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Violação Da Dignidade Humana: Um Estudo De Caso Sobre O Assédio Moral Em Um Supermercado

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Por:   •  21/11/2013  •  5.740 Palavras (23 Páginas)  •  873 Visualizações

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1 INTRODUÇÃO:

Este trabalho analisou a prática do assédio moral nas relações laborais como uma violação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Dignidade essa que é um princípio fundamental, um direito assegurado na Constituição Federal Brasileira de 1988, denominada de Cidadã, mas que se encontra fortemente violado.

Essa verificação se dará através da apresentação de dados importantes da pesquisa de campo realizada com trabalhadores do setor dos comerciários, mais, precisamente, com trabalhadores de um supermercado. E também se dará através da descrição do assédio através da sua concepção jurídica, como um afrontamento da dignidade humana e as lacunas jurídicas existentes, com a falta de uma regulamentação específica que trate do problema.

O Assédio Moral é a exposição dos trabalhadores a situações constrangedoras, humilhantes continuamente no ambiente de trabalho. É uma violência psicológica, caracterizado por condutas abusivas exercidas pelo empregador ou até pelos colegas de trabalho impondo condições que destroem a integridade psicológica e que violam a dignidade humana do trabalhador (PACHECO, 2011). Tratando-se de uma violação a direitos constitucionais que estão expressos na Constituição, que protege os valores sociais e a dignidade humana. Dignidade essa que por ser norma fundamental, integra a Constituição Federal como norma de Direito e se constitui como um superprincípio constitucional, ou seja, base de todo o Sistema Democrático de Direito.

O assédio moral é um problema que atinge milhões de trabalhadores em todo o mundo, por essa razão é objeto de estudo dos direitos humanos. No assédio moral temos condutas interligadas, que na sua junção resultará no desequilíbrio da vítima. Muitas dessas condutas são passadas despercebidas pelos colegas da vítima. O objetivo final do assédio moral é, com o desequilíbrio causado na vítima, eliminá-la do ambiente de trabalho ou objetiva manter a vítima sob o seu controle.

Nas modernas relações de trabalho, baseadas na responsabilidade social e na ética, esse assédio não pode existir. Se o assédio moral ameaça a dignidade do ser humano, precisa ser combatido. Aquele que assedia faz de maneira pensada ao humilhar a vítima.

Geralmente as vítimas do assédio moral no ambiente de trabalho são trabalhadores que resistem as investidas do chefe, são criativas, trabalham mesmo doentes e não aqueles trabalhadores sem experiência e desqualificados. A dica mais importante para as vítimas de violência moral no ambiente de labor é não se silenciar, deve denunciar agressores, seja através de sindicatos, conselhos, associações, denunciando em órgãos públicos no Ministério do Trabalho, Câmara Municipal, Assembleia Legislativa. Deve a vítima anotar em detalhes todas as humilhações sofridas. A omissão, o silêncio, o medo só beneficia o assediador, que age livremente.

Para prevenir o assédio moral é necessário que sejam criadas e implementadas políticas de prevenção e repressão a esse assédio, para que esse fenômeno se torne visível ao contexto jurídico e social. Muitos trabalhadores sofrem o assédio moral e não reconhecem o processo. Por isso, faz-se necessário questionar a falta de uma regulamentação jurídica específica no âmbito federal que trate do fenômeno.

No Brasil não existe uma legislação em âmbito federal que trate especificamente do assédio moral e proteja o trabalhador, mas existem legislações municipais e estaduais que têm como objetivo prevenir a ocorrência do assédio moral. Em 31 de janeiro de 2006 foi aprovada uma lei contra o assédio moral em Salvador, no estado da Bahia, mas ainda aguarda regulamentação.

Com isso podemos dizer que somente quando as denúncias forem mais frequentes, com punições, com criação de lei específica que retrate o tema, que o assédio moral seja, aos poucos, uma prática abolida no ambiente de trabalho.

O tema é relevante devido a gravidade do assunto que é tratado, já que se trata de um afrontamento a superprincípio constitucional. O tema foi escolhido por se tratar de um assunto muito importante, mas ainda “invisível” no mundo jurídico.

