O Ensaio sobre o Amor
Por: netovannucci • 13/2/2016 • Ensaio • 2.143 Palavras (9 Páginas) • 739 Visualizações
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
TRABALHO N2
Comunicação Comparada – Prof. Dr. Martin Cézar Feijó
“Diga que fico”, disse o amor.
São Paulo
2015
FUNDAÇÃO ARMANDO ALVARES PENTEADO
TRABALHO N2
“Diga que fico”, disse o amor.
Trabalho para avaliação da N2. Faculdade de Comunicação e Marketing, curso de Publicidade e Propaganda, disciplina de Comunicação Comparada.
Grupo: Ana Paula Barros, Brenda Divino, Daniel Diskin, Maria Clara Leal e Nelson Neto.
Orientação: Prof. Dr. Martin Cézar Feijó
“Diga que fico”, disse o amor.
O Amor e seus sentidos
“O amor – no sentido de eros, não de ágape(...)”. Ora comecemos este trabalho enfatizando a afirmação de Platão de que o amor pode ser dividido em três fases: Eros, Ágape e Phillia. Segundo Platão e André Comte-Sponville, cuja obra está sendo integrada a este trabalho, o amor é como um caminho. Este caminho, complexo por si só, passa por diversas etapas, e o trajeto com destino ao amor verdadeiro pode ser longo ou curto, demorado e rápido, difícil ou fácil.
Eros, aos gregos, correspondia ao amor embriagador e envolvente, aquele que passava por cima da razão e levava o homem a transcender sua existência, a experimentar algo do divino. O amor eros é o instinto, está ligado aos corpos belos, e só pode realizar-se no conjunto homem e mulher, ou também numa relação homossexual, uma junção que represente a totalidade humana.
Comte não coloca o amor como uma pulsão de vida, como um instinto, para ele é apenas um sentimento. Ele faz uma trajetória filosófica, juntamente com experiências próprias, para definir três formas diferentes de amor e explicar como o amor conjugal, partindo de eros – o amor-paixão, pode ou não ser feliz. O eros é o amor que se rege pela falta da pessoa amada, o desejo de estar com ela, por isso não pode sobreviver ao casamento, pois no casamento a pessoa nunca falta, não podendo então haver desejo. Por isso, a existência de casais felizes só pode ser explicada através de outra forma de amor, a philia, o amor-amizade, o amor à alma da pessoa, não mais ao corpo. É a passagem para um novo estágio em que o desejo não é mais falta e sim potência, potência de regozijar-se com aquilo que se tem. Não há amor (eros) feliz, nem felicidade sem amor (philia), geralmente uma história de amor transita entre os dois polos. Já ágape, o amor de caridade, para o autor, é um tipo de amor que não passa de um ideal, mas que acontece de alguma maneira em um casal, por exemplo, quando existe uma renúncia a exercer ao máximo sua potência, quando existe a escolha de “existir um pouco menos”, “ocupar menos espaço”, para que o outro possa “existir um pouco mais”. Sobre isto, ele cita uma frase de Adorno: “Serás amado quando puderes mostrar tua fraqueza sem que o outro se sirva dela para afirmar sua força”. Este é o amor de caridade, o ágape, e ele só pode existir na construção, na evolução, no fim do caminho que é o amor. Ele só pode existir junto às outras formas.
O amor enquanto conceito político-cultural
Dessa maneira, o amor (eros) enquanto conceito político-cultural, é uma forma duas vezes redutiva do amor. Primeiro, por separar o amor a uma única dimensão e, segundo, pelo fato mesmo de ser uma política cultural, algo que serve a alguma ideologia, a alguma forma de redução do próprio ser humano. Mesmo assim, vamos analisá-lo historicamente.
