A Hermenêutica e Desconstrução
Por: Cris Candido • 1/5/2019 • Artigo • 2.433 Palavras (10 Páginas) • 162 Visualizações
HERMENÊUTICA E DESCONSTRUÇÃO:[a] Um possível diálogo entre Hans-Georg Gadamer e Jacques Derrida[b]
Cristiane Roberta Xavier Candido[1]
RESUMO
Este trabalho tem a finalidade de apresentar (mesmo que em caráter inicial) a possibilidade de um diálogo sobre a questão da Hermenêutica (especificamente no que concerne ao âmbito da compreensão/tradução de textos) entre o alemão Hans-Georg Gadamer com a obra Verdade e Método (1999) e o franco-argelino Jacques Derrida, com a obra A Farmácia de Platão (2005). Torna-se interessante o desenvolvimento deste assunto tendo em vista os posicionamentos destes dois pensadores em que um, parte do pressuposto que a hermenêutica se faz presente já no instante em que compreendemos algo, já para o outro, o ato de compreender implica em uma espécie de doutrinação (já esperada) do que está sendo estudado, portanto, a hermenêutica tratar-se-ia de uma “infusão” de conhecimentos pré-compreendidos e que não trazem nada de novo. Desta forma, para Derrida é mais interessante que, ao invés da simples compreensão, que o resultado do estudo tome outros rumos e novas traduções com novos direcionamentos, ou seja, que seja desconstruído. Entretanto, não existiria uma linha de congruência entre estes dois pensamentos? É o que se buscará responder com este exposto.
PALAVRAS-CHAVE: Hermenêutica; Georg-Hans Gadamer; Jacques Derrida.
ABSTRACT
This work aims to present (even in the initial character) the possibility of a dialogue on the issue of Hermeneutics (specifically with regard to the scope of understanding / translation of texts) between the German Hans-Georg Gadamer with the Truth and work method (1999) and the French-Algerian Jacques Derrida with the work The Pharmacy of Plato ( 2005). It is interesting the development of this issue in view of the positions of these two thinkers in which one assumes that hermeneutics is present since the moment that we understand something, as for the other, the act of understanding implies a kind indoctrination (as expected) than is being studied, thus treating the hermeneutic would be a "infusion" pre-understood knowledge and do not provide anything new. Thus, for Derrida it is more interesting than, rather than the simple understanding that the outcome of the study take new paths and new translations with new directions, that is, to be deconstructed. However, there would be a line of congruence between these two opinions? This is what we seek to answer with this exposed.
KEY-WORDS: Hermeneutics; Georg-Hans Gadamer; Jacques Derrida.
É[c] i[d]nteressante a possibilidade de contemplarmos um possível diálogo entre pensadores como Gadamer e Derrida - em que, um é pensador da fenomenologia e o outro, da desconstrução – acerca da hermenêutica. De antemão já podemos nos atentar ao fato de que, Derrida sendo um notório expoente da filosofia desconstrucionista, observa a questão da hermenêutica como uma espécie de percalço no desenvolvimento do exercício reflexivo filosófico.
Podemos compreender melhor esta ideia (mesmo que grosso modo), na medida em que verificamos que na desconstrução derridiana a interpretação (ou a hermenêutica) precisa ser cautelosa para que não se torne simplesmente uma reprodução fecundada por tradições e historicidade. Pelo contrário, para Derrida, a tradição necessariamente precisa passar por um processo de “desmontagem” ou de desconstrução para que, posteriormente, possa ser viabilizado (em seu interior) um paralelo entre pontos coesos e pontos incoerentes.
Desta forma, a hermenêutica no ponto de vista derridiano – mais especificamente na obra A Farmácia de Platão (2005) – “delimita a intuição” [2] e conduz a vida e o pensar da humanidade por uma via pré-determinada tal como ocorria com a sociedade grega clássica que tinha seu destino fundamentado pelos/nos mitos tradicionais. Entretanto, isto não quer dizer que Derrida simplesmente buscava anular a história e/ou o caráter necessariamente interpretativo que se efetiva previamente a desconstrução, afinal, para realmente desconstruir algo precisamos conhecer de fato este algo.
Logo, o que podemos perceber é que, o que Derrida coloca em questão é a forma que a hermenêutica assume durante seu processo; forma esta que norteia a humanidade a uma reprodução de representações, ou seja, de uma construção de realidade distorcida e metafísica. Sendo assim, de acordo com a reflexão do pensador da desconstrução, antes que se estabeleça compreensões provenientes da interpretação, que ocorra então um confrontamento entre o tradicional e a diferença, pois deste modo, evita-se o recrudescimento dogmático do pensamento[e].
Já Gadamer em Verdade e Método parte da ideia de que a hermenêutica busca conhecer o que é verdadeiro sem, necessariamente, estar atrelada ou se manifestar através de um método.
Nas palavras do pensador:
A hermenêutica que se vai desenvolver aqui não é, por isso, uma doutrina de métodos das ciências do espírito, mas a tentativa de um acordo sobre o que são na verdade as ciências do espírito, para além de sua autoconsciência metódica, e o que as vincula ao conjunto da nossa experiência do mundo. Se fizermos da compreensão o objeto de nossa reflexão, o objetivo não será uma doutrina artificial da compreensão, como o queria a hermenêutica tradicional da filologia e da teologia. Uma tal doutrina artificial ignoraria que, em face da verdade do que a tradição nos diz, o formalismo do saber artificial faz uma falsa reivindicação de superioridade. (GADAMER, 1999, p.34[f])
Segundo o autor de Verdade e Método, o conhecimento se efetiva por meio de interpretações variadas, cujas naturezas são plurais e nem um pouco homogêneas. Em outras palavras, de acordo com Gadamer, geramos nossos conceitos de mundo, de vida e outros mais por meio das experiências que vivenciamos no decorrer da história e pelas interpretações que estabelecemos diante destas.
Cabe ressaltar que a verdade a que Gadamer se refere quando aborda a questão do conhecimento não é aquela defendida pelo Iluminismo (Aufklärung) baseada na certeza atestada por uma razão inquestionável. Tendo isto em vista, podemos observar que em Gadamer todo o tipo de conhecimento é válido[g].
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