O esperado ao final dessa pesquisa é que cada vez mais pessoas, e principalmente os trabalhadores, tenham conhecimento sobre como fazer para dirimir os conflitos no ambiente de trabalho e se proteger. Neste sentido, este estudo buscou verificar a relação do assédio moral no ambiente de trabalho com a violação ao princípio da dignidade da pessoa humana como objetivo principal. Também analisou as consequências advindas dessa prática e buscou-se demonstrar a inexistência de uma legislação específica que trate sobre o tema, contribuindo para a vulnerabilidade dos trabalhadores que enfrentam o problema no cotidiano.

Para tanto, foi realizado um levantamento bibliográfico com autores das ciências sociais e jurídicas que resultou na construção das categorias teóricas da investigação e um estudo de caso (YIN, 2010) com comerciários de uma rede de supermercado. Com a etapa empírica, almejou-se responder a questão principal da pesquisa, qual seja: em que medida o assédio moral viola a dignidade da pessoa humana.

Ainda que não possamos generalizar os resultados dos dados analisados neste trabalho por tratar-se de um grupo restrito que respondeu ao questionário elaborado previamente pela pesquisadora, asseveramos que eles servem de indícios para demonstrar que o assédio moral é uma prática disseminada no mercado de trabalho, portanto, precisa ter um tratamento jurídico adequado para que possamos coibi-lo e, na medida do possível, construirmos relações laborais menos verticais e mais horizontais.

2 DELIMITANDO O ASSÉDIO MORAL

As discussões sobre o problema do assédio moral no ambiente de trabalho é recente. Essas discussões surgiram na Europa na década de 1980, e no Brasil iniciou a partir de 1993.

As discussões sobre o tema surgiram na Europa, em que foi bastante discutido por Leymann e posteriormente, Marie France Hirigoyen. Aqui no Brasil, começamos a ouvir atentamente os trabalhadores que eram humilhados em seu local de trabalho desde o inicio a partir de 1993. Sabíamos que humilhar o outro não era novo. Mas, os relatos que nos chegavam, eram frequentes. O fato é que a intensificação das humilhações no trabalho coincide com as mudanças que ocorreram na forma de organizar o trabalho e nas políticas de gestão, nestes últimos 30 anos (BARRETO, 2000, p. 1).

Podemos observar que o mundo do trabalho a partir da década de 1990 sofreu transformações profundas. Com a reestruturação produtiva, o modo de organizar o trabalho mudou, o mercado se tornou mais competitivo, o trabalhador teve que ter capacidade para trabalhar em grupo, ser criativo e competitivo como forma de ascender no mundo do trabalho, e em especial, ser dedicado a empresa e seu trabalho. A flexibilidade deveria ser aceita por todos. O desemprego estrutural avançou tanto nos países periféricos quanto nos centrais, como resultado das medidas adotadas pelos empresários para garantirem mais eficiência e maiores rendimentos do capital investido. Esse cenário resultou numa redução dos empregos estáveis e, como consequência, uma ampliação de trabalhadores nos processos de informalidade. Aqueles que queriam manter o emprego tinham que suportar os novos desafios e isso trouxe consequências.

As consequências serão tratadas mais adiante. O que é importante ressaltar nesse breve histórico sobre o assédio moral é sua conceituação. De acordo com Pacheco (2011), o assédio moral no ambiente de trabalho é uma violência psicológica que sofre o trabalhador no seu trabalho de forma prolongada ao longo do tempo por seu empregador, preposto, até mesmo por seus colegas de trabalho, impondo-lhe condições que violam a sua integridade psíquica e arruína a dignidade humana desse trabalhador.

De acordo com o dicionário Houaiss da língua portuguesa, o verbo assediar significa “insistência impertinente, perseguição, sugestão ou pretensão constantes em relação a alguém”. Já a palavra moral é “conjunto dos princípios, virtuosos, adotados por um indivíduo, e que, em última análise, norteia o seu modo de agir e pensar”. Assim podemos inferir que o assédio moral é a perseguição insistente ao indivíduo, afetando os princípios que regem a vida do mesmo, fazendo com que haja mudanças nas suas atitudes e no seu modo de pensar.

