Ética profissional e serviço social
Por: Tatiana Fernandes • 14/5/2017 • Trabalho acadêmico • 1.145 Palavras (5 Páginas) • 223 Visualizações
A concepção de ética presente no projeto ético-político do Serviço Social trata da suspensão da cotidianidade e do indivíduo singular para voltar-se aos valores e necessidades humano-genéricas, assim como sistematizar a crítica da vida cotidiana. Isso porque se articula com um projeto societário e possui direções éticas e políticas que visam o atendimento de necessidades sociais – necessidades estas postas na relação capital-trabalho e na “questão social” decorrente desta relação. No entanto, para compreender isto, é necessário saber que tanto a ética quanto a moral são complexos sociais que surgem com o trabalho e suas formas de práxis, além do desenvolvimento do ser social – que na sociabilidade burguesa alienada se desmembra em ser singular e ser genérico.
O trabalho é o ponto de partida da humanização; o “fundamento ontológico-social do ser social”. Se trata da transformação da natureza/matéria natural em objetos que satisfaçam necessidades sociais (valores de uso). Em suma, é o intermédio do homem com a natureza. No entanto, se difere daquela transformação promovida pelos animais: o trabalho é uma categoria que se aplica exclusivamente ao ser social, pois requer a capacidade racional e valorativa do homem, a qual advém da consciência humana. É diferente da transformação dos animais porque devido à consciência o homem possui capacidade teleológica: ele é capaz de prever e planejar a forma como vai transformar a natureza, escolher a melhor forma para tal; idealizar o objeto. Sem esta prévia-ideação o trabalho não é possível, pois depende dela para que ocorra a objetivação – o momento no qual a prévia-ideação é posta em prática, se materializando em um objeto, uma realidade objetiva e nova. Este duplo movimento implica em uma dupla transformação, tanto da realidade objetiva, da matéria, quanto do sujeito, pois quando ele transforma a natureza também se transforma ao adquirir novas habilidades e novos conhecimentos, o que leva à criação de cada vez mais novas necessidades, permitindo o desenvolvimento cada vez mais amplo do ser social e da reprodução social.
No entanto, entre a prévia-ideação e a objetivação se põem as causalidades, sejam elas naturais ou postas. Isso significa que a prévia-ideação se confronta com a objetividade/realidade; há possibilidades de a objetivação não se dar da forma exata como foi previamente idealizada. São essas causalidades que possibilitam que o sujeito adquira novos conhecimentos, ocasionando o processo de exteriorização: quando o sujeito se transforma a partir de fenômenos exteriores à sua subjetividade.
Essas sucessivas transformações do sujeito através do trabalho o constituem como ser social devido ao salto ontológico que ocorre a partir do momento que ocorre o processo de humanização: o homem se afasta cada vez mais da natureza, apesar de ainda ser parte dela e depender dela. Ele se torna mais social à medida que se torna menos natural – quanto mais se difere dos animais pelo trabalho.
Além disso, o trabalho não pode existir por um só sujeito, visto que ele é universal e coletivo. Requer a cooperação entre os homens e por isso é socialmente determinado, respondendo às necessidades sócio-históricas. Por isso, a Revolução Neolítica é um marco deste salto ontológico: é o momento em que o homem deixa de ser nômade e se torna sedentário ao descobrir a agricultura e a criação de animais, o que remete ao advento da propriedade privada, da produção do excedente e da exploração.
Com esta Revolução, começam a ser produzidas novas formas diversas de práxis: objetivações para além da objetivação primária que é o trabalho; novas necessidades e formas de satisfação, já que o ser social não se esgota no trabalho. Isso funda esferas diversas da vida social, como a cultura, a arte, a política, etc. Com isso desenvolve-se a sociabilidade, através do desenvolvimento cada vez mais pleno das capacidades humanas, da totalidade das objetivações do ser social, que é a práxis.
Conforme dito acima, a sociabilidade forma diversos complexos sociais inseridos na totalidade social formada pelo processo de generalização do trabalho. Um desses complexos é a moral. A moral surge da necessidade de estabelecer normas e deveres, já que a sociabilidade desenvolveu-se a ponto de generalizar a convivência social. Possui, portanto, a função integradora de orientar os valores entre o indivíduo e a sociedade. A moral é uma relação entre o indivíduo, de forma singular, e as exigências genérico-sociais. Propicia a suspensão da singularidade ao submeter o indivíduo às normas. Por isso ela é parte da práxis interativa.
Cabe ressaltar que a moral não é a-histórica ou imutável. O senso moral expressa valores e princípios específicos de determinada época histórica ou de determinada sociedade, classe, etc., pois conecta o indivíduo às exigências sócio-culturais que podem variar no espaço e no tempo – os valores morais de uma época podem não se aplicar a uma outra época, pois eles surgem de necessidades históricas.
Além disso, a moral é parte da vida cotidiana, pois as normas criadas através destes valores precisam ser reproduzidas de maneira espontânea e repetitiva, tornando-se hábitos e respondendo de forma imediata as necessidades de integração da sociedade. Os valores morais são aderidos até mesmo de forma inconsciente, tendo em vista a dimensão acrítica, ultrageneralizadora, repetitiva e superficial – além de individualista, o que leva os indivíduos a fazerem juízos de valor. Os juízos de valor orientam a consciência moral dos indivíduos; é uma espécie de código moral não escrito, mas realizado no cotidiano e suas repetições habituais. Com isso, a moral é como um costume, e por se tratar de costume, pode ser contaminada pela alienação, se considerarmos a moral na sociabilidade burguesa e sua função ideológica.
A ética é um complexo social diretamente relacionado à moral, embora estas duas não signifiquem a mesma coisa. Ela surge historicamente tendo por objeto a moral: a ética é uma reflexão crítica e ontológica sobre a moral, pois supõe a suspensão da cotidianidade e a crítica sobre a vida cotidiana – ao contrário da moral, que absorve o cotidiano e se torna parte dele através da aceitação acrítica dos valores morais.
A reflexão ética suspende o individualismo e não busca o atendimento das necessidades imediatas, mas das necessidades humano-genéricas. Portanto, esta ética a qual o projeto ético-político do Serviço Social possui como perspectiva é revolucionária por ser crítica à moral contemporânea: a moral alienada do modo de produção capitalista, que fragmenta o indivíduo social em ser singular e ser genérico, quando ele é os dois.
A reprodução da totalidade social permite que o indivíduo reproduza a si mesmo, a sua subjetividade, seu “eu”, formando o ser singular. Já a genericidade do ser diz respeito a tudo o que é relacionado às conquistas da humanidade e ao desenvolvimento de todas as capacidades humanas; diz respeito ao gênero humano como um todo. Mas esta separação entre as duas dimensões ocorre com o fator da alienação: o ser social é simultaneamente singular e genérico. Portanto, a ética é a mediação entre a singularidade e a genericidade do ser; é a reflexão que eleva o ser social à sua condição de humano-genérico.
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