar. Que pode ser nada no caso do trabalho escravo.
As propriedades rurais mais atrasadas do ponto de vista tecnológico tendem a compensar essa diferença através de uma constante redução da participação do “trabalho” no seu custo total. Simulam dessa forma uma composição orgânica do capital de um empreendimento mais moderno, em que a diminuição da participação do custo do trabalho através do desenvolvimento tecnológico. Em outras palavras, há fazendeiros que ignoram as regras, não investem nada do próprio bolso e retiram couro do trabalhador para poder baixar custos e concorrer no mercado. Outros se aproveitam disso não para gerar competitividade, mas para embolsar dinheiro durante um período de tempo (e depois trocar trabalhadores por colheitadeiras) ou trocar todo ano seu carro importado, ter uma casa na praia, enfim, conquistar uma vida de rei às custas de sofrimento e morte de terceiros.
Parte do Estado tem desempenhado um importante papel nesse processo ao garantir as condições estruturais e a segurança para possibilitar o crescimento econômico a qualquer custo. Ou seja, tem garantido que esse ciclo de exploração continue. Proprietários rurais que utilizaram mão-de-obra escrava possuem representação política ou participam direta ou indiretamente das decisões que protegem esse modelo.
Do outro lado da moeda, há setores do Estado que são atores fundamentais no combate à escravidão. Os grupos móveis de fiscalização, formados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, têm atuado constantemente na libertação de escravos. Indenizações milionárias contra fazendeiros vêm sendo concedidas pela Justiça do Trabalho atendendo a ações de procuradores – a maior delas no valor de R$ 5 milhões confirmada recentemente. Fazendeiros começam a ser condenados à cadeia por trabalho escravo devido à dedicação de alguns procuradores da República e juízes federais. Empresas signatárias do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo têm promovido boicotes às pessoas e empresas que estão
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