Segundo Pacheco (2011), o assédio moral era visto no passado como uma grosseria cometida pelo empregador em razão do seu poder diretivo, porém hoje em dia se trata a uma violação a direitos constitucionais que estão expressos na nossa Constituição Federal, que protege os valores sociais e a dignidade da pessoa humana.

Em relação à ocorrência do assédio moral podemos dizer que ele ocorre de forma abusiva com comportamentos, gestos, palavras que humilham a pessoa, podendo gerar inúmeras consequências como a perda do emprego, o baixo rendimento no trabalho, gerando problemas psíquicos graves nos trabalhadores, além de tornar o ambiente de trabalho um lugar intolerável (HIRIGOYEN, 2002, apud FERREIRA; MENDES; CALGARO e BLANCH, 2006).

Segundo Barreto (2000) a violência moral no ambiente de trabalho constitui um fenômeno internacional de acordo com um levantamento recente da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em diversos países desenvolvidos. Nessa pesquisa são apontados vários distúrbios na saúde mental dos trabalhadores relacionados com as condições de trabalho em países como Finlândia, Alemanha, Reino Unido, Polônia e Estados Unidos. As perspectivas são sombrias para as duas próximas décadas, pois segundo a OIT e Organização Mundial da Saúde (OMS), estas serão as décadas do mal estar na globalização, onde predominará depressões, angustias e outros danos psíquicos, relacionados com as novas políticas de gestão na organização laboral que estão vinculadas as políticas neoliberais, precarizando ainda mais o trabalho.

O assédio moral pode provocar ao trabalhador dano material como, por exemplos, gastos com tratamento médico, a perda do emprego, além de atingir direitos personalíssimos do empregado. Com esse entendimento, Paroski (2006) defende que o assédio moral é um ato ilícito que provoca dano moral, suscetível de reparação pecuniária.

O assédio moral atinge a dignidade humana do trabalhador, sendo impossível mensurar a intensidade do sofrimento, da dor da vítima, não sendo possível, portanto, estabelecer critérios matemáticos para a fixação da indenização. Por isso, é altamente relevante saber de que forma o trabalhador pode se proteger e como a lei pode coibir o assédio moral.

Segundo Soares (2012) o perfil do agredido geralmente são os trabalhadores que adoecem em decorrência do trabalho, os que possuem salários mais altos porque podem ser substituídos a qualquer momento por um trabalhador que ganhe menos, os representantes de associações e sindicatos. Por outro lado, vale ressaltar que os trabalhadores não qualificados não estão isentos do assédio, uma vez que a relação capital e trabalho expressa tamanha assimetria de poder que impõe para aqueles que vivem da venda da sua força de trabalho uma situação de subordinação que, em alguns casos, aproxima-se do constrangimento. Vale ressaltar que a vítima não pode se silenciar, é preciso denunciar as agressões através de sindicatos, órgãos públicos como o Ministério do trabalho e associações de classe.

3 ASSÉDIO MORAL: UMA PRÁTICA QUE VIOLA UM PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL

A dignidade da pessoa humana é um princípio supremo adotado pela constituição brasileira, sendo de extrema importância para ordem jurídica, já que é uma condição anterior que deve ocorrer para que seja reconhecido os demais direitos. O significado da palavra dignidade no dicionário é: “consciência do próprio valor, honra; modo de proceder que inspira respeito; distinção, amor próprio” (HOUAISS; VILLAR, 2004, p.248).

No âmbito jurídico, a palavra dignidade tem a ver com a responsabilidade que o Estado tem em assegurar que cada pessoa tenha as mínimas condições necessárias para sua sobrevivência. Esta finalidade é assegurada pela Carta Magna brasileira como um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito, conforme previsão no artigo 1º, III da Constituição Federal de 1988. (SANTOS, 2011).

Maciel (2007) explicita que a Carta Magna brasileira estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do sistema constitucional, que serve como resguardo para os direitos individuais e coletivos e, também, é o princípio maior para a interpretação dos demais direitos e garantias conferidos aos cidadãos.

Como já foi dito, o assédio moral atinge a dignidade da vítima, e deve ser combatido. Para prevenir o assédio moral se faz necessário que sejam criadas políticas de prevenção e repressão a esse assédio para que esse fenômeno se torne visível no contexto jurídico e social. Apesar da constante incidência de casos de assédio moral, ele ainda não está tipificado no Código Penal brasileiro.