Vamos começar por Platão e a igreja. Para Platão, o amor é uma educação para o universal, um caminho que se realiza na plenitude da eternidade, um caminho trilhado a dois, que passa, como se fosse por degraus, de eros a philia e de philia a ágape (mesmo que Platão não utilize essa palavra), do amor a um corpo belo ao amor a todos os corpos belos, e desse ao amor às almas belas, e desse ao amor às ciências belas e enfim ao amor ao Belo em si. A política cultural exercida pela Igreja é parecida com a de Platão, porém o caminho é invertido, pois ágape viria antes de eros, afinal, é preciso casar-se virgem. E outra diferença entre as duas é o fato de que o amor, em Platão, só pode ser exercido por duas pessoaslivres (no caso, por dois homens, na época da Grécia Antiga), e, para a Igreja, os indivíduos não são livres para escolher, pois o casamento é negociado pelos pais.
Como estamos falando de eros, temos também que falar de sexo, ou da sexualidade, o sexo como construção social ligada a valores. Marques de Sade – século XVIII/XIX, mesmo tendo sido um escritor maldito e censurado, tem um papel decisivo na construção de uma política cultural para a sexualidade, pois desconstrói e revoluciona a sexualidade, modifica tabus da liberdade do ser humano. O que ele faz é revelar os desejos mais profundos do inconsciente humano, ou melhor - do homem, já que a mulher era tida como um objeto de prazer. O impacto de Sade foi grande, principalmente quando foi posteriormente incorporado ao mundo pelos artistas surrealistas e por filósofos, como Sartre e Simone de Beauvoir, na passagem de uma cultura verbal a uma cultura visual, pois nesta época surgia a fotografia e a imagem se valorizava. O valor da imagem em si crescia juntamente com a imagem perversa proposta por Sade para a mulher – o objeto de prazer dos homens, e também crescia uma proposta de liberdade sexual pelos filósofos existencialistas.
Em paralelo a Sade, na mesma época, havia também um movimento político-cultural para o amor, o romantismo. O romantismo, comomovimento centrado no indivíduo, exaltava o amor como um ideal, e propunha, pela primeira vez desde Platão, que o amor fosse uma escolha entre indivíduos livres. É a primeira vez que o amor entre pessoas livres se realiza na condição heterossexual, as histórias românticas são sempre de mulheres lutando pelo direito de escolher seu amor.
Tudo isso é importante para entender o amor como conceito político-cultural na modernidade. O capitalismo propiciou a consolidação do amor romântico, pois as pessoas são cada vez mais livres. O cinema, a partir dos anos 30, a televisão e, principalmente, a publicidade pressionaram a política cultural da época a exaltar valores para uma vida mais livre. A contra-cultura, nos anos 60, também veio para reforçar essa idéia, colocando o jovem à frente da luta. Muitas políticas culturais ajudaram a construir a idéia de amor no contexto em que vivemos.
A última grande revolução do pensamento, que ocorreu no século XIX com a modernidade, é a da mercadoria como universal concreto, é o mundo interpretado a partir de referências materiais. O sexo é uma mercadoria, as pessoas são mercadorias, o amor é uma mercadoria, a arte é uma mercadoria, até a religião é uma mercadoria. E a política, na modernidade, é um meio para se atingir metas, o Estado é o regulador das paixões, logo, a políticacultural para o amor nos dias de hoje é que ele siga a lógica do consumo, a lógica hedonista dos prazeres imediatos.
A modernidade, ao mesmo tempo em que une a espécie humana, pois faz com que as pessoas sejam livres, também leva a desunidade, a medida em que transforma o amor (aqui, não estou falando só do eros) - a última forma que nos restou de aproximação com a essência, com a aura do que existe - em nada.
O amor pode estar com seus dias contados
O amor (eros) enquanto conceito político-cultural de Platão aos românticos pode acabar, porque conceitos político-culturais acabam mesmo, ou mudam. Explicar o mundo pela mercadoria faz com que as relações entre pessoas sejam reguladas pela práxis mercantil, existe uma sensação de instrumentalização dessas relações. O que está surgindo agora é esse amar-consumir. Amar-consumir as coisas, amar-consumir a natureza, amar-consumir o outro, amar-consumir o que houver de melhor.