Além de todas as dificuldades que possui o trabalhador com o assédio sofrido, temos outro grande problema: Em relação à proteção contra o assédio moral, no âmbito federal, o Brasil ainda não possui uma regulamentação jurídica específica, porém existem legislações municipais e estaduais com objetivo de prevenir a ocorrência desse assédio.

A base da legislação em relação ao assédio moral no ambiente de trabalho pode ser encontrada na Constituição de Federal nos incisos III e IV de seu primeiro artigo, nos quais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho são considerados como fundamento da República Federativa do Brasil.

Existem alguns projetos no Congresso Nacional dependendo da aprovação dos membros da referida casa. Temos o projeto de lei 4591 de 2001 que pretende alterar a Lei n.8112 de 11 de dezembro de 1990 e estabelecer sanções aos servidores públicos da União, autarquias e fundações públicas federais pela prática do assédio moral.

O Projeto de Lei federal n. 4742 de 2001, tipifica o assédio moral, acrescentando o artigo 136-A ao Código Penal Brasileiro, com a seguinte redação:

Art. 136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor excessivo, colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica.Pena – detenção de um a dois anos (RUFINO, 2007, p. 73).

Também existe para acréscimo ao Código Penal, o Projeto de Lei Federal n. 5971 de 2001, este especial em relação ao anterior por ser específico ao introduzir o crime de “Coação Moral no Ambiente de Trabalho” por meio do artigo 203-A, que assim dispõe:

Coagir moralmente empregado no ambiente de trabalho, através de atos ou expressões que tenham por objeto atingir a dignidade ou criar condições de trabalho humilhantes, abusando da autoridade conferida pela posição hierárquica. Pena – detenção de um a dois anos e multa (RUFINO, 2007, p. 73).

No âmbito municipal, destaque para a cidade de Salvador, na Bahia. Em 31 de janeiro de 2006 foi aprovada a lei nº 6.986 contra o assédio moral, proposta pela Vereadora Vânia Galvão do Partido dos Trabalhadores (PT). Esta lei dispõe sobre a caracterização do assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal direta, indireta, autárquica e fundacional e a aplicação de penalidades à sua prática, por parte dos servidores públicos. O grande problema é que essa lei ainda não foi regulamentada, além disso, regulamenta somente os trabalhadores no âmbito do município de Salvador.

O assédio moral existe, é um problema que atinge nossa sociedade e deve ser abolido, mas não somente com punições, com a criação de lei específica que trate do tema, mas, muito mais do que isso, é preciso que o próprio assediado não silencie diante da situação. Barreto explicita bem isso no seguinte trecho: “às vezes o assédio moral só pode ser resolvido com a intervenção da justiça, mas um julgamento só se estabelece a partir de provas concretas. Denunciar é o único meio para acabar com as agressões provenientes do assédio” (2000, p. 01).

4 AS MANIFESTAÇÕES DO ASSÉDIO MORAL NO AMBIENTE DE TRABALHO

O setor de serviços é o ramo que mais emprega no mercado de trabalho contemporâneo, seja nos países centrais ou periféricos. É provável, como hipótese para futuras pesquisas, que neste setor seja mais intenso o processo de precarização das relações trabalhistas. Particularmente, o comércio destaca-se pela absorção de uma força de trabalho sem grandes qualificações, com pouca experiência profissional e uma frágil mobilização sindical. Somadas estas características, elegemos os trabalhadores desse segmento para constituírem-se no objeto empírico da nossa investigação.

Os comerciários são aqueles que trabalham no comércio, em estabelecimentos comercias. Elegemos sete comerciários de um supermercado com venda no varejo na cidade de Salvador para responderem ao questionário da pesquisa que consistia em onze questões fechadas e abertas acerca das relações entre empregados e chefes imediatos no ambiente de trabalho.

Primeiramente se faz necessário à análise do comportamento dos trabalhadores no momento em que respondiam ao questionário, para, posteriormente, analisarmos os dados coletados a partir das categorias teóricas que norteiam esta pesquisa.

4.1 OS LIMITES NO LEVANTAMENTO DOS DADOS EMPÍRICOS

Durante a abordagem dos trabalhadores para responderem ao questionário, muitos deles mostravam-se nervosos, desconfiados com relação à finalidade da pesquisa, ainda que tenham sidos informados previamente sobre a finalidade da investigação. Alguns não aceitaram responder o questionário sem nem ouvir do que se tratava, outros começaram a responder, mas ao chegar na pergunta que falava sobre constrangimento sofrido durante o trabalho, eles se recusavam a responder e a dar prosseguimento à entrevista; uma trabalhadora entrevistada disse: “Isso é armadilha do chefe para pegar a gente, estão nos testando (MARTA SANTOS, 28 ANOS²)”. Outros trabalhadores aceitaram responder ao questionário, mas em um lugar mais discreto, por medo que algum superior pudesse vê-los. Outros viram o questionário como um meio de desabafar todo o sofrimento, situações vexatórias que vivenciavam continuamente no seu ambiente de trabalho.

Através dos questionários percebemos os dilemas enfrentados no cotidiano laboral dos trabalhadores e o quanto é constante o assédio moral no ambiente de trabalho afrontando à dignidade humana. Como já delimitando anteriormente, o assédio moral é a exposição dos trabalhadores a situações humilhantes, vexatórias continuamente no ambiente de trabalho, durante o exercício das suas funções. No caso empírico analisado foi possível visualizar que esse assédio ocorre tanto da relação empregador- empregado, como também na relação empregado-empregado. Sendo mais evidente na relação empregador-empregado, ou seja, do superior hierárquico com o seu subordinado.

4.2 O ASSÉDIO MORAL VIVENCIADO PELOS COMERCIÁRIOS DE UM SUPERMERCADO

O questionário estava estruturado em dois aspectos: o primeiro destinava-se a uma caracterização geral do trabalhador comerciário desde questões relacionadas ao gênero, geração, raça, renda, escolaridade até a composição familiar.

______________________

² Todos os nomes dos comerciários entrevistados foram substituídos por nomes fictícios para preservar o anonimato.

Na segunda parte, consistia na trajetória ocupacional, destacando a relação do trabalhador com seus superiores.

Foram sete trabalhadores entrevistados, todas mulheres, com idades entre 26 e 32 anos; três se denominaram como pertencente a raça negra, três como raça parda e uma como pertencente à raça branca. Três das entrevistadas eram casadas, três eram solteiras e uma era separada. A renda das entrevistadas eram de R$ 678 - um salário mínimo - ou um pouco mais a depender da função exercida no supermercado e também das horas extras trabalhadas. Ainda em relação à renda, temos que a renda de seis das entrevistadas era para ajudar nas despesas da família, dessas seis duas são chefes do domicílio; apenas uma tem sua renda para uso próprio. Em relação à escolaridade, as entrevistadas tinham de ensino fundamental completo à ensino médio incompleto.

A avaliação que cada comerciário faz do seu trabalho atual demonstra que no ambiente de trabalho passam por constrangimentos, trabalham sob uma pressão intensa dos superiores. Estes exigem deles um rigor excessivo, deixando-os sobrecarregados de tarefas. A resposta transcrita em seguida demonstra a realidade descrita:

É um trabalho difícil, estou porque preciso, mas vivemos sob pressão, nos cobram agilidade, eficiência, rapidez, sendo que somos humanos, não máquinas. Vivo com humilhações constantes, pois gerente acha que por estar em um cargo mais elevado pode humilhar os que estão abaixo( CAROLINA RAMOS, 26 ANOS).

Através desse trecho podemos perceber que é exigido que os trabalhadores se comportem como máquinas, como seres que não têm sensibilidade, que não têm sentimentos, por isso os superiores os humilham e exigem um rigor excessivo. Essa submissão do empregado a um rigor excessivo é uma das formas do assédio moral. Esse assédio moral já é inerente às relações de poder, segundo Vazquez (2011). Como é mostrado no seguinte trecho:

O assédio moral já é visto como uma cultura organizativa, inerente às relações de poder. Não é praticado por um chefe específico, mas usado como modelo de gestão de pessoas, estimulado pela estética da ideologia da competência. Ou seja, se você não pode fazer, não é competente e não serve para essa empresa (VAZQUEZ, 2011, p.04).