A Laura Kipnis, autora do livro Contra o amor (do qual eu não tive acesso ainda, mas pude ver sua entrevista no programa Roda Viva da TV Cultura), fala que o amor provoca regressão e um dos motivos pelo qual ela escreveu o livro é por achar que as pessoas pedem muito pouco de suas situações e que pedir mais é o primeiro passo para conseguir mais. O casamento,então, é um cemitério prematuro que só pode preparar as pessoas para uma aquiescência na vida, na política, na economia. Essa é a lógica do consumo no amor.
Nós somos mercadoria com concorrência muito forte. Precisamos estar sempre com boa aparência, por isso fazemos dietas constantes, exercícios e, se for o caso, cirurgias. Precisamos estar sempre felizes, por isso vamos ao psiquiatra e tomamos remédios para manter sempre o mesmo bom - humor. Não podemos ficar tristes, ou ansiosos, ou viver o luto, por exemplo, porque isso nos torna improdutivos. Nós temos que produzir bem e produzir sempre, por isso também estudamos muito e caminhamos cada vez mais a uma especialização de uma especialização de uma especialidade da nossa área. A Laura Kipnis está certa, não há como ter espaço para o amor, não há como ter paciência para o amor. Nós temos que acompanhar a era da informação, a era do hedonismo e a era do relativismo.
A era da informação é acompanhada de uma crescente atrofia da experiência. Esse é o problema. Não há como ter amor sem experiência, o amor é uma experiência, é a experiência de viver. Com tanta informação não é possível mesmo viver. Tudo para de fazer sentido, mas ninguém percebe, porque não dá tempo de enxergar nada entre uma informação e outra. Mas o amor está lá.
É possível relacionar essa crisena idéia do amor romântico, ou platônico (não no sentido do censo-comum), com a questão levantada por Walter Benjamin: a perda da aura por conta da técnica, da instrumentalização. A aura em torno de um objeto corresponde à experiência que se cristalizou nele. A experiência da aura se baseia na transferência de uma forma de reação comum na sociedade humana à relação do inanimado ou da natureza com o homem. O amor é o inanimado, é a natureza que continua ali, mas já não pode ser vista. Baudelaire, o poeta que abre a modernidade, atesta a perda da aura em suas poesias quando descreve olhos que perderam a capacidade de ver.
E o cinema com isso?
Eu sou estudante de cinema e eu costumo dizer que a arte me salvou. A arte me levou à experiência e a vontade de não perdê-la, mesmo que hoje eu tenha que fazer um esforço enorme para não me afastar disso, pois também sou bombardeada pelo mundo e suas ideologias e políticas culturais. A minha proposta com o cinema é, obviamente, a de desconstruir essa nova política cultural que está surgindo para o amor, em detrimento daquela de Platão aos românticos.
O cinema é a arte que mais pode representar a realidade como ela é. A minha proposta é que ele contorne isto. A realidade como ela é já é o que vivemos, o que precisamos agora é voltar a acreditar em qualquer coisa quenão seja a ciência ou a mercadoria, porque não existe verdade nisso. Isso só nos diminui cada vez mais.
Eu não acredito em Deus da maneira cristã, mas eu acredito que exista alguma energia responsável por tudo, que é o amor. Eu acho que nós precisamos de mais espiritualidade, menos consumo, menos ciência, menos progresso, menos informação, mais experiência, mais amor. E eu acho que o cinema pode trabalhar algo nesse sentido, de talvez servir como os olhos que têm a capacidade de ver. O cinema precisa assinalar que alguma coisa ainda está viva e que o amor (eros) é uma parte do caminho.
Um dos filmes que vi recentemente que me levou a pensar que isso é possível é A árvore da vida, de Terrence Malick. O filme tenta se aproximar de algo que transcenda a instrumentalização - as imagens impressionantes da natureza, do universo, um tempo de desenvolvimento que não é o tempo da mercadoria, da modernidade, pois o filme é lento. É um filme que te obriga a olhar com olhos de ver, pois ele responde ao seu olhar, ele olha para você em retorno, e te conecta com algo maior que ele, o amor.
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