Há uma constante busca pela eficiência, jornadas exaustivas e metas para os empregados cumprirem. Essas condutas são vistas como assediadoras. Podemos ter uma noção disso através das seguintes palavras de uma comerciária que exerce a função de empacotadora do supermercado pesquisado:

Meu trabalho é cansativo, pela rapidez que temos que empacotar os produtos em um caixa e já ir empacotar produtos em outro caixa. Eles querem gastar menos sacolas e nisso temos que colocar mais produtos em cada sacola e acaba que muito clientes acabam brigando, dizendo para não ter pena de sacola, que estão pagando (JAQUELINE ALMEIDA, 28 ANOS)

Segundo Vazquez (2011) os superiores exigem dos subordinados a perfeição, mas essa busca pela perfeição não vem acompanhada do gozo pessoal, os trabalhadores superam seus limites físicos e psíquicos em busca da perfeição profissional. Isso fica explícito no depoimento abaixo:

Aqui ou você é perfeito ou você é humilhado. Por mais que você se esforce, você nunca estará perfeito, sempre deverá melhorar (JULIETA CARVALHO, 32 ANOS).

Em relação às situações constrangedoras, vexatórias, ou seja, o assédio moral, percebermos que elas existem constantemente no local de trabalho pesquisado. Muitos disseram que sempre que acontecia ficavam muito tristes, sem ânimo. O mais surpreendente é que a maioria dos comerciários nunca tomou nenhuma providência contra o assédio sofrido por medo de perder o emprego.

Eu me sinto humilhada, mas quem vai tomar providência? Para perder o emprego? Aqui a gente ouve calado, vivemos com medo, mas não nos arriscamos a ir procurar ajuda (TALITA TAVARES, 30 ANOS).

Medo é a sensação que leva as pessoas a ficarem em estado de alerta quando se sentem ameaçados. Conforme Vazquez (2011) a forma corriqueira como as relações de poder tem sido tratadas é preocupante. Nas palavras da autora:

Nossa grande preocupação é a forma banal como essas relações têm sido tratadas. Por medo de perder o emprego, as pessoas tendem a achar que é normal e suportar o insuportável. Mas tudo isso tem que mudar (VAZQUEZ, 2011, p.04).

A relação entre empregado e empregado é marcada pela competitividade. Muitos colegas buscam se destacar a qualquer custo, mesmo que para isso tenha que humilhar o colega de trabalho. Isso é visível no depoimento seguinte:

Tenho colegas que considero amigos, mas alguns parecem que querem passar por cima da gente, como se fossem diferentes ou melhores. Querem se destacar, mas não acho que precise passar por cima de ninguém. Uma vez um colega me falou, em uma conversa entre colegas no horário do almoço, quando comentei que o trabalho estava me deixando doente, muito estressada, esse colega falou: ‘se está ruim pede pra sair’, e falou que eu não iria conseguir algo melhor ( JÉSSICA COELHO, 28 ANOS).

Assim, podemos visualizar que o assédio não ocorre apenas na relação entre superior e subordinado, mas também é bastante presente na relação empregado – empregado. Muitas vezes o assédio nesse tipo de relação ocorre em decorrência de fatores, como o estresse, o nervosismo, a pressão, ou seja, pelo lógica da competitividade empregado pelos patrões para que não haja solidariedade entre os trabalhadores.

Na relação assimétrica entre empregados e seus superiores o assédio moral acontece com mais frequência. O chefe por possuir o poder controlador sobre os seus subordinados, acabam utilizando esse poder através do assédio moral, como forma de mostrar superioridade. O assediador é um perverso, que passa por cima de tudo e de todos sem se preocupar com o outro. Sua perversidade começa com pequenas humilhações, que vai se tornando constante ao longo do tempo, com intimidações, pressões, trazendo muitas consequências para esses trabalhadores; tanto físicas quanto psicológicas.

São muitas as consequências decorrentes do assédio moral na vida dos trabalhadores comerciários. A principal consequência é em relação à saúde. As constantes humilhações ao longo do tempo vão degradando o indivíduo, fazendo com que a sua autoestima baixe, provoca um aumento nos níveis de estresse, promove um desinteresse em relação ao progresso no trabalho, comprometendo a sua dignidade, suas relações de afeto, podendo se agravar comprometendo a saúde do empregado, causando a depressão, podendo ocorrer à incapacidade para dar continuidade àquele trabalho, causando pedido de demissão, desemprego e, em casos extremos, até a morte do indivíduo. Nos termos de Vazquez (2011):

É alto o índice de afastamento por depressão e suicídios no ambiente de trabalho, tanto no âmbito público, quanto no privado. Do trabalhador da obra ao renomado juiz, ninguém está imune (2011, p.4).

Em relação ao ambiente de trabalho dos comerciários, local onde os trabalhadores exercem suas funções, há muito descaso dos empregadores. Os sanitários são geralmente sujos, esses trabalhadores não têm um refeitório, não têm sala de descanso, o lugar que os trabalhadores descansam e fazem suas refeições é na rampa fora do supermercado que dá acesso ao estacionamento. Este quadro fica explicito no depoimento seguinte:

Os sanitários são sujos... não temos refeitório e nem sala de descanso, o lugar que descansamos é na rampa que dá acesso ao estacionamento ( ISABELA, 30 ANOS).

Dentro desse contexto, podemos ver claramente que o assédio moral no ambiente laboral é um afrontamento a dignidade humana do trabalhador. A dignidade humana é um valor moral inerente à pessoa humana, a qual deve ser respeitada por todos, não podendo ser violada em vista a preservar a dignidade de outros. É de tamanha importância que é considerado um super princípio constitucional, base do nosso Estado Democrático de Direito. É o principal pilar do Estado, no qual todo o sistema jurídico deve a ele está atrelado, conforme o art. 1º, Inc. III, da Constituição Federal de 1988. Sobre esse assunto, Morais (2003) diz:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente a pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos (MORAIS, 2003, p. 128).

É perceptível através do conceito de dignidade da pessoa humana que o assédio moral sofrido pelos comerciários objeto dessa pesquisa viola fortemente esse princípio, ou seja, o direito inerente de cada ser humano de ser respeitado pelos demais não é respeitado. Assim, todas as condutas reiteradas como humilhações, situações vexatórias, pressões, todas elas violam o direito que cada um tem de ser respeitado pelos demais.

Mais do que uma lesão a um direito fundamental, esse assédio moral é passível de indenização. Quando não houver a configuração do assédio moral, por não ter ocorrido condutas reiteradas, mas se houver ocorrido situações humilhantes, vexatórias, o trabalhador pode pleitear indenização através do instituto do “dano moral” (CASTRO, 2007).

Existem muitas formas, atualmente, de prevenção e também do combate ao assédio moral no ambiente laboral, mas falta a regulamentação de uma lei específica para coibir esses atos. Colocar o princípio da dignidade da pessoa humana em prática no Direito do trabalho pode ser uma forma de tentar coibir o assédio moral no ambiente laboral.

O trabalho dignifica o homem, é através dele que o trabalhador sustenta a si e a sua família, adquirindo valores, progresso social. Contudo, é necessário que haja o aumento da eficácia judicial no combate ao assédio, garantindo a todos os trabalhadores a sua dignidade humana. Cabe ao judiciário a responsabilidade de dificultar a prática das condutas assediaassediadoras, utilizando todas as medidas que forem cabíveis para punir os assediadores.

Por fim, cabe salientar que além da necessidade de uma lei específica, de uma melhor eficácia judicial no combate a esse tipo de assédio no trabalho, é necessário antes de tudo que o próprio empregado assediado se manifeste, procure ajuda. A inércia não muda os fatos, o que pode mudar é a ação. O trabalhador deve procurar o sindicato da categoria, para que esse sindicato tome as providências necessárias, entrando em contato com a empresa para verificação das irregularidades e logo após, deve informar as autoridades competentes.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Através desse estudo, foi possível visualizar as transformações profundas que ocorreram no mundo do trabalho com a reestruturação produtiva para garantir mais eficiência e maiores rendimentos ao capital e que, consequentemente, levaram a precarização do trabalho e maior vulnerabilidade do trabalhador. As condições de trabalho estão cada vez pior, causando a redução dos empregos estáveis e o aumento da informalidade. A competitividade dos empresários e o excesso de oferta da força de trabalho contribuem para a proliferação do assédio moral no ambiente de trabalho como ficou explicito entre os comerciários pesquisados.

O assédio moral é a prática reiterada de condutas que atentem contra a dignidade humana do trabalhador, com a capacidade de destruir a sua integridade física e psicológica, trazendo inúmeras consequências: desde a incapacidade para a execução do seu trabalho até casos extremos; como a morte.

É um direito de todos os trabalhadores a um meio ambiente de trabalho saudável e digno, mas que na prática isso não ocorre. Com a competitividade, a busca desenfreada pela lucratividade, a condição humana acaba sendo deixada de lado pelos empregadores. Tornando o ambiente de trabalho um lugar hostil para os trabalhadores.

Através do trabalho de campo percebemos o quanto o assédio moral é uma prática comum no ambiente dos comerciários. Há um grande abuso de poder diretivo do empregador que se utiliza da sua condição de superior hierárquico para humilhar, pressionar, expor a situações vexatórias os seus subordinados em busca de uma maior produtividade e eficiência. Ocorre, porém, que os trabalhadores, na sua grande maioria, não denunciam, não procuram ajuda, por medo de perder o emprego; contribuindo para sua própria degradação física e psicológica.

Foi perceptível também, na realização da etapa empírica, que muitos trabalhadores, mesmo tendo pouco tempo de serviço no âmbito dos comerciários já sofriam as consequências derivadas do assédio: o estresse, a dor de cabeça, a baixa autoestima, os mais citados nos questionários.

Vale destacar que não é uma simples conduta de humilhação, exposição a uma situação vexatória no ambiente laboral que vai caracterizar o assédio moral. O assédio moral no ambiente de trabalho é configurado pelas condutas reiteradas ao longo do tempo, ou seja, se as humilhações, as exposições a situações vexatórias, as pressões passarem a ser uma prática comum, fará jus a configuração do assédio moral.

A falta de uma infraestrutura adequada para garantir a dignidade dos trabalhadores no supermercado pesquisado demonstra a extensão do assédio. Além de o local ser inadequado em relação às condições mínimas para garantir um trabalho decente, o assédio também é praticado entre os trabalhadores. Logo, evidencia-se, no caso estudado, a flagrante violação da dignidade humana do trabalhador. O superprincipio constitucional, fundamental a todo o Estado de Direito, é fortemente afrontado.

Resta assim, ao trabalhador vítima do assédio moral no trabalho denunciar às autoridades competentes, ainda que esta não seja uma prática recorrente. O importante é não se silenciar. O silêncio só irá contribuir para que o perverso continue agir com suas condutas assediadoras. Mesmo com a ausência de uma legislação específica do assédio, a denúncia é o único meio para cessar as perversidades cometidas pelo assediador. A vítima pode pleitear a reparação do dano baseado no princípio da dignidade humana, já que ele é o princípio fundamental de todo o sistema de direitos fundamentais.

O judiciário tem um papel importante de colocar em prática os objetivos dispostos no art. 3º da Constituição Federal. Já o Ministério Público tem o papel de defender os direitos indisponíveis do trabalhador. Os sindicatos também são de bastante importância, já que são eles que representam os trabalhadores e é através deles que se pode solucionar os problemas e buscar melhores condições de trabalho pelo empregador.

Por fim, esse estudo nos permite inferir que o assédio moral no ambiente laboral é uma violação a dignidade do trabalhador e deve ser combatido. Isso se faz primeiramente com a conscientização dos trabalhadores sobre o que é o “assédio moral” e a importância de se procurar prevenção e proteção. Somente combatendo o assédio moral no ambiente laboral, que os trabalhadores comerciários terão a sua dignidade humana respeitada, assegurada como está disposto na Constituição Federal de 1988. A lei é de grande importância, serve para mostrar que o problema existe, é inaceitável e ela permite que o agressor seja punido e a vítima indenizada.

REFERÊNCIAS